quarta-feira, 28 de julho de 2010

Perfeccionismo

A mania do perfeccionismo pode atravancar sua vida. Preste atenção e você verá que boa parte de seus sonhos só existe para satisfazer um modelo idealizado inatingível. Tirar do caminho essa casca de banana a tempo é nossa única saída
texto Liane Alves
Revista Vida Simples


Todo publicitário sabe disso: somos basicamente movidos pela inveja. O desejo que dispara nossa vontade de consumir é o de querer ter o que outro tem, seja o carro do ano, a barriga tanquinho ou a família alegre que almoça ao redor de uma macarronada fumegante. Ora, ninguém vai invejar algo fácil de obter – porque, se é fácil, presume-se que todo mundo já tenha. Então, oferece-se o que é mais difícil de conseguir: o mais perfeito, o mais feliz, o mais bonito, amoroso, elegante ou sensual, enfim, o “mais mais” de qualquer coisa que possamos invejar. É assim que somos presos pelo anzol: não compramos apenas um produto, mas todo um modelo de beleza, status e perfeição que vem associado a ele. “Para nos aproximarmos do que é oferecido pela mídia, iremos comprar tudo ou fazer de tudo que nos dê a impressão de sermos tão perfeitos quanto o que vemos numa televisão ou numa revista. Sem parar para pensar no que estamos realmente fazendo conosco”, diz Regina Favre, psicoterapeuta, pesquisadora dos processos cognitivos e alguém muito atento ao sistema opressivo que traz dezenas de clientes ao seu consultório.

Nesse sentido, somos todos perfeccionistas, inclusive eu e você, que tateamos por uma vida mais simples e natural mas que ainda vivemos sob a influência da publicidade, da mídia e de muitos dos padrões vigentes. Como todo mundo, podemos estar ralando para cumprir modelos impostos sem perceber. E ralando muito, posto que a perfeição é mercadoria escassa nesse mundo naturalmente imperfeito. Além disso, ninguém vai nos contar que realizar o sonho de manter todas as áreas da vida sob controle é impossível, apesar de todo o esforço. Um corpo certinho não vai garantir relacionamentos plenos e amorosos, um emprego ideal ou a casa na praia não são sinônimos automáticos de felicidade. Este é o mecanismo perverso dessa história: a perfeição, mesmo quando é atingida, só nos chega aos pedaços.


Arapuca esperta
Esse desejo subliminar de perfeição alimenta toda a estrutura econômica e social da nossa cultura. Mais e melhor é o grande produto oferecido por um sistema que ao mesmo tempo que nos apavora com o medo de envelhecer, de sofrer, de ficar feio, ultrapassado ou gordo nos propõe soluções instantâneas para resolver esses “problemas”.

“É uma configuração de terror e alívio. Somos estimulados, por exemplo, a ter pavor da celulite, do olho caído, do músculo flácido, enfim, de tudo que indique a passagem do tempo, mas ao mesmo tempo nos são oferecidas academias de musculação, cremes maravilhosos, plásticas”, diz Regina Favre. “Hoje, as academias estão abertas até as 4 da manhã para que as pessoas possam frequentá-las. É uma luta desesperada para manter a forma de acordo com um determinado padrão. Procuramos por um corpo idealizado, perfeito, não um corpo sentido, vivido”, diz ela. Podemos estar nele e nem sequer percebê-lo, como se ele fosse apenas uma roupa bonita que se veste para, basicamente, mostrar para os outros.


Dentro do pacote
Segundo Regina Favre, duas doenças contemporâneas testemunham nossas reações diante desse desafio da perfeição: a síndrome do pânico e a depressão. “Se prenuncio que não vou conseguir atender ao padrão de exigências estabelecido, começo a entrar em ansiedade e, depois, em desespero, em aflição: é o pânico que chega. E se, ao contrário, dou conta do fracasso em cumprir o que é proposto idealmente pelo mercado, posso ser tomado pela depressão.”

E por que será que desejamos a perfeição de maneira tão obsessiva? “Há o mito construído por essa mesma estrutura mercadológica de que se não formos perfeitos, jovens e belos seremos excluídos. Portanto, temos medo da exclusão, da obsolescência. É esse o fantasma que nos ameaça: sermos jogados fora do mercado, seja profissional, seja sexual ou produtivo.”

E, mesmo quando atingimos as altíssimas metas de perfeição que estabelecemos para nós, o resultado pode não ser aquele que esperamos. “Atendi um jovem executivo, ótimo profissional, com competência em várias áreas, financeiramente realizado que, casado com uma mulher tão bonita quanto ele, não conseguia ter relações sexuais com ela. Exatamente porque no amor vinha embutido o que ele mais temia na vida: a possibilidade do sofrimento, da insegurança, do fracasso e do risco”, diz Regina.

Esquecemos algo fundamental: que sofrer, arriscar-se sem garantias, sentir-se inseguro e provar sentimentos de perda ou falta fazem parte da riqueza de experiências que a vida pode nos proporcionar. “Existe toda uma cultura, e uma indústria, do antissofrimento. Há uma condenação geral dos processos naturais da existência, como o envelhecer, por exemplo. Enfim, excluem-se as possibilidades que pertencem ao viver.” Evita-se ao máximo vivenciar experiências que possam trazer o imprevisível, o inseguro ou o sofrimento – como o amor e a entrega, por falar nisso.

