domingo, 21 de agosto de 2011

Smukke Mennesker


Diretor: Mikkel Munch-Fals (Dinamarca)
A vida de quatro pessoas que anseiam algo melhor. Ingeborg que se sente pouco atraente, o jovem Jonas que de tão atraente pode, literalmente, vender o que tem. Anna, uma bela mulher, com uma sequela física, e Anders, um homem gentil com um distúrbio psicológico. Quatro pessoas desejando o amor, cada qual ao seu estilo, esperando por um amanhã melhor.

domingo, 14 de agosto de 2011

Monolito

Ao completar trinta anos, você ganhará os olhos duros dos sobreviventes. Só verá sua amada na parte da manhã e da noite, só encontrará seus pais de vinte em vinte dias. E quando seus velhos morrerem, você ganhará um dia de folga para soluçar e gritar que deveria ter ficado mais próximo deles. Sorria, você é um jovem monolito e a vida vai ser pedrada. O trabalho é uma grande cadeia e você sentirá muito alívio por ter uma. A cadeia engrandece o homem, o sangue do dinheiro tem poder. Reze. Reze ajoelhado por uma carreira, dê a sua vida por ela. Viva como todo mundo vive, você não é melhor que ninguém. Porque o dinheiro move montanhas, o dinheiro é a igreja que lhe dará o céu. Sorria, você é um jovem monolito e o mundo é uma pedreira. Eles irão moer você todinho. De brinde, muitos domingos para chorar sua falta de tempo ou operar uma tendinite. Nas terríveis noites de domingo, beba. Beba para conseguir dormir e abraçar mais uma monstruosa segunda-feira. Aquela segunda-feira que deixa paus moles e vaginas secas para sempre. A vida é uma grande seca, mas ninguém sente calor: Nas salas refrigeradas, seus colegas de trabalho fabricam informação e, frios, sonham com o dia dez do próximo mês. Você é o Babaca do Dia Dez, não há como mudar o seu próprio destino. Babaca que acorda assustado, porque ninguém deve atrasar mais de vinte e cinco minutos. Eles descontam em folha e você é refém da folha, do salário, do medo. Ninguém tem o direito de ser feliz, mas você ganhará a sua esmola de seis feriados por ano. E todos nós vamos enfrentar, juntos, um imenso engarrafamento até a praia. Para fingir que ainda estamos vivos. Para mostrar que ainda somos capazes de sentir prazer. Para tomar um porre de caipirinha sentado em uma cadeirinha de praia. É uma grande solução. E você ainda ganhará quinze dias de férias para consertar a persiana, pagar contas, fazer uma bateria de exames. Ninguém quer morrer do coração, ninguém quer viver de coração. Eu não duvido da sua capacidade de vencer: Lembre disso no primeiro divórcio, no primeiro infarto, no primeiro AVC.

texto e pinturas de André Dahmer




London Burning


LONDRES - Um dos mais influentes acadêmicos europeus, já descrito por alguns comentaristas mais entusiasmados como o mais importante sociólogo vivo da atualidade, o polonês Zygmunt Bauman viu nos distúrbios de Londres uma aplicação prática de suas teorias sobre o papel do consumismo na sociedade pós-moderna. Um assunto que o acadêmico, radicado em Londres desde 1968, quando deixou a Polônia após virar persona non grata para o regime comunista e por conta de uma onda de anti-semitismo no país, explorou bastante em conjunção com as discussões sobre desigualdade social e ansiedade de quem vive nas grandes cidades.

Aos 85 anos, autor de dezenas de livros, como "Amor líquido" e "O mal-estar da pós-modernidade", Bauman não dá sinais de diminuir o ritmo. Há cinco anos, no lançamento de "Vida para Consumo", uma de suas obras mais populares, fez uma turnê por vários países. Em entrevista ao GLOBO, por e-mail, ele afirma que as imagens de caos na capital britânica nada mais representaram que uma revolta motivada pelo desejo de consumir, não por qualquer preocupação maior com mudanças na ordem social.

- Londres viu os distúrbios do consumidor excluído e insatisfeito.

O GLOBO: O quão irônico foi para o senhor ver os distúrbios se concentrando na pilhagem de roupas e artigos eletrônicos?

