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sábado, 3 de dezembro de 2016

O ser humano é mau ?

O ser humano é mau?
por Victor Lisboa
Uma pacífica gerente de lanchonete. Um pacato estudante universitário. Um inofensivo cidadão americano. Todos sem precedentes de violência. Normais, comuns, iguais a nós. Todos capazes de torturar, matar e estuprar.
Saberemos de suas histórias em breve, ao tentarmos responder a seguinte pergunta:
O ser humano é mau?
Antes, porém, precisamos voltar à 1970 e contar a curiosa historia da Dra. Jane Goodall. Antropóloga e etologista especializada em primatas, ela amava um de nossos parentes mais próximos, o chimpanzé. Passou anos estudando uma turma deles em seu ambiente natural, numa reserva na Tanzânia.

1. Os angélicos chipanzés da senhora Jane Goodall
A Dra. Goodall admirava o comportamento benevolente dos chipanzés. Como são nossos parentes próximos, por pertencerem à família dos hominoidea, Dra. Goodall via neles a prova de que éramos, no fundo, seres bondosos e gentis.
Em 1971, a pesquisadora publicou o livro. Nele, defendia que os chimpanzés eram a prova de que nós, seres humanos, vivíamos antigamente em paz e harmonia, conectados com a natureza, e de que a guerra não era algo natural, mas uma detestável invenção do homem “racional”.
Trata-se de uma tese similar a do bom selvagem de Rousseau, segundo a qual o ser humano era originalmente bom, mas foi corrompido pela civilização e pela noção de propriedade. Algo muito diferente  da opinião de Hobbes, de que o homem era naturalmente propenso ao mal e que a civilização serviria para conter seus instintos “criminosos” (o curioso é que, na vida pessoal, Hobbes era muito mais decente e honesto do que Rousseau).
Três anos após a publicação do livro, houve uma reviravolta que chocou a Dra. Goodall. A população do grupo de chimpanzés que pesquisava aumentou com o nascimento de novos filhotes. Com isso, tornou-se mais difícil conseguir comida para todos. Ela começou a notar uma sutil mudança no comportamento deles.
Pareciam mais hostis, inquietos.
Em certo momento e sem razão aparente, o grupo de chipanzés dividiu-se em duas tribos. A maior permaneceu no antigo território, enquanto a menor se embrenhou na floresta. De início, a relação entre ambas as tribos era pacífica. Cada um no seu território, sem problemas. Mas em algumas semanas os membros do grupo maior, sem qualquer motivo, passaram a fazer incursões para atacar e matar os seus antigos amigos.
As investidas eram impiedosas e brutais. Os agressores cercavam os outros chimpanzés quando estavam mais indefesos e quebravam seus ossos, rasgavam sua carne com os dentes e, se não os matavam de imediato, deixavam-nos aleijados para morrerem vagarosamente. As principais vítimas eram outros machos. Só que, em um dos ataques, uma fêmea idosa foi trucidada.
No final, a tribo menor foi praticamente dizimada.
Dra. Goodall ficou horrorizada. Seus amados chimpanzés, nossos parentes próximos, mostraram-se brutais. Posteriormente, ficou comprovado que chimpanzés machos até mesmo costumam atacar filhotes separados das mães e praticar canibalismo com suas jovens vítimas.
A tese defendida no livro da Dra. Goddal mostrou-se totalmente furada.

2. A banalidade do mal e o Experimento de Milgram
A atitude dos amiguinhos da Dra. Goodall não teria surpreendido em nada outra mulher e escritora. Hannah Arendt, prisioneira de um campo de concentração na Segunda Guerra, tinha opinião contrária sobre a natureza humana. Judia, Hannah chegou a ofender seus amigos judeus ao propôr que a maldade típica dos nazistas não era privilégio dos alemães, até porque eles receberam apoio de membros da comunidade judaica.
Pior ainda, durante o julgamento de um criminosos nazista (Adolf Eichmann, ex-tenente da SS — a organização paramilitar do partido nazista) ela propôs que o réu não era um monstro, mas um ser humano comum, que praticara o que muitos seres humanos “normais” teriam feito se colocados nas mesmas circunstâncias.
Essa era a sua teoria: o mal não é algo extraordinário; o mal é algo comum, banal.
A banalidade do mal, segundo Hanna Arendt, está no fato de que a maldade não é praticada exclusivamente por loucos ou psicopatas, mas por pessoas normais que aceitam as premissas de seu Estado e que se conduzem de acordo com as convenções sociais por acreditarem que são adequadas e justas.
Pois um dia um pesquisador decidiu verificar cientificamente se Hannah Arendt tinha razão. Em 1961, o psicólogo americano Stanley Milgram fez um experimento patrocinado pela universidade de Yale. A pesquisa e seus resultados ficaram famosos no mundo todo como O Experimento Milgram (The Milgram Experiment).
Em resumo, Milgram publicou nos jornais um anúncio para voluntários participarem de um teste. Os voluntários eram instruídos a fazer perguntas para um outro suposto voluntário (na verdade, um ator) que estava em outra sala e com o qual se comunicavam por meio de um sistema de som.
Ao lado do voluntário estava um pesquisador. Diante do voluntário havia um aparelho cheio de botões. Era explicado a ele que o aparelho estava conectado a fios elétricos que, por sua vez, ficavam presos ao pulso do homem na sala ao lado.
O pesquisador apresentava ao voluntário um questionário e o instruía a fazer perguntas ao outro sujeito. Quando esse errasse uma resposta, o voluntário deveria lhe aplicar um choque. A intensidade do choque deveria aumentar 15 volts a cada resposta errada.
Do outro lado da sala, como já dito, não havia outro voluntário, mas um ator sem fio nenhum conectado a seu pulso. Ele deveria errar perguntas do questionário de propósito e, quando aplicado o falso choque, fingiria gemer de dor. A medida em que os supostos choques aumentassem, ele deveria gritar, simular um enfarto e, depois, permanecer em silêncio, como se algo muito ruim houvesse ocorrido.
O objetivo do experimento era saber até onde pessoas comuns, pacatos cidadãos americanos, seriam capazes de ir apenas porque estavam autorizados por um pesquisador de uma universidade.
Os resultados falam por si:
65% dos voluntários chegaram a aplicar choques de até 450 volts em suas vítimas. Alguns continuaram a aplicar choques mesmo quando a “vítima” já não respondia coisa alguma e presumivelmente estava morta ou havia desmaiado. Nenhum dos voluntários que se recusou a administrar os choques finais exigiu que o experimento em si mesmo tivesse um fim, e nenhum deles foi à sala ao lado para verificar o estado de saúde da vítima.