O resultado? Ficamos cada vez mais hesitantes em experimentar verdadeiramente o sabor da vida, com suas disparidades, imprevisibilidades, erros e acertos, bobagens assumidas e não assumidas. Ao optar pelo controle que vem atrelado ao desejo de perfeição, perdemos cada vez mais o aprendizado e o encanto dos enganos que a existência pode nos oferecer.

Mas vem aí uma boa notícia: uma vigorosa contracorrente a esse tipo de pensamento já está presente há uns 30, 40 anos na sociedade. “Ela questiona e rejeita essa configuração de estilos de vida rigidamente perfeitos. Propõe um modo de viver mais respeitoso às particularidades do indivíduo e a nossa integração com a natureza. Emergem novos tipos de valores que se distanciam do modelo da perfeição e falam de novas posturas que incorporam conceitos como o desapego e a noção de impermanência, por exemplo. A sociedade de consumo não é mais o padrão ideal.”

Há igualmente uma recusa em usar um único parâmetro de beleza ou daquilo que se convenciona chamar de sucesso ou de felicidade. Essa nova atitude começa com o respeito ao próprio corpo. “Tomar conta da configuração de si é um ato político”, afirma Regina Favre. Ser responsável pela própria saúde, pelos alimentos que consumimos, pelos ritmos internos e necessidades pessoais é uma nova posição de vida, mais consciente e individualizada, e não mais só coletiva e imposta.

Ainda bem. Não deixa de ser um grande alívio constatar que fazemos parte desse outro movimento e que há uma benvinda transição em curso.


E começa a revolução
Se há uma pessoa que sempre observou, com perfurantes críticas, o que nos é proposto pela família, cultura, sociedade e também pelo mercantilismo, esse alguém é José Ângelo Gaiarsa. Psiquiatra, trouxe questionamentos profundos, expressos em vários livros, sobre nosso modo de viver, nossas escolhas e padrões de comportamento. Conhecedor da fisiologia do corpo humano, em especial do cérebro, coloca em dúvida nossa capacidade de fazer julgamentos justos sobre os parâmetros que usamos ao avaliar a perfeição. Isto é, estalamos nosso chicotinho à toa quando decidimos que não somos perfeitos e que isso é suficiente para nos condenar à desgraça. “Estamos submersos em um mundo de palavras e conceitos que não têm valor real e que só nos trazem infelicidade”, diz o doutor Gaiarsa. Para ele, a maioria dos nossos julgamentos não resiste a um simples exame de lógica: são superficiais, enganosos e altamente falhos. Em outras palavras, nossas conclusões sobre o que é ou não é perfeito não são nada confiáveis. “Não temos condição de nos julgar, ou de nos condenar, com isenção. Tenho alergia a palavras como ideias, conceitos, julgamentos que não dizem nada e só aumentam a nossa confusão. Já o corpo não mente jamais”, diz ele, que, com 90 anos, continua com o raciocínio tão rápido quanto o de um adolescente.

Segundo Gaiarsa, a grande revolução começa ao sentirmos mais o corpo, ao termos um contato mais profundo e próximo com ele. Isso significa respirar melhor, movimentar- se mais livremente e de forma não repetitiva, experimentar toda a gama de sensações que os sentidos podem nos oferecer. O sentimento de vitalidade, autonomia, autoapreciação e bem-estar experimentado na posse do próprio corpo pode nos tornar menos vulneráveis a modelos externos e a comparações.

Com esse conhecimento, abre-se o espaço para o nascimento de uma nova consciência, mais independente e autônoma. E Gaiarsa explica como e por quê. Segundo pesquisas recentes feitas por ele, os três cérebros – reptílico, límbico e cortical – que constituem nosso sistema cerebral, e que foram se formando ao longo de nossa evolução peixe-anfíbio-mamífero, se alimentam do oxigênio de forma diferente. O cérebro reptílico, como o dos próprios répteis, consome muito pouco oxigênio; o límbico, responsável por nossas emoções, também. É o neocórtex cerebral, o mais recente em termos evolucionários e também o responsável por nossa capacidade de pensar, avaliar ou julgar, que consome mais oxigênio dos três. “Isso significa que, ao respirarmos mais profundamente, o córtex se ilumina: o raciocínio torna-se claro, as conexões cerebrais se ampliam”z, afirma. É como trazer gasolina azul para nossa capacidade de pensar. E a conclusão de Gaiarsa é espantosa. “Se respiramos mal, estamos alimentando apenas nossos cérebros mais primitivos. Ficamos reféns do medo e da agressividade, reações básicas do mecanismo de sobrevivência associadas ao cérebro reptílico, e das emoções negativas geradas no límbico, como inveja, medo, competição.” Ora, são essas as emoções que nos colocam a serviço de modelos impostos pela sociedade. É por competitividade que lutamos por um suposto território, é por inveja que consumimos. E somente a consciência, formada no neocórtex cerebral, pode nos livrar disso. “Não temos ideia de como a simples respiração pode nos ajudar a nos libertarmos dessas emoções e do domínio que elas nos impõem”, diz limpidamente o pesquisador.