ZYGMUNT BAUMAN: Esses distúrbios eram uma explosão pronta para acontecer a qualquer momento. É como um campo minado: sabemos que alguns dos explosivos cumprirão sua natureza, só não se sabe como e quando. Num campo minado social, porém, a explosão se propaga, ainda mais com os avanços nas tecnologias de comunicação. Tais explosões são uma combinação de desigualdade social e consumismo. Não estamos falando de uma revolta de gente miserável ou faminta ou de minorias étnicas e religiosas reprimidas. Foi um motim de consumidores excluídos e frustrados.

O GLOBO:Mas qual a mensagem que poderia ser comunicada?

BAUMAN: Estamos falando de pessoas humilhadas por aquilo que, na opinião delas, é um desfile de riquezas às quais não têm acesso. Todos nós fomos coagidos e seduzidos para ver o consumo como uma receita para uma boa vida e a principal solução para os problemas. O problema é que a receita está além do alcance de boa parte da população.

O GLOBO:Trata-se de um desafio a mais para as autoridades na tarefa de acalmar os ânimos, não?

BAUMAN: O governo britânico está mais uma vez equivocado. Assim como foi errado injetar dinheiro nos bancos na época do abalo global para que tudo voltasse ao normal - isso é, as mesmas atividades financeiras que causaram a crise inicial - as autoridades agora querem conter o motim dos humilhados sem realmente atacar suas causas. A resposta robusta em termos de segurança vai controlar o incêndio agora, mas o campo minado persistirá, pronto para novos incêndios. Problemas sociais jamais serão controlados pelo toque de recolher. A única solução é uma mudança cultural e uma série de reformas sociais. Senão, a mistura fica volátil quando a polícia se desmobilizar do estado de emergência atual.

O GLOBO:Jovens de classe baixa reclamam demais da falta de oportunidades de trabalho e educação. O senhor estranhou não ter visto escolas pegando fogo, por exemplo?

BAUMAN: Qualquer que seja a explicação dada por esses meninos e meninas para a mídia, o fato é que queimar e saquear lojas não é uma tentativa de mudar a realidade social. Eles não se rebelaram contra o consumismo, e sim fizeram uma tentativa atabalhoada de se juntar ao processo. Esses distúrbios não foram planejados ou integrados, como se especulou no início. Tratou-se de uma explosão de frustração acumulada. Muito mais um porquê que um para quê.

O GLOBO:Mesmo o argumento de protesto contra os cortes de gastos do governo não deve ser levado em conta?

BAUMAN: Até agora, não percebi qualquer desejo mais forte. O que me parece é que as classes mais baixas querem é imitar a elite. Em vez de alterar seu modo de vida para algo com mais temperança e moderação, sonham com a pujança dos mais favorecidos.

O GLOBO:Mais problemas são inevitáveis, então?

BAUMAN: Enquanto não repensarmos a maneira como medimos o bem-estar, sim. A busca da felicidade não deve ser atrelada a indicadores de riqueza, pois isso apenas resulta numa erosão do espírito comunitário em prol de competição e egoísmo. A prosperidade hoje em dia está sendo medida em termos de produção material e isso só tende a criar mais problemas em sociedades em que a desigualdade está em crescimento, como no Reino Unido.



segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Alteridade


A palavra alteridade, que possui o prefixo alter do latim possui o significado de se colocar no lugar do outro na relação interpessoal, com consideração, valorização, identificação e dialogar com o outro. A pratica alteridade se conecta aos relacionamentos tanto entre indivíduos como entre grupos culturais religiosos, científicos, étnicos, etc. Na relação alteritária, está sempre presente os fenômenos holísticos da complementaridade e da interdependência, no modo de pensar, de sentir e de agir, onde o nicho ecológico, as experiências particulares são preservadas e consideradas, sem que haja a preocupação com a sobreposição, assimilação ou destruição destas.

Alteridade (ou "outridade") parte do pressuposto básico de que todo o homem social interage e interdepende de outros indivíduos. Assim, como muitos antropólogos e cientistas sociais afirmam, a existência do "eu-individual" só é permitida mediante um contato com o outro (que em uma visão expandida se torna o Outro - a própria sociedade diferente do indivíduo).

Dessa forma eu apenas existo a partir do outro, da visão do outro, o que me permite também compreender o mundo a partir de um olhar diferenciado, partindo tanto do diferente quanto de mim mesmo, sensibilizado que estou pela experiência do contato.