E antes que alguém insinue que a culpa é dos americanos, do sistema capitalista e da McDonalds, é bom esclarecer que, nos anos seguintes, a equipe de Milgram repetiu o experimento em vários outros países do mundo.
Em todos, o resultado sempre foi o mesmo.
Na conclusão de sua pesquisa, Stanley Milgram foi claro:
“Pessoas comuns, simplesmente fazendo seu trabalho e sem qualquer hostilidade particular, podem se tornar agentes de um terrível processo destrutivo.
Mais ainda, mesmo quando os efeitos destrutivos de seu trabalho se tornam patentemente claros, e lhes é pedido que prossigam agindo contra os padrões fundamentais da moralidade, relativamente poucas pessoas são capazes de resistir a autoridade.”

3. A verdadeira face dos falsos prisioneiros de Stanford
Embora o Experimento Milgram tenha por objetivo provar a incapacidade da maioria de resistir a ordens de uma autoridade, a pergunta que se faz é outra. Nós obedecemos a ordens injustas porque tememos a punição por nossa resistência ou obedecemos porque, no fundo, gostamos de fazer o mal?
No livro em que analisa o julgamento daquele criminoso nazista (Eichmenn em Jerusalém), Hannah Arendt demonstra que, na Alemanha da Segunda Guerra, os funcionários do Estado que se recusavam a matar e torturar outros seres humanos não recebiam nenhuma punição atroz, com exceção apenas dos momentos finais da guerra (disso falaremos adiante).
No máximo, eram colocados em funções subalternas, podendo ficar tranquilos com sua consciência de não estarem participando de uma atrocidade. Se continuaram, portanto, é porque não se importavam com as crueldades que praticavam, ou talvez as apreciassem.
Portanto, talvez a verdade seja o inverso, como Hobbes propôs: as pessoas comuns são gentis e bondosas apenas quando as regras sociais e do Estado exigem que se portem dessa maneira, pois temem ser punidas se revelarem sua verdadeira natureza. Por outro lado, essas mesmas pessoas “normais” seriam capazes de praticar crueldades quando as autoridades lhes permitissem ou ordenassem porque, no fundo, gostam do que fazem.
Talvez um dos experimentos mais assustadores tenha sido aquele que durou menos de uma semana e terminou muito antes do previsto, por ter despertado algo no coração de seus participantes que, possivelmente, seja melhor deixar adormecido.
Em 1971, durante seis dias, vinte e quatro estudantes da Universidade de Stanford foram selecionados pelo psicólogo Philip Zimbardo para assumirem aleatoriamente papéis de guardas e prisioneiros em uma prisão de mentira. Havia algumas regras a serem obedecidas, e os falsos guardas deveriam livremente adotar as medidas que considerassem adequadas para que os falsos prisioneiros se comportassem.
Tudo poderia ter sido um engraçado faz-de-conta, uma brincadeira inofensiva, pois havia apenas colegas, e sabiam que a prisão era uma grande farsa.
Porém, em poucos dias o Experimento de Stanford se revelou um espetáculo sinistro.
No primeiro dia, verificou-se que os participantes ajustaram-se a seus papéis para além das expectativas do pesquisador. Os guardas adotaram medidas autoritárias e chegaram a submeter alguns  prisioneiros à tortura psicológica e a diversas formas de humilhações.
Muitos dos prisioneiros submetiam-se aos abusos sem protestar.
Nos dias seguintes, os guardas decidiram que os prisioneiros deveriam abdicar de seus nomes e decorar seus números identificadores, para que percebessem não possuir personalidade ali dentro. Os guardas obrigaram os prisioneiros a repetir seus números identificadores e passaram a adotar punições físicas para os que erravam ou se recusavam a fazê-lo.
As condições sanitárias decaíram rapidamente, pois os guardas, exigindo que os prisioneiros defecassem e urinassem em baldes que colocaram em suas celas, deixavam de trocar os baldes no caso de desobediência. Outra punição criada foi tirar o colchão das celas dos prisioneiros que reclamavam, para que dormissem no chão.
A seguir, os guardas começaram a forçar os prisioneiros a ficarem nus, como método de humilhação e disciplina.
Um prisioneiro que se recusou a comer foi colocado em uma “solitária” inventada pelos próprios guardas, consistente em um armário escuro. Os guardas orientaram aos outros prisioneiros a ficarem esmurrando as portas do armário, e depois disseram-lhes que soltariam o rebelde se todos abdicassem de seus lençóis e dormissem direto no colchão — apenas um prisioneiro aceitou sacrificar seu bem-estar para livrar o companheiro da solitária.
Segundo os registros do experimento, vários guardas demonstraram evidentes sinais de sadismo e se portaram de forma desnecessariamente cruel.
Alguns deles reclamaram quando o experimento teve de ser abruptamente interrompido após o sexto dia. Outra surpresa para Philip Zimbardo e sua equipe foi a facilidade com que muitos prisioneiros assumiam uma postura submissiva, tolerando os abusos e até mesmo cooperando com os abusadores.
Embora as conclusões a respeito do experimento sejam objeto de debate até hoje, não precisamos nos limitar a testes feitos em situações controladas. Temos exemplos reais de que algo estranho ronda o coração humano.