Juro que nunca tinha pensado nisso. Respirar melhor traz mais clareza de raciocínio: podemos ver mais nitidamente onde estamos amarrando nosso burro. E, com isso, talvez possamos enxergar melhor os esquemas furadíssimos em que às vezes nos metemos. Só por essa descoberta, o doutor Gaiarsa já merecia um beijo.

Diagnósticos por cores
Outras áreas da medicina também estão procurando sair do mundo dos conceitos e dos modelos rígidos preestabelecidos. Na Unifesp, em São Paulo, mais precisamente no Centro de Estudos do Envelhecimento, os diagnósticos, realizados por uma equipe transdisciplinar que inclui várias especialidades, são feitos por cores. Cada profissional faz sua avaliação, de acordo com sua especialidade, e a expressa usando giz de cera colorido. Depois, os participantes trocam entre si os papéis onde usaram os tons coloridos para tentar chegar a um padrão de avaliação e a um diagnóstico comum. Os significados atribuídos às cores seguem os padrões elaborados pelo escritor alemão Goethe, no século 19, e que ainda hoje são utilizados pela medicina antroposófica, por exemplo. A ideia tanto serve para ultrapassar as discussões intermináveis, onde cada um usava a linguagem específica da sua área e que não era comum a todos, como emprega um outro hemifério cerebral, o direito, para elaborar um diagnóstico.

Isso não quer dizer que o hemisfério cerebral esquerdo, responsável por lógica, comparação e raciocínio, não seja importante e não vá ser usado em etapas posteriores. É que simplesmente não está com essa bola toda que atribuímos a ele. “É uma avaliação mais completa”, afirma o médico homeopata Fernando Bignardi, responsável por esse centro de estudos e pesquisas da Unifesp.

As avaliações do paciente também incorporam o modelo quântico trazido pelo físico indiano Amit Goswami: o protocolo terapêutico vai levar em conta o homem em sua dimensão física, metabólica, vital, mental (incluindo a parte emocional e psicológica) e supramental (espiritual). Nada de modelos unidimensionais e unirreferenciais. A meditação é fortemente incentivada entre os pacientes, justamente para que possa ser facilitada a liberação de padrões rígidos de pensamento e, com isso, de comportamento. Inclusive vários estudos foram realizados sobre esses efeitos na população mais idosa. A perfeição não é mais a única meta, mas o equilíbrio, a harmonia e o bem-estar.

Sinal de que o mundo está mudando mesmo. Até em áreas anteriormente tão resistentes a outros saberes quanto a medicina.


Quando vale a pena
Depois que limpamos bem esse terreno, já é possível ver que geralmente usamos o desejo de perfeição da forma errada, por motivos fúteis, e para atender necessidades estimuladas por uma estrutura mercadológica de consumo. Mas depois de ver tudo isso, agora sim, podemos dizer que esse desejo também tem a sua utilidade. Os grandes gênios da humanidade se alimentaram dele: Michelangelo, Da Vinci, Einstein. Mas essa dedicação completa à perfeição estava a serviço da arte, da ciência e, para resumir a história, da humanidade. Eles podem ter estropiado sua vida pessoal por isso, inclusive. Também nada garante que fossem mais felizes ou realizados atendendo a esse chamado. Mas a verdade é que, em vez de procurarem unicamente sua felicidade individual, colocaram suas aptidões e talentos a serviço de algo maior, às vezes em detrimento de sua saúde, sanidade ou realização afetiva. Almejar a perfeição, portanto, pode nos levar a grandes realizações e feitos, a um aperfeiçoamento constante, até a obtenção de uma qualidade exemplar. Mas por vezes o preço é alto.

“Sede perfeitos, como o vosso Pai do céu é perfeito”, nos diz o evangelho. E onde o Criador seria perfeito? “Na generosidade”, continua o evangelista Mateus. Para mim é uma grande supresa essa segunda colocação: quase nunca ninguém lembra que tipo de perfeição nos é pedida. É um simpático motorista de táxi que me faz recordar isso quando digo a ele que estou escrevendo uma matéria sobre o tema.

Em vez de apresentar um modelo rígido e acabado de perfeição, sucesso e beleza, as palavras de Cristo propõem, ao contrário, um exercício de humanidade, naquilo que o ser humano tem de melhor: sua capacidade de amar, perdoar, ter compaixão e praticar a generosidade – inclusive consigo mesmo, no caso de erro e falta. Por isso, o desejo de perfeição não é, por si só, ruim. Não se encarado dessa maneira generosa. Nossa grande questão é, e sempre vai ser, onde vamos colocar esse desejo.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Saladas







Uma salada bem montada pode e deve se transformar numa refeição completa, para ser consumida de dia ou à noite, veja como:

domingo, 11 de julho de 2010

A Corrosão da Grande Mídia




Como um iceberg a navegar em águas quentes e turbulentas, a velha mídia está derretendo. O mundo está mudando, o Brasil é outro e os brasileiros desenvolvem, aceleradamente, novos hábitos de informação.

Um retrato desse processo pode ser visto na recente pesquisa encomendada pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom-P.R.), destinada a descobrir o que o brasileiro lê, ouve, vê e como analisa os fatos e forma sua opinião.