A “noção de outro ressalta que a diferença constitui a vida social, à medida que esta efetiva-se através das dinâmicas das relações sociais. Assim sendo, a diferença é, simultaneamente, a base da vida social e fonte permanente de tensão e conflito” (G. Velho, 1996:10)

“A experiência da alteridade (e a elaboração dessa experiência) leva-nos a ver aquilo que nem teríamos conseguido imaginar, dada a nossa dificuldade em fixar nossa atenção no que nos é habitual, familiar, cotidiano, e que consideramos ‘evidente’. Aos poucos, notamos que o menor dos nossos comportamentos (gestos, mímicas, posturas, reações afetivas) não tem realmente nada de ‘natural’. Começamos, então, a nos surpreender com aquilo que diz respeito a nós mesmos, a nos espiar. O conhecimento (antropológico) da nossa cultura passa inevitavelmente pelo conhecimento das outras culturas; e devemos especialmente reconhecer que somos uma cultura possível entre tantas outras, mas não a única.” (F. Laplantine, 2000:21)

Tal tema foi estudado ainda por Tzvetan Todorov em seu livro A conquista da América - a questão do outro, onde é estudado no contexto do descobrimento e a conquista da América no primeiro centenário após a primeira viagem de Colombo, basicamente no século XVI. Há ainda, contudo, menções a essas relações de alteridade em obras anteriores a Todorov, como por exemplo, em Michel de Montaigne, um dos autores dos textos a serem cruzados:

"Mas, para retornar a meu assunto, acho que não há nessa nação nada de bárbaro e de selvagem, pelo que me contaram, a não ser porque cada qual chama de barbárie aquilo que não é de costume; como verdadeiramente parece que não temos outro ponto de vista sobre a verdade e a razão a não ser o exemplo e o modelo das opiniões e os usos do país em que estamos".

Apontamentos podem ser feitos não só durante o processo de conquista e colonização da América, mas em toda a história do contato entre diferentes povos e culturas. Por exemplo, pode-se partir desde Cortés, que procurou conhecer o outro, buscando intérpretes e estabelecendo táticas de guerra. Surge aqui uma personagem curiosa: Malinche. Ela foi dada por Montezuma aos espanhóis e acaba sendo fundamental para o processo de conquista promovido por Cortés, pois sabia a língua dos maias e astecas e posteriormente também o espanhol. Para os indígenas é o símbolo da traição, para outros é o símbolo da mestiçagem, porque Malinche não é somente bilíngüe, mas também "bicultural", e adotou inclusive a ideologia do "outro". Deste modo, a humanidade do outro só foi concebida quando integrada à cultura do "eu", ocorrendo uma assimilação, uma integração da cultura do "outro" à européia, no caso.

Avançando cronologicamente na História, é possível ainda encontrar relatos de relações de alteridade no texto "Descobrindo os brancos", de autoria de um índio ianomâmi chamado Davi Kopenawa Yanomaqui, já no século XX. Nele, as relações de alteridade mais uma vez são descritas, desta vez devido à invasão de suas terras, no estado brasileiro do Amazonas, por milhares de garimpeiros entre os anos de 1987 e 1990.

Assim, a análise crítica dessas obras pode levar à indagação de que, por vezes, os estudos históricos possam ser em parte o reflexo do modo de agir e pensar dos europeus na época da conquista, que tomaram a sua sociedade, os seus valores como o "correto" e o "modelo" a ser seguido pelos "outros".

A prática da alteridade conduz da diferença à soma nas relações interpessoais entre os seres humanos revestidos de cidadania. Pela relação alteritária é possível exercer a cidadania e estabelecer uma relação pacífica e construtiva com os diferentes, na medida em que se identifique, entenda e aprenda a aprender com o contrário.

“Ou aprendemos a viver como irmãos, ou vamos morrer juntos como idiotas”(Martin Luther King).

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Melancolia



Melancólico apocalipse

O diretor Lars von Trier deixa de lado suas críticas ao estilo de vida americano e mergulha na alma humana em "Melancolia"

Depois de tratar de assuntos polêmicos na inacabada trilogia ironicamente intitulada “EUA, a Terra das Oportunidades”, que incluiu os filmes “Dogville” e “Manderlay”, o cineasta dinamarquês Lars von Trier resolveu falar sobre a complexidade da natureza humana em seu novo longa-metragem “Melancolia”, com estreia prevista no Brasil para a sexta-feira 5.

Aplaudido de pé e agraciado com a Palma de Ouro de melhor atriz para Kirsten Dunst no último Festival de Cinema de Cannes, o filme é dividido em dois momentos e foca a relação das irmãs Justine (Dunst) e Claire (Charlotte Gainsbourg) que passam a refletir sobre os rumos de suas vidas ao saberem que um estranho planeta pode se chocar contra a Terra a qualquer momento.