4. Compliance e como um trote pode ser a desculpa que faltava
Compliance é um filme americano de produção independente que narra uma história real. Embora não tenha a intenção de estragar o filme para aqueles que desejam assisti-lo, basta dizer que seu roteiro relata como pessoas “normais”, pacatos funcionários de lanchonetes, são facilmente convencidos a praticar crueldades contra pessoas submetidas a seu poder.
Como disse, o filme se baseia em uma série de incidentes verídicos que ocorreram em 2004 nos Estados Unidos, todos resultantes de trotes criminosos realizados por David R. Stewart, um pai de família com cinco filhos.
Stewart, dotado de uma lábia fenomenal, ligava aleatoriamente para lanchonetes das franquias McDonalds e pedia para falar com o gerente. A seguir, convencia o gerente (muitas vezes, uma mulher) de que era agente da polícia local. Induzindo esse gerente a revelar o nome de uma de suas funcionárias mais jovens, logo a seguir informava que tal menina estava sendo investigada como suspeita de crimes como furto e tráfico.
Na sequência de seu trote, Stewart orientava o/a gerente a prender em um banheiro ou dispensa essa funcionária e explicava que, enquanto a polícia se dirigia para o local, os funcionários da lanchonete deveriam proceder a uma busca pessoal na menina, na procura de provas do seu crime. A busca era comandada por Stewart do outro lado do telefone, e ele orientava o gerente ou outros funcionários a despirem a vítima e, até mesmo, a procurarem por drogas em suas cavidades corporais.
Há pelo menos oito trotes registrados. Em muitos dos casos, a funcionária era uma menor de idade. Em quase todos os casos, os gerentes e/ou outros funcionários aproveitaram a situação para humilhar e até mesmo constranger sexualmente a vítima.
Pelo menos um desses trotes resultou na prática de um crime violento.
Para desmascarar o trote, bastava a qualquer dos envolvidos confirmar com a polícia local a veracidade das acusações. Exigia apenas o esforço de fazer-se uma ligação. Isso sem falar no próprio fato de a qualquer um era possível questionar a moralidade e legalidade das instruções de uma suposta autoridade.
Porém, todos pareciam estar desejosos demais de acreditarem numa situação que lhes permitiria expressar o que há de pior na sua natureza.