A pesquisa revelou as dimensões que o iceberg ainda preserva. A televisão e o rádio permanecem como os meios de comunicação mais comuns aos brasileiros. A TV é assistida por 96,6% da população brasileira, e o rádio, por expressivos 80,3%. Os jornais e revistas ficam bem atrás. Cerca de 46% costumam ler jornais, e menos de 35%, revistas. Perto de apenas 11,5% são leitores diários dos jornais tradicionais.

Quanto à internet, os resultados, da forma como estão apresentados, preferiram escolher o lado cheio do copo. Avalia-se que a internet no Brasil segue a tendência de crescimento mundial e já é utilizada por 46,1% da população brasileira. No entanto, é preciso uma avaliação sobre o lado vazio do copo, ou seja, a constatação de que os 53,9% de pessoas que não têm qualquer acesso à internet ainda revelam um quadro de exclusão digital que precisa ser superado. Ponto para o Programa Nacional da Banda Larga, que representa a chance de uma mudança estrutural e definitiva na forma como os brasileiros se informam e comunicam-se.

A internet tem devorado a TV e o rádio com grande apetite. Os conectados já gastam, em média, mais tempo navegando do que em frente à TV ou ao rádio. Esse avanço relaciona-se não apenas a um novo hábito, mas ao crescimento da renda nacional e à incorporação de contingentes populacionais pobres à classe média, que passaram a ter condições de adquirir um computador conectado.

O processo em curso não levará ao desaparecimento da TV, do rádio e da mídia impressa. O que está havendo é que as velhas mídias estão sendo canibalizadas pela internet, que tornou-se a mídia das mídias, uma plataforma capaz de integrar os mais diversos meios e oferecer ao público alternativas flexíveis e novas opções de entretenimento, comunicação pessoal e “autocomunicação de massa”, como diz o espanhol Manuel Castells.

Ainda usando a analogia do iceberg, a internet tem o poder de diluir, para engolir, a velha mídia.

A pesquisa da Secom-P.R. dá uma boa pista sobre o grande sucesso das plataformas eletrônicas das redes sociais. A formação de opinião entre os brasileiros se dá, em grande medida, na interlocução com amigos (70,9%), família (57,7%), colegas de trabalho (27,3%) e de escola (6,9%), o namorado ou namorada (2,5%), a igreja (1,9%), os movimentos sociais (1,8%) e os sindicatos (0,8%). Alerta para movimentos sociais, sindicatos e igrejas: seu “sex appeal” anda mais baixo que o das(os) namoradas(os).

Estes números confirmam estudos de longa data que afirmam que as redes sociais influem mais na formação da opinião do que os meios de comunicação. Por isso, uma informação muitas vezes bombardeada pela mídia demora a cair nas graças ou desgraças da opinião pública: ela depende do filtro excercido pela rede de relações sociais que envolve a vida de qualquer pessoa. Explica também por que algo que a imprensa bombardeia como negativo pode ser visto pela maioria como positivo. A alta popularidade do Governo Lula, diante do longo e pesado cerco midiático, talvez seja o exemplo mais retumbante.

Em suma, o povo não engole tudo o que se despeja sobre ele: mastiga, deglute, digere e muitas vezes cospe conteúdos que não se encaixam em seus valores, sua percepção da realidade e diante de informações que ele consegue por meios próprios e muito mais confiáveis.

É aqui que mora o perigo para a velha mídia. Sua credibilidade está descendo ladeira abaixo. Segundo a citada pesquisa, quase 60% das pessoas acham que as notícias veiculadas pela imprensa são tendenciosas.

Um dado ainda mais grave: 8 em cada 10 brasileiros acreditam muito pouco ou não acreditam no que a imprensa veicula. Quanto maior o nível de renda e de escolaridade do brasileiro (que é o rumo da atual trajetória do país), maior o senso crítico em relação ao que a mídia veicula - ou “inocula”.

A velha mídia está se tornando cada vez mais salgada para o povo. Em dois sentidos: ela pode estar exagerando em conteúdos cada vez mais difíceis de engolir, e as pessoas estão cada vez menos dispostas a comprar conteúdos que podem conseguir de graça, de forma mais simples, e por canais diretos, mais interativos, confiáveis, simpáticos e prazerosos. Num momento em que tudo o que parece sólido se desmancha... na água, quem quiser sobreviver vai ter que trocar as lições de moral pelas explicações didáticas; vai ter que demitir os pit bulls e contratar mais explicadores, humoristas e chargistas. Terá que abandonar o cargo, em que se autoempossou, de superego da República.

Do contrário, obstinados na defesa de seus próprios interesses e na descarga ideológica coletiva de suas raivas particulares, alguns dos mais tradicionais veículos de comunicação serão vítimas de seu próprio veneno. Ao exagerarem no sal, apenas contribuirão para acelerar o processo de derretimento do impávido colosso iceberg que já não está em terra firme.

Antonio Lassance é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e professor de Ciência Política.

Adeus Falkenberg




Título: Farväl Falkenberg (Adeus Falkenberg)
Gênero: Drama Existencial
Diretor: Jesper Ganslandt
Ano de Lançamento: 2006
País de Origem: Suécia

O cotidiano de jovens moradores da remota Falkenberg, cidade pouco desenvolvida da Suécia. Os atores inspiram-se em suas próprias vidas (usando inclusive seus nomes reais) para falar da falta de perspectivas e anseios da vida adulta.
O orçamento mínimo e a estética refinada fizeram o filme se destacar em festivais de cinema indie pelo mundo.

