sábado, 27 de dezembro de 2008

João e José


João é analista de sistemas e, nas horas vagas, poeta. Gosta de investir em telas de artistas plásticos brasileiros. Fala inglês e arranha no espanhol. É bem-humorado, culto e sonha em fazer um jeep tour no Nordeste. É alto, quase magro e usa óculos. Mora num apartamento com poucos móveis. Lá vive com o cardiologista José.

João e José fizeram o que fazem joãos e marias, paulos e terezas, flávios e sônias: se viram, gostaram do que viram, namoraram, gostaram ainda mais do que ninguém viu, casaram. Formam um casal estável. São felizes. Não se beijam na boca no meio da rua, não dançam agarradinhos, não andam de mãos dadas. Sabem que vida em sociedade requer um comportamento padrão e procuram não provocar. São civilizados de uma maneira que os outros não são com eles.

João e José pagam imposto de renda, conta de luz, água, telefone e um condomínio caro por mês. Votam. Têm passaporte. Carteira de motorista. Pagam multa se ultrapassam o sinal vermelho. Descontam INPS. Comem carne de gado e bebem leite de vaca. Vendo uma fotografia dos dois, você não diria que são marcianos ou de qualquer outro planeta que não seja este.

Dificilmente vemos um casal de gays dando palpite na vida íntima dos outros. Ninguém como eles sabe que a privacidade alheia é sagrada. No entanto, os joãos e josés, as renatas e veras e todos os outros casais alternativos que se amam são obrigados a conviver com o preconceito, com leis atrasadas, com piadinhas cretinas, com tudo o que os empurra, muitas vezes, para o exílio social.

Nós, heterossexuais, não somos Ph.D em amor. Se fôssemos, não haveria tanto casal se desfazendo. Amor é aprendizado constante, e não tem regra. É absurdo não aceitar o homossexualismo como uma tentativa legítima de ser feliz. Eles não querem adesão, querem respeito. O brasileiro se acha muito moderno por ter computador, celular e carro importado, mas enquanto não deixar que sua mentalidade evolua, continuará um habitante das cavernas.

Martha Medeiros

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