5. Os bonobos trepam como o Reich gosta…
Não é um quadro lisonjeiro sobre a natureza humana, esse que traçamos até agora. Mas talvez haja uma esperança.
Como vimos, lá no início do texto, os chimpanzés são um de nossos ancestrais mais próximos, da mesma família de primatas. Mas também existe um tipo de primata que, diferente de nossos outros parentes próximos, parece não ter propensão à violência. São os bonobos.
Se hoje em dia os chimpanzés (pan troglodytes) são reconhecidos como animais muito violentos, os bonobos (pan paniscus) ficaram famosos entre os cientistas por terem uma índole totalmente pacífica. Diversamente de seus primos, os bonobos nunca praticam ataques letais uns contra os outros, e são raríssimos os casos de agressão.
Naturalmente calmos, os bonobos são conhecidos entre os pesquisadores como os macacos hippies. Herbívoros, a organização de seu grupo é sempre matriarcal, enquanto os chimpanzés são patriarcais. Se um bonobo eventualmente tenta agredir uma fêmea, é repreendido por todo o grupo e passa um tempo “de castigo”.
Outra diferença em relação aos chipanzés é o tempo e a energia que os bonobos gastam em determinada atividade: o sexo.
Sem exagero, eles passam o dia inteiro transando. Bonobos despendem grande parte de seu tempo livre com sexo, em todo tipo de combinações de idade e de gênero entre os parceiros, sendo que práticas lésbicas são comuns entre as fêmeas.
Na verdade, os bonobos são os únicos primatas que, como os humanos, fazem sexo um de frente para o outro, podendo olhar-se diretamente nos olhos durante a cópula. E os pesquisadores constataram que os intercursos sexuais são não apenas uma fonte de prazer para os bonobos, mas também uma forma de fortalecer a coesão e a solidariedade entre os membros do grupo.
É, também, uma forma de conciliar conflitos entre membros do grupo.
Talvez seja apenas especulação, mas isso lembra muito a teoria da economia sexual e o conceito de potência orgástica criados por William Reich. Alemão meio amalucado, Reich considerava que a impossibilidade de o indivíduo realizar plenamente sua sexualidade, liberando completamente a tensão através do orgasmo, era a causa fundamental de todas as neuroses do ser humano.
Para Reich, as neuroses seriam consequência de todas as inibições crônicas que a civilização impôs à livre expressão da excitação sexual. Disso resultariam indivíduos que internalizam sua ansiedade e externalizam até mesmo fisicamente sua rigidez psicológica, pessoas propensas à violência e a diversas formas de sadismo cotidiano.
Segundo essa teoria, em neuróticos a busca pelo gozo seria substituída pela busca pelo poder, e tais indivíduos tenderiam a aceitar rotinas enfadonhas. Esses indivíduos seriam vitimados por fobias, compulsões, depressão e sentimento de solidão. Reprimidos, eles buscariam em alguma autoridade, religiosa ou política, a energia sexual que não encontram em si mesmas.
Para Reich, tudo isso começou a mudar, à medida em que desmantelamos muitas das crenças e sistemas de nossos antepassados. Estaríamos no limiar de uma revolução sexual cujos efeitos em nossa civilização ainda não foram completamente percebidos.
Seria um cisne negro, um evento cujas consequências ainda não somos capazes de compreender em sua integralidade, pois a transformação de nossos costumes ainda encontra forte resistência naquelas estruturas de poder que se alimentam de indivíduos neuróticos.

6. O chimpanzé e o bonobo que moram em nós
Somos chimpanzés naturalmente violentos ou bonobos pacíficos que ficaram malvados após milênios de restrição de sua energia sexual abundante?
Recentemente, cientistas descobriram que o ser humano está geneticamente tão próximo do bonobo como do chimpanzé. É como se fôssemos a encruzilhada genética de duas formas de viver, a agressiva e a pacífica.
Não podemos esquecer que, em todos os experimentos descritos acima, sempre houve indivíduos, ainda que uma minoria, que se recusaram a seguir o caminho mais fácil da obediência e da agressão autorizada. No experimento de Milgram, pelo menos um terço dos voluntários não prosseguiram aplicando choques.
Na falsa prisão de Standford, alguns prisioneiros sacrificaram seu bem-estar para beneficiar os companheiros, e o experimento foi interrompido porque uma das alunas que entrevistava os participantes protestou veementemente, sem apoio dos colegas. Na série de trotes criminosos contra funcionárias de lanchonetes, Thomas Simmers, um modesto subalterno, arriscou perder seu emprego e foi o único dos envolvidos que se recusou a obedecer as ordens do suposto policial.
Com sua recusa, o trote começou a ser desmascarado.
Hannah Arendt também narra, no livro em que trata da banalidade do mal, a história de dois irmãos camponeses que, convocados pelos nazistas a servir às tropas da SS no final da guerra, recusaram-se a assinar a convocação. Diferente do que ocorria antes, naquele momento de iminente derrota, a recusa era punida com sentença de morte, e os camponeses foram condenados.
No dia da execução dos dois irmãos, eles escreveram uma carta às suas famílias: “preferimos morrer do que carregar em nossas consciências coisas tão terríveis”.
Não devemos menosprezar nossa capacidade de resistir. Talvez o que mais dignifique a espécie humana seja a coragem de uma minoria que ousa dizer “não” às autoridades e também aos seus próprios instintos de chimpanzé, de poucos que não cedem à pressão da maioria e arriscam o próprio bem-estar para não causar sofrimento a outros.
Sob essa ótica, todo aquele corajoso o suficiente para se desviar do caminho dos “homens comuns” e criar uma rota alternativa é candidato a impor um fim à barbárie, quando ela ameaça prevalecer entre nós.

E então? O ser humano é mau?
Claro, a situação não é tão simples assim. Somos muito mais complexos do que a pergunta sugere. Porém, existe um interessante provérbio sobre dois lobos que reflete nossa natureza, e talvez seja conveniente trocar os personagens desse provérbio.
Cada um de nós tem um chimpanzé e um bonobo dentro de si. E todos os dias, com nossas ações e com os caminhos que decidimos tomar, escolhemos se alimentamos o chimpanzé ou o bonobo.
Podemos dar de comida sempre ao chimpanzé, e assim faremos parte de um círculo vicioso de violência e hostilidade, deixando o bonobo morrer a míngua. Ou podemos alimentar o bonobo, enfraquecendo o chimpanzé e ajudando a construir uma civilização em que o sentido de toda vida humana seja tornar a vida dos demais seres mais tolerável e menos sofrida aqui neste mundo.
Em que lado você prefere ficar? Costumo dizer que prefiro o lado do pão que tem a manteiga. Mas, nesse caso, diria que prefiro o lado em que o pessoal está transando sem parar.