[...]Mas não havia bom humor capaz de resistir a grande britadeira no coração que é o sueco “Farväl Falkenberg”, début independente do diretor publicitário Jesper Ganslandt, sobre a resistência de um grupo de amigos para entrar na vida adulta após o fim de seus anos escolares, filme biográfico no qual os personagens preservam os nomes do atores (entre eles, o próprio diretor). “Este é o último verão. Invernos nunca mais.” Na realidade, o que acontece em “Falkenberg” estabelecerá o inverno para sempre. Sangrando de compaixão pelos slackers socialmente inúteis, Ganslandt lembra um Bergman jovem, por vias de David Gordon Green, ao dirigir um filme mais triste do que enterro de criança, delicadíssimo na sua prontidão digital e enquadramentos precipitados. Gradualmente sendo marginalizados da sociedade, os personagens precisam escolher entre pertencer ou o limbo. A trilha-sonora surpreende com lacunas melódicas inesperadas que fazem o espectador sentir que foi lançado num abismo. Nó na garganta para um sol que parece estar se constantemente se pondo, ficamos com o desabafo, que escapa entre as gargalhadas bêbadas de John, descobrindo que terá que lutar pelo resto da vida para ignorar a melancolia: “Tudo isto é tão triste. Tão triste.”[...]
Trecho retirado do site Zeta Filmes.

domingo, 4 de julho de 2010

O Jeitinho

Nossa História ou nossas histórias - como o leitor preferir - sempre nos mostraram que há jeito para tudo. Jeito não. Jeitinho. É só um problema aparecer para que alguém diga em alto e bom som que possui a solução, ou melhor, um jeito. Um jeitinho.

De jeitinho em jeitinho, de conchavo em conchavo proclamou-se a Independência, fez-se o Império, fez-se a República. De favor em favor, de agrado em agrado, a Terra Brasilis foi criando um povo solícito, sorridente e cordato. Força e silêncio. Vontade e Comodidade.

Como tudo se resolve com jeitinho, a lei do menor esforço é a maior referência entre os habitantes da Terra Brasilis. Melhor deixar para depois de amanhã o que se pode fazer amanhã. E quando as contas chegam, o último dia de pagamento é um verdadeiro inferno. E quando há concurso, prova importante, documento a ser tirado, o último dia do prazo é o que resta. Chegar atrasado em compromisso então é comum na Terra Brasilis.

De tempos em tempos, o gigante acorda e se levanta do seu berço esplêndido. Há alguns gritos aqui, algumas cotoveladas ali, alguns resmungos acolá. No entanto, as coisas se ajeitam e tudo volta ao ritmo natural: acomodação e quietude.

Os filhos da Terra Brasilis fogem da luta quando fecham os olhos para os escândalos. O brado retumbante não é ouvido porque o som das balas e das sirenes é mais alto. A paz no futuro, comprometida. As glórias do passado, esquecidas.

Policarpo Quaresma, exemplar personagem criado por Lima Barreto, amou sua pátria verdadeiramente e, por ela, tudo fez. Gastou-se como gente pelo bem nacional. Deu-se por inteiro pelo bem comum. Mas descobriu mais tarde as ilusões e a ganância. O país com que sonhara jamais existiu.

Terra de encantos e desencantos. Terra de falácias e desenganos. Terra de precatórios e de muitos e confusos trânsitos.

Apesar dos problemas tamanhos há o jeitinho. E, de improviso em improviso a solução, como cantou certa vez um velho roqueiro, seja alugar a Terra Brasilis.

Autor: Campista Cabral

Canaglias





O poeta gaúcho Carpinejar aposta na canalhice. Canalha, que vem do italiano canaglia, da raça dos cães, designa o que é infame, vil. O aprendizado da macheza, para o poeta, estaria no retorno às origens como vira-latas, cão sem dono sempre disposto a fuçar no lixo, entrar no cio ou uivar para a lua. Pistoleiro solitário, esse espécime contemporâneo de canalha, “quando domesticado, acaba revelando que não era canalha... A canalhice é um excesso de imaginação. A saída é desejá-lo! O canalha procura uma mulher capaz de entendê- lo e que não tente ajustá-lo”, escreve. Esse novo canalha é um animal nascido na geração do divórcio, “de quem foi criado pela mãe e tem mais intimidade com o mundo feminino. Nunca vai ser um coitado: ri de si mesmo e tem capacidade camaleônica de se adaptar”, fecha o autor. Ele faz questão de distinguir o canalha do cafajeste e do pilantra. “O canalha não coleciona mulheres; realmente as ama”, escreve.

Usando o site faceresearch.org como base, Ben Jones e Lisa DeBruine, da Universidade Aberdeen, na Escócia, mostraram 20 pares de rostos masculinos a 4800 mulheres de 20 países. No frigir dos ovos, o par de especialistas constata que “em ambientes onde doença e alta mortalidade infantil são altas, as mulheres preferem tipos mais masculinos. Nos EUA ou na Inglaterra, onde analisar planos de saúde é mais importante que brigar contra uma infecção, homens efeminados são mais competitivos”. Ainda suspeito se essa pesquisa funcionaria em países latinos como o Brasil – mas, a julgar pela nova tendência emogótica, as moças estão mais para Robert Pattinson (o doce vampiro da série Crepúsculo) que para Clint Eastwood. É a evolução, estúpido!