Enquanto o fim do mundo se aproxima, as personagens trocam de papel e Justine, a confusa, vai ganhando um ar de serenidade, enquanto Claire, a organizada, perde a cabeça aos poucos. O mesmo acontece com os seus respectivos maridos, Michael (Alexander Skarsgard) e John (Kiefer Sutherland).

“Melancolia” não é tão pesado quanto o trabalho anterior de Trier, “Anticristo”, mas não deixa de causar desconforto com suas situações constrangedoras em família – o discurso em pleno casamento feito pela pessimista tia Gaby (Charlotte Rampling) no qual ela diz que “a união do casal não daria certo” é um bom exemplo.

Outra mudança de estilo promovida pelo diretor foi ter deixado de lado a escuridão monocromática de seus trabalhos recentes. Optou pelo contrário. Usando como locação uma espécie de château com um vasto gramado onde se passa o casamento de Justine e Michael, o diretor contrasta o verde do campo aberto com a iluminação controlada de um estúdio de filmagens, conferindo densidade às cores em cena.Von Trier chegou a declarar que Justine, que sofre de depressão, seria seu alter ego. Polêmico, não bastou ser expulso de Cannes por comentários a favor do nazismo: ele agora anda prometendo que seu próximo filme será do gênero pornográfico para “se cercar de gente descomplicada”.

O cineasta Lars von Trier, diretor do filme "Melancolia", com estréia no Brasil na sexta -feira 5, deu a seguente esntrevista à jornalista Elaine Guerini da revista Isto É.

Elaine Guerini - Em que se inspirou para filmar o fim do mundo em "Melancolia" ?
Lars von Trier - A idéia inicial era escrever um filme para Penélope Cruz, que me procurou dizendo que queria trabalhar comigo. O primeiro tema que passou pela cabeça foi a depressão. Aí uma coisa puxou outra. Pesquisando sobre depressão, descobri que Saturno é o planeta da melancolia e depois cai em sites sobre colisões cósmicas.

Elaine Guerini - E porque Penélope Cruz não interpretou a personagem, que acabou sendo feita por Kirsten Dunst?
Lars von Trier - Porque ela preferiu atuar na franquia "Piratas do Caribe", em que ganharia muito mais dinheiro. Faz sentido, não ?

Elaine Guerini - Ficou ressentido com ela ?
Lars von Trier - Não. Entendo que ela queira atuar numa superprodução de Hollywood, mas não sei se terá outra chance comigo. Quando abandonou o fime disse que gostaria de tentar de novo. Tive de ser sincero e falei que nunca mais escreveria um papel exclusivo para ela.

Elaine Guerini - É verdade que o sr. está escrevendo um filme pornô, para rodar com astros dinamarqueses do gênero ?
Lars von Trier - Sim. Estou trabalhando na história de uma mulher que descobre a sua sexualidade. O título provisório é "A Ninfomaníaca". Depois de tudo que aconteceu em Cannes será melhor mesmo eu me cercar de gente descomplicada.

Elaine Guerini - Não é irônico o fato de "Melancolia" ter agradado a crítica ? Dessa vez foi o sr. quem desagradou ?
Lars von Trier - Sabe qual é o problema ? Diante de uma platéia, sempre me sinto na obrigação de entretê-la. Como tudo ia muito bem na coletiva, pelo fato de o filme ter sido bem recebido, comecei a falar besteira. A verdade é que todo mundo espera que eu fale algo provocativo.

Elaine Guerini - Os seus filmes chocantes já não bastam mais ?
Lars von Trier - Talvez não. A crise dos 50 anos está realmente mexendo comigo. Mas há um lado bom. Álcool, por exemplo. Se me perguntassem o que me deixava mais feliz há um ano e meio, eu responderia: uma garrafa de uísque escocês. Mas depois da filmagem de "Melancolia" parei de beber.

Elaine Guerini - O que deixa o sr, feliz ?
Lars von Trier - Sentir as páginas de um livro de Marcel Proust. Estou lendo o quinto livro da obra "Em Busca do Tempo Perdido" e estou fascinado pela forma como ele descreve as coisas.

Elaine Guerini - Gostaria de escrever livros ?
Lars von Trier - Ainda gosto de filmar. O problema é que o cinema anda preso demais ao roteiro. O que acho inspirador nos romances de Proust é o jeito como ele lentamente leva o leitor até o topo da montanha, e logo depois nos conduz ao vale, que nunca é tão interessante assim. Ficar entediado faz parte da existência.