Brasil 2016

Quando paro para pensar no que poderia ser feito, para vivermos melhor, não perco as esperanças, mas desanimo. Há um problema gravíssimo em todas as nossas inst...ituições, que não nasceu hoje, mas que tampouco parece estar por acabar: as pessoas são ensinadas a serem felizes sozinhas, a buscarem o sucesso exclusivamente individual. Não adianta uma professora falar sobre solidariedade, justiça e cidadania, se tudo isso não for uma prática dela e da própria escola. De alguma forma, as virtudes são ensinadas para incutir culpa, raramente para enaltecer um projeto de satisfação coletiva. Faculdades de todos os cursos fazem o mesmo. Depois, quando os alunos se formam, não adianta esperar que sejam cidadãos solidários, pois não é para isso que são preparados. Precisamos experimentar a ideia de justiça, de colaboração, de acolhimento, alteridade e empatia, como práticas mais valiosas do que as vantagens individuais. O que criticamos, geralmente é o que replicamos. Como professores, devemos levar para toda a comunidade a verdade de um projeto coletivo de viver bem. Diariamente, faz-se o oposto. Depois a sociedade vai reclamar do egoísmo. Em nosso pais, o que professores e outras lideranças têm transmitido como valores supremos? Poder de compra e de conquistas pessoais. Quando observamos isso, percebemos que não há "inversão de valores", porque com raríssimas exceções, as pessoas reproduzem o que lhe são ensinadas. Difícil mudar isso, mas, no nosso dia a dia, com micro revoluções, podemos fazer a nossa parte.
Rogerio Monteiro Barbosa

segunda-feira, 25 de julho de 2016

O Animal Satisfeito Dorme

“O animal satisfeito dorme”, texto de Mário Sérgio Cortella

O sempre surpreendente Guimarães Rosa dizia: “o animal satisfeito dorme”. Por trás dessa aparente obviedade está um dos mais fundos alertas contra o risco de cairmos na monotonia existencial, na redundância afetiva e na indigência intelectual. O que o escritor tão bem percebeu é que a condição humana perde substância e energia vital toda vez que se sente plenamente confortável com a maneira como as coisas já estão, rendendo-se à sedução do repouso e imobilizando-se na acomodação.
A advertência é preciosa: não esquecer que a satisfação conclui, encerra, termina; a satisfação não deixa margem para a continuidade, para o prosseguimento, para a persistência, para o desdobramento. A satisfação acalma, limita, amortece.

Por isso, quando alguém diz “fiquei muito satisfeito com você” ou “estou muito satisfeita com teu trabalho”, é assustador. O que se quer dizer com isso? Que nada mais de mim se deseja? Que o ponto atual é meu limite e, portanto, minha possibilidade? Que de mim nada mais além se pode esperar? Que está bom como está? Assim seria apavorante; passaria a idéia de que desse jeito já basta. Ora, o agradável é quando alguém diz: “teu trabalho (ou carinho, ou comida, ou aula, ou texto, ou música etc.) é bom, fiquei muito insatisfeito e, portanto, quero mais, quero continuar, quero conhecer outras coisas.

Um bom filme não é exatamente aquele que, quando termina, ficamos insatisfeitos, parados, olhando, quietos, para a tela, enquanto passam os letreiros, desejando que não cesse? Um bom livro não é aquele que, quando encerramos a leitura, o deixamos um pouco apoiado no colo, absortos e distantes, pensando que não poderia terminar? Uma boa festa, um bom jogo, um bom passeio, uma boa cerimônia não é aquela que queremos que se prolongue?

Com a vida de cada um e de cada uma também tem de ser assim; afinal de contas, não nascemos prontos e acabados. Ainda bem, pois estar satisfeito consigo mesmo é considerar-se terminado e constrangido ao possível da condição do momento.

Quando crianças (só as crianças?), muitas vezes, diante da tensão provocada por algum desafio que exigia esforço (estudar, treinar,EMAGRECER etc.) ficávamos preocupados e irritados, sonhando e pensando: por que a gente já não nasce pronto, sabendo todas as coisas? Bela e ingênua perspectiva. É fundamental não nascermos sabendo e nem prontos; o ser que nasce sabendo não terá novidades, só reiterações. Somos seres de insatisfação e precisamos ter nisso alguma dose de ambição; todavia, ambição é diferente de ganância, dado que o ambicioso quer mais e melhor, enquanto que o ganancioso quer só para si próprio.

Nascer sabendo é uma limitação porque obriga a apenas repetir e, nunca, a criar, inovar, refazer, modificar. Quanto mais se nasce pronto, mais refém do que já se sabe e, portanto, do passado; aprender sempre é o que mais impede que nos tornemos prisioneiros de situações que, por serem inéditas, não saberíamos enfrentar.

Diante dessa realidade, é absurdo acreditar na idéia de que uma pessoa, quanto mais vive, mais velha fica; para que alguém quanto mais vivesse mais velho ficasse, teria de ter nascido pronto e ir se gastando…

Isso não ocorre com gente, e sim com fogão, sapato, geladeira. Gente não nasce pronta e vai se gastando; gente nasce não-pronta, e vai se fazendo. Eu, no ano que estamos, sou a minha mais nova edição (revista e, às vezes, um pouco ampliada); o mais velho de mim (se é o tempo a medida) está no meu passado e não no presente.