A queda é tão iminente que, além do decantado metrossexual e do homem-fofoleto do estudo acima, a revista Slate reportou a tendência: o “macho ômega”. O herói-frouxo é o pesadelo de consumo de mulheres que já se desinteressaram tanto pelo ultracompetitivo alfa quanto pelo confortável beta e partem para o fim da fila – para a raspa do tacho, onde ainda há uma rebeldia recendendo a testosterona. Seu símbolo é o Ben Stiller do filme Greenberg. A Slate toma Greenberg como estereótipo do homem que, no começo dos anos 2000, sentiu o baque da recessão econômica e, confuso com as mudanças no comportamento feminino, reinventou-se num tipo charmosamente desajustado, loser. Para a jornalista Jessica Grose, eis os subtipos ômega:

• Brejeiro: bobo alegre, quando habita os comerciais de cerveja, no caso de ser boa pinta ou acreditar em seu ideal de solidariedade masculina selada por um tintim. Ou triste, quando percebe a roubada em que se meteu: gosta dos amigos, é leal à esposa e aos filhos, mas sente que a vida poderia ser melhor.
• Gameboy: nerd que não toma uma atitude adulta na vida a não ser que, como em um game, seja obrigado.
• Inútil Paisagem: veste-se bem, parece gay, mas não é. Narcisista que habita academias, clubes, bares descolês e espelhos.
• Gênio em Crise: tipo o Caio Blat no filme Histórias de Amor não Duram 90 Minutos, em que interpreta um escritor que não consegue escrever nem se decidir entre a mulher autossuficiente e uma perigosa piriguete.

sábado, 3 de julho de 2010

Solidão Amiga

A solidão amiga
Rubem Alves

A noite chegou, o trabalho acabou, é hora de voltar para casa. Lar, doce lar? Mas a casa está escura, a televisão apagada e tudo é silêncio. Ninguém para abrir a porta, ninguém à espera. Você está só. Vem a tristeza da solidão... O que mais você deseja é não estar em solidão...

Mas deixa que eu lhe diga: sua tristeza não vem da solidão. Vem das fantasias que surgem na solidão. Lembro-me de um jovem que amava a solidão: ficar sozinho, ler, ouvir, música... Assim, aos sábados, ele se preparava para uma noite de solidão feliz. Mas bastava que ele se assentasse para que as fantasias surgissem. Cenas. De um lado, amigos em festas felizes, em meio ao falatório, os risos, a cervejinha. Aí a cena se alterava: ele, sozinho naquela sala. Com certeza ninguém estava se lembrando dele. Naquela festa feliz, quem se lembraria dele? E aí a tristeza entrava e ele não mais podia curtir a sua amiga solidão. O remédio era sair, encontrar-se com a turma para encontrar a alegria da festa. Vestia-se, saía, ia para a festa... Mas na festa ele percebia que festas reais não são iguais às festas imaginadas. Era um desencontro, uma impossibilidade de compartilhar as coisas da sua solidão... A noite estava perdida.

Faço-lhe uma sugestão: leia o livro A chama de uma vela, de Bachelard. É um dos livros mais solitários e mais bonitos que jamais li. A chama de uma vela, por oposição às luzes das lâmpadas elétricas, é sempre solitária. A chama de uma vela cria, ao seu redor, um círculo de claridade mansa que se perde nas sombras. Bachelard medita diante da chama solitária de uma vela. Ao seu redor, as sombras e o silêncio. Nenhum falatório bobo ou riso fácil para perturbar a verdade da sua alma. Lendo o livro solitário de Bachelard eu encontrei comunhão. Sempre encontro comunhão quando o leio. As grandes comunhões não acontecem em meio aos risos da festa. Elas acontecem, paradoxalmente, na ausência do outro. Quem ama sabe disso. É precisamente na ausência que a proximidade é maior. Bachelard, ausente: eu o abracei agradecido por ele assim me entender tão bem. Como ele observa, “parece que há em nós cantos sombrios que toleram apenas uma luz bruxoleante. Um coração sensível gosta de valores frágeis“. A vela solitária de Bachelard iluminou meus cantos sombrios, fez-me ver os objetos que se escondem quando há mais gente na cena. E ele faz uma pergunta que julgo fundamental e que proponho a você, como motivo de meditação: “Como se comporta a Sua Solidão?“ Minha solidão? Há uma solidão que é minha, diferente das solidões dos outros? A solidão se comporta? Se a minha solidão se comporta, ela não é apenas uma realidade bruta e morta. Ela tem vida.

Entre as muitas coisas profundas que Sartre disse, essa é a que mais amo: “Não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você.“ Pare. Leia de novo. E pense. Você lamenta essa maldade que a vida está fazendo com você, a solidão. Se Sartre está certo, essa maldade pode ser o lugar onde você vai plantar o seu jardim.

Como é que a sua solidão se comporta? Ou, talvez, dando um giro na pergunta: Como você se comporta com a sua solidão? O que é que você está fazendo com a sua solidão? Quando você a lamenta, você está dizendo que gostaria de se livrar dela, que ela é um sofrimento, uma doença, uma inimiga... Aprenda isso: as coisas são os nomes que lhe damos. Se chamo minha solidão de inimiga, ela será minha inimiga. Mas será possível chamá-la de amiga? Drummond acha que sim:

“Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.!“

Nietzsche também tinha a solidão como sua companheira. Sozinho, doente, tinha enxaquecas terríveis que duravam três dias e o deixavam cego. Ele tirava suas alegrias de longas caminhadas pelas montanhas, da música e de uns poucos livros que ele amava. Eis aí três companheiras maravilhosas! Vejo, frequentemente, pessoas que caminham por razões da saúde. Incapazes de caminhar sozinhas, vão aos pares, aos bandos. E vão falando, falando, sem ver o mundo maravilhoso que as cerca. Falam porque não suportariam caminhar sozinhas. E, por isso mesmo, perdem a maior alegria das caminhadas, que é a alegria de estar em comunhão com a natureza. Elas não vêem as árvores, nem as flores, nem as nuvens e nem sentem o vento. Que troca infeliz! Trocam as vozes do silêncio pelo falatório vulgar. Se estivessem a sós com a natureza, em silêncio, sua solidão tornaria possível que elas ouvissem o que a natureza tem a dizer. O estar juntos não quer dizer comunhão. O estar juntos, frequentemente, é uma forma terrível de solidão, um artifício para evitar o contato conosco mesmos. Sartre chegou ao ponto de dizer que “o inferno é o outro.“ Sobre isso, quem sabe, conversaremos outro dia... Mas, voltando a Nietzsche, eis o que ele escreveu sobre a sua solidão:

“Ó solidão! Solidão, meu lar!... Tua voz – ela me fala com ternura e felicidade! Não discutimos, não queixamos e muitas vezes caminhamos juntos através de portas abertas. Pois onde quer que estás, ali as coisas são abertas e luminosas. E até mesmo as horas caminham com pés saltitantes.

Ali as palavras e os tempos
poemas de todo o ser se abrem diante de mim. Ali todo ser deseja transformar-se em palavra, e toda mudança pede para aprender de mim a falar.“

E o Vinícius? Você se lembra do seu poema O operário em construção? Vivia o operário em meio a muita gente, trabalhando, falando. E enquanto ele trabalhava e falava ele nada via, nada compreendia. Mas aconteceu que, “certo dia, à mesa, ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção ao constatar assombrado que tudo naquela casa – garrafa, prato, facão – era ele que os fazia, ele, um humilde operário, um operário em construção (...) Ah! Homens de pensamento, não sabereis nunca o quando aquele humilde operário soube naquele momento! Naquela casa vazia que ele mesmo levantara, um mundo novo nascia de que nem sequer suspeitava. O operário emocionado olhou sua própria mão, sua rude mão de operário, e olhando bem para ela teve um segundo a impressão de que não havia no mundo coisa que fosse mais bela. Foi dentro da compreensão desse instante solitário que, tal sua construção, cresceu também o operário. (...) E o operário adquiriu uma nova dimensão: a dimensão da poesia.“

Rainer Maria Rilke, um dos poetas mais solitários e densos que conheço, disse o seguinte: “As obras de arte são de uma solidão infinita.“ É na solidão que elas são geradas. Foi na casa vazia, num momento solitário, que o operário viu o mundo pela primeira vez e se transformou em poeta.

E me lembro também de Cecília Meireles, tão lindamente descrita por Drummond:

“...Não me parecia criatura inquestionavelmente real; e por mais que aferisse os traços positivos de sua presença entre nós, marcada por gestos de cortesia e sociabilidade, restava-me a impressão de que ela não estava onde nós a víamos... Distância, exílio e viagem transpareciam no seu sorriso benevolente? Por onde erraria a verdadeira Cecília...“

Sim, lá estava ela delicadamente entre os outros, participando de um jogo de relações gregárias que a delicadeza a obrigava a jogar. Mas a verdadeira Cecília estava longe, muito longe, num lugar onde ela estava irremediavelmente sozinha.

O primeiro filósofo que li, o dinamarquês Soeren Kiekeggard, um solitário que me faz companhia até hoje, observou que o início da infelicidade humana se encontra na comparação. Experimentei isso em minha própria carne. Foi quando eu, menino caipira de uma cidadezinha do interior de Minas, me mudei para o Rio de Janeiro, que conheci a infelicidade. Comparei-me com eles: cariocas, alegres, espertos, bem falantes, ricos. Eu diferente, sotaque ridículo, gaguejando de vergonha, pobre: entre eles eu não passava de um patinho feio que os outros se compraziam em bicar. Nunca fui convidado a ir à casa de qualquer um deles. Nunca convidei nenhum deles a ir à minha casa. Eu não me atreveria. Conheci, então, a solidão. A solidão de ser diferente. E sofri muito. E nem sequer me atrevi a compartilhar com meus pais esse meu sofrimento. Seria inútil. Eles não compreenderiam. E mesmo que compreendessem, eles nada podiam fazer. Assim, tive de sofrer a minha solidão duas vezes sozinho. Mas foi nela que se formou aquele que sou hoje. As caminhadas pelo deserto me fizeram forte. Aprendi a cuidar de mim mesmo. E aprendi a buscar as coisas que, para mim, solitário, faziam sentido. Como, por exemplo, a música clássica, a beleza que torna alegre a minha solidão...