Demora um pouco para entender tudo isso; aliás, como falou o mesmo Guimarães, “não convém fazer escândalo de começo; só aos poucos é que o escuro é claro”…
Excerto do livro “Não nascemos prontos! – provocações filosóficas”. De Mário Sérgio Cortella

Redes Socias diminuem o Quociente Intelectual

By Bruno Torturra

Seguinte: passei 20 dias sem postar nada nessa rede ou em qualquer outra. Senti uma mudança real no meu nível de ansiedade, na capacidade de foco, na energia disponível para trabalho e para outros temas e interesses. E, principalmente, na forma de "verbalizar" (grandes aspas aqui) internamente os pensamentos. Ontem cometi o pecado de meter uns 4 posts na timeline durante e depois da votação do Congresso.
Eu havia subestimado o benefício de me manter distante do Facebook. Dormi mal, uma ansiedade contida ressurgiu com tudo, voltou um pensamento circular que se constrói a partir de outros posts - e como posts que nunca serão escritos. Completa falta de foco. E uma energia enorme dispersada a troco de quase nada.
Sem brincadeira, até porque levo drogas e adição muito a sério, nunca vivi nada mais parecido com uma recaída do que isso.
Já não tinha muitas dúvidas, tenho menos agora: esse dinâmica de comunicação a que estamos submetidos precisa ser entendida como estrutural nessa depressiva crise psicopolítica. Está drenando energia, serotonina, dopamina e muita força que poderia ser gasta com trabalho, articulação, organização e construção de saídas a partir de nossa perplexidade e indignação.
Vou sair do Facebook? Não. Ainda não. Como jornalista independente, sem veículo ou vínculo com outros meios de comunicação, preciso da rede que consolidei com o meu trabalho por aqui. Uma pena, no fundo.
Mas vou seguir em silêncio por uns tempos, finalizando a reforma do meu site (está ficando bom!) e tocando trabalhos mais consistentes que vão ficando cronicamente em segundo plano nessa cracolândia da procrastinação e micro autoafirmações.
Até porque, droga por droga, conheço muitas bem mais interessantes - e mais saudáveis - do que a timeline.
Em frente.

Decrescimento Positivo

Se desfazer de tudo não torna você mais feliz, e sim mais pobre

O decrescimento positivo existe. E não tem nada a ver com ficar sem casa
A crise chegou. Foi arrasadora. Os jornais se encheram de gente que perdeu tudo: o lar, o trabalho, a família. É impossível encontrar felicidade em situações assim e em tantos dramas que povoam a mídia todo dia. Mas há uma tendência em alta que defende abandonar um ritmo exaustivo de trabalho para desfrutar do lazer acima do dinheiro e das coisas materiais. Não tem nada a ver com ficar na miséria. Faz parte do chamado decrescimento, uma corrente que abrange uma mudança total de paradigma político, econômico e social. Não se trata de tornar-se um asceta: os teóricos defendem uma prosperidade sustentável e um melhor uso de nosso tempo no qual o consumo não seja o elemento primordial. O objetivo é alcançar a felicidade em harmonia com o ambiente.

Não é nada novo. Apesar de agora haver histórias de superação e autodescoberta baseadas na máxima do “dejar todo y largarse, ¡qué maravilla!” , cantada por Silvio Rodríguez, as teorias sobre as vantagens de abandonar o supérfluo existem há muito tempo. Antes, inclusive, que o pensador francês Serge Latouche as popularizasse com a publicação do artigo La Décroissance no início do século XX. Vêm desde o famoso livro/manual Walden, de Henry David Thoreau, que dizia em 1854 coisas como estas:

“A maioria dos homens está tão preocupada com os cuidados fáticos e as tarefas rudes mas supérfluas da vida que não consegue colher seus melhores frutos. Na realidade, o homem trabalhador e esforçado carece de tempo livre para desenvolver uma vida cotidiana íntegra e pessoal, sequer pode manter as relações mais viris com outros homens, pois seu trabalho se depreciaria no mercado. Não tem tempo de ser outra coisa além de uma máquina”.

A partir deste testemunho, a editora Errata Naturae acaba de recuperar o original de A country year, uma mistura de diário pessoal e ensaio publicado por Sue Hubbell na década de setenta do século passado. A escritora norte-americana (Michigan, 1935) deixou seu emprego de bibliotecária para se dedicar à apicultura nas montanhas do Missouri. Assim, afirma, teria menos dinheiro, mas mais tempo livre e menos pesos com os quais se preocupar. Sua renda menor, além disso, representaria menos impostos levados por “um governo que amparava a injustificada guerra do Vietnã”.

O que aconteceu? “Na verdade, não larguei tudo”, esclarece previamente Hubbell por e-mail, “mas levei comigo um conjunto de competências e habilidades para confiar em mim mesma e amar o lugar. Mas suponho que abandonar um emprego e tudo o mais me faz entrar, de certa forma, na categoria de pessoa em risco”. Sua passagem pela natureza a ensinou a “observar como sobreviviam os animais a cada momento e afiar sua compreensão do meio ambiente”, mas sobretudo lhe fez gozar de grandes momentos de felicidade que ela detalha no livro em descrições da paisagem ou em passagens cotidianas. “Nunca me interessei por dispositivos tecnológicos e não sei como se pode ser vítima desse afã por consumir tanto”, acrescenta diante da pergunta sobre se vale a pena adquirir objetos materiais. “O maior problema não é esse, mas que muitos seres humanos ainda demonstram intolerância em relação ao outro; são violentos, cruéis e tentam prejudicar os que estão em volta”, afirma.