A sua infelicidade com a solidão: não se deriva ela, em parte, das comparações? Você compara a cena de você, só, na casa vazia, com a cena (fantasiada ) dos outros, em celebrações cheias de risos... Essa comparação é destrutiva porque nasce da inveja. Sofra a dor real da solidão porque a solidão dói. Dói uma dor da qual pode nascer a beleza. Mas não sofra a dor da comparação. Ela não é verdadeira.

Mas essa conversa não acabou: vou falar depois sobre os companheiros que fazem minha solidão feliz.

O Superficial : A influência da Internet nos Cérebros



Quando o autor Nicholas Carr iniciou as pesquisas para o livro que busca descobrir se a internet está destruindo nossas mentes, ele restringiu seu acesso a e-mails e desativou suas contas no Twitter e no Facebook.
Seu novo livro The Shallows: What the Internet is Doing to Our Brains (O Superficial: O que a Internet está fazendo com nossos cérebros) argumenta que os últimos avanços da tecnologia nos tornou menos capazes de pensamento aprofundado. Carr se descobriu tão distraído que não podia trabalhar no livro enquanto estava conectado.

"Eu descobri que minha incapacidade de me concentrar é uma grande deficiência", disse Carr à Reuters.
"Então, abandonei minhas contas no Facebook e no Twitter e reduzi o uso de email de modo que eu apenas checava algumas vezes por dia em vez de a cada 45 segundos. Descobri que esses tipos de coisas realmente fazem a diferença", afirmou ele.
Depois de inicialmente se sentir "perdido" por sua súbita falta de conexão online, Carr afirmou que após algumas semanas foi capaz de se concentrar em uma tarefa por um período sustentado e, felizmente, conseguiu terminar seu trabalho.

Carr escreveu um artigo para a revista Atlantic Magazine em 2008 em que trouxe a público a famosa dúvida "O Google está nos tornando estúpidos?" e resolveu estudar mais fundo como a internet altera nossas mentes.
O livro examina a história da leitura e aborda como o uso de diferentes mídias muda nossos cérebros. Explorando como a sociedade mudou da tradição oral para a palavra escrita e para a internet, ele detalha como o cérebro se reorganiza para se ajustar a novas fontes de informações.
A leitura na internet mudou de forma fundamental a maneira como nós usamos o cérebro, segundo o autor.

Encarando uma enxurrada de textos, fotos, vídeos, músicas e links para outras páginas, além de incessantes interrupções geradas por mensagens de texto, e-mails, atualizações no Facebook, tweets, blogs e feeds RSS, nossas mentes se acostumaram a navegar e a escanear informações.
Como resultado, desenvolvemos habilidades na tomada de decisões rápidas, particularmente as baseadas em estímulos visuais, afirma Carr.
Mas, agora, a maioria de nós lê com pouca frequência livros, ensaios longos ou artigos que nos ajudam a concentrar e sermos mais introspectivos e contemplativos, diz o autor.

Bibliotecários

Para Carr, estamos nos tornando mais como bibliotecários, capazes de encontrar rapidamente informações e perceber quais são as melhores, do que acadêmicos que são capazes de digerir e interpretar a informação.
A falta de foco afeta a memória de longo prazo, levando muitas pessoas a se sentirem distraídas, afirma o autor.
"Nunca ativamos as funções mais profundas, interpretativas de nossos cérebros", disse ele.

Para ilustrar esse ponto, ele compara a memória de curto prazo a um dedal e a de longo prazo a uma grande banheira. Ler um livro é como encher a banheira com água a partir de um fluxo constante de uma torneira, com cada porção de informação sendo construída a partir da anterior.
Em contraste, a internet é um conjunto infinito de torneiras abertas ao máximo, nos deixando tomados de porções pequenas de informações desconexas para encher a banheira, o que torna mais difícil para nossas mentes fazer as conexões necessárias que permitiriam seu uso posteriormente.
"O que estamos perdendo é todo um conjunto de outras habilidades mentais, aquelas que requerem não a mudança de nosso foco, mas a manutenção dele sobre um ponto", disse o autor.

"Contemplação, introspecção, reflexão, não há espaço ou tempo para isso na internet."

Carr sustenta que durante séculos os livros protegeram nossas mentes da distração, concentrando o foco em um assunto por vez.
Mas com aparelhos como Kindle e iPad, que incorporam leitores de livros digitais a browsers de Internet, se tornando comuns, Carr afirma que os livros também vão mudar.
"Novas formas de leitura sempre exigem novas formas de escrita", diz ele.
Se os escritores atuam em uma sociedade que é cronicamente distraída, eles inevitavelmente vão desistir de argumentos complexos que requerem atenção contínua para escreverem pequenas quantidades de informação.
Carr tem uma sugestão para aqueles que sentem que navegar pela internet os deixou incapazes de concentração: reduza o ritmo, se afaste da internet e pratique as habilidades de contemplação, introspecção e reflexão.
"Está muito claro na ciência do cérebro que se você não exercita habilidades particularmente cognitivas, você vai acabar perdendo-as", disse ele. "Se você está constantemente distraído, não vai pensar do mesmo modo de que se estivesse prestando atenção."

(Com agência Reuters)