Prosperidade versus crescimento
Julio García Camarero concorda com ela. O engenheiro técnico florestal passou mais de mil páginas teorizando sobre o dano do crescimento disparatado, gerador da “crise terminal”. No ano passado publicou um livro que qualificava o decrescimento de “infeliz”. “Há dois decrescimento opostos e, para que não haja ambiguidade, é preciso dar-lhes um sobrenome. Um é o infeliz, de 99% da população, ligado ao crescimento de uma oligarquia, o outro 1% da população, e que provém do desemprego, dos cortes para a maioria etc. Há outro, muito diferente, que consiste em consumir menos, em um desenvolvimento mais humano. Esse é o feliz”, pondera.

“Há quem confunda progresso com crescimento, tanto em termos pessoais como materiais. Gosto de falar de prosperidade, que se ajusta mais ao verdadeiro progresso e não inclui a acumulação de bens e a criação de pseudonecessidades”, acrescenta. “O decrescimento feliz passa por abastecer-se de uma agricultura ecológica, despojar-se da escravidão e alcançar qualidade de vida com o lazer e as relações de amizade”, conclui quem, aos 80 anos, investe sua aposentadoria em assistir assembleias de bairro, colaborar com hortas urbanas ou visitar filhos e netos em carros compartilhados.

Seus postulados, se olharmos para trás, se adivinham nas linhas do famoso Direito à preguiça, de Paul Lafargue, que — a partir de seu ativismo marcante 8— assevera: “Uma estranha loucura se apoderou das classes trabalhadoras dos países dominados pela civilização capitalista. Esta loucura traz como resultado as misérias individuais e sociais que, há séculos, torturam a triste humanidade. Esta loucura é o amor ao trabalho, a paixão moribunda por ele, levada ao esgotamento das forças vitais do indivíduo e de seus filhos. Entorpecidos por seu vício, os trabalhadores não conseguiram se elevar à compreensão do fato de que, para que haja trabalho para todos, era necessário racioná-lo como a água em um barco à deriva”.

Seus defensores consideram o decrescimento algo imprescindível para o bem-estar do planeta. É o que propõe o veterinário e doutor em Administração de Empresas Gustavo Duch em seu livro Lo que hay que tragar (Los livros del lince, 2010): “De alguma forma que me escapa, há um pensamento dominante que relaciona diretamente crescimento econômico (mais produção, mais consumo) com desenvolvimento, com prosperidade e até chegam a considerá-lo um remédio contra as desigualdades. O decrescimento não é uma proposta que podemos ou não adotar, é uma situação que cedo ou tarde chegará e que devemos assumir. A crise econômica generalizada poderia ser interpretada como um primeiro sinal do colapso ou, ao contrário, se agimos de acordo, poderia se tornar um ponto de inflexão, em um momento de reflexão obrigatória e em uma oportunidade histórica para antecipar-se e evitar que o decrescimento acabe constituindo-se em um fardo pesado. Partindo dessas premissas, as medidas frente à crise não se concentrariam no aumento da produtividade — receita aplicada pela maioria dos governos — mas em analisar os modos de produção e hábitos de consumo”.

Mais tempo é mais riqueza
Trata-se de pensar em um crescimento sustentável que não seja medido exclusivamente por índices econômicos e que nos ajude a viver com tranquilidade, sem angústias, e reforçando os gostos de cada um, definitivamente. Nada a ver com as frases positivas de gurus que perderam tudo e se reencontraram graças à pobreza. “Sequer os milionários conseguem comprar dias de mais de 24 horas. Nesse sentido, o tempo é muito democrático, porque entre um e outro amanhecer todos dispomos da mesma quantidade de horas, do mesmo capital de tempo. E, como todas as economias, a do tempo é uma economia política”, analisa María Ángeles Durán, pesquisadora do Centro de Ciências Humanas e Sociais do CSIC, em seu estudo El valor del tiempo.

Trata-se portanto de possuir bens relacionais, como relembra em Menos es más (Los libros del lince, 2009) o divulgador francês Nicolas Ridoux. “O lugar essencial de nossas vidas está ocupado pelo consumo. O tempo acumulado em nossas decisões de compra, a gestão das mesmas e de suas consequências, é considerável, em detrimento do tempo dedicado a uma verdadeira plenitude. O decrescimento, pela humildade e a sobriedade que representa, poderia oferecer soluções, ao mesmo tempo coletivas e individuais, aos grandes desafios de nossa época, assim como alegria de viver”, sentencia.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Porque os Estados Unidos Fracassaram


Resenha do livro Porque os Estados Unidos Fracassaram
Paulo Nogueira

Morris Berman, 67 anos, é um acadêmico americano que vale a pena conhecer.
Acabo de ler “Por Que os Estados Unidos Fracassaram”, dele. A primeira coisa que me ocorre é: tomara que alguma editora brasileira se interesse por este pequeno – 196 páginas — grande livro.
A questão do título é respondida amplamente. Você fecha o livro com uma compreensão clara sobre o que levou os americanos a um declínio tão dramático.
O argumento inicial de Berman diz tudo. Uma sociedade em que os fundamentos são a busca de status e a aquisição de objetos não pode funcionar.
Berman cita um episódio que viu na televisão. Uma mulher desabou com o rosto no chão em um hospital em Nova York. Ela ficou tal como caiu por uma hora inteira, sob indiferença geral, até que finalmente alguém se movimentou. A mulher já estava morta.
“O psicoterapeuta Douglas LaBier, de Washington, tem um nome para esse tipo de comportamento, que ele afirma ser comuníssimo nos Estados Unidos: síndrome da falta de solidariedade”, diz Berman. “Basicamente, é um termo elegante para designar quem não dá a mínima para ninguém senão para si próprio. LaBier sustenta que solidariedade é uma emoção natural, mas logo cedo perdida pelos americanos porque nossa sociedade dá foco nas coisas materiais e evita reflexão interior.”
Berman afirma que você sente no ar um “autismo hostil” nas relações entre as pessoas nos Estados Unidos. “Isso se manifesta numa espécie de ausência de alma, algo de que a capital Washington é um exemplo perfeito. Se você quer ter um amigo na cidade, como Harry Truman disse, então compre um cachorro.”


O americano médio, diz ele, acredita no “mito” da mobilidade social. Berman nota que as estatísticas mostram que a imensa maioria das pessoas nos Estados Unidos morrem na classe em que nasceram. Ainda assim, elas acham que um dia vão ser Bill Gates. Têm essa “alucinação”, em vez de achar um absurdo que alguém possa ter mais de 60 bilhões de dólares, como Bill Gates.
“Estamos assistindo ao suicídio de uma nação”, diz Berman. “Um país cujo propósito é encorajar seus cidadãos a acumular mercadorias no maior volume possível, ou exportar ‘democracia’ à base de bombas, é um navio prestes a afundar. Nossa política externa gerou o 11 de Setembro, obra de pessoas que detestavam o que os Estados Unidos estavam fazendo com os países delas. A nossa política (econômica) interna criou a crise mundial de 2008.”
A soberba americana é sublinhada por Berman em várias situações. Ele cita, por exemplo, uma declaração de George W Bush de 1988: “Nunca peço desculpas por algo que os Estados Unidos tenham feito. Não me importam os fatos.” Essa fala foi feita pouco depois que um navio de guerra americano derrubou por alegado engano um avião iraniano com 290 pessoas a bordo, 66 delas crianças. Não houve sobreviventes.
Berman evoca também a Guerra do Vietnã. “Como entender que, depois de termos matado 3 milhões de camponeses vietnamitas e torturado dezenas de milhares, o povo americano ficasse mais incomodado com os protestos antiguerra do que com aquilo que nosso exército estava fazendo? É uma ironia que, depois de tudo, os reais selvagens sejamos – nós.”
Você pode perguntar: como alguém que tem uma visão tão crítica – e tão justificada – de seu país pode viver nele?
A resposta é que Berman desistiu dos Estados Unidos. Ele vive hoje no México, que segundo ele é visceralmente diferente do paraíso do narcotráfico pintado pela mídia americana — pela qual ele não tem a menor admiração. “Mudei para o México porque acreditava que ainda encontraria lá elementos de uma cultura tradicional, e acertei”, diz ele. “Só lamento não ter feito isso há vinte anos. Há uma decência humana no México que não existe nos Estados Unidos.”

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Vidas Simplificadas

Como a classe média alta brasileira é escrava do “alto padrão” dos supérfluos

Por Adriana Setti.
No ano passado, meus pais (profissionais ultra-bem sucedidos), decidiram reduzir o ritmo em tempo de aproveitar a vida com alegria e saúde. Tomaram uma decisão surpreendente: alugaram o apartamento em um bairro nobre de São Paulo, enfiaram algumas peças de roupa na mala e embarcaram para Barcelona, onde meu irmão e eu moramos.
Aqui na capital catalã, os dois alugaram um apartamento agradabilíssimo (mas com um terço do tamanho e um vigésimo do conforto do de São Paulo), no bairro modernista do Eixample, com direito a limpeza uma vez por semana. Como nunca cozinharam para si mesmos, saíam todos os dias para almoçar e/ou jantar. Com tempo de sobra, devoraram o calendário cultural da cidade: shows, peças de teatro, cinema e ópera quase diariamente. Também viajaram um pouco pela Espanha e a Europa. E tudo isso, muitas vezes, na companhia de filhos, genro, nora e amigos, a quem proporcionaram incontáveis jantares regados a vinhos.
Com o passar de alguns meses, meus pais fizeram uma constatação que beirava o inacreditável: estavam gastando muito menos mensalmente para viver aqui do que gastavam no Brasil. Sendo que em São Paulo saíam para comer fora ou para algum programa cultural só de vez em quando (por causa do trânsito, dos problemas de segurança, etc), moravam em apartamento próprio e quase nunca viajavam.
Milagre? Não. O que acontece é que, ao contrário do que fazem a maioria dos pais brasileiros, eles resolveram experimentar o modelo de vida dos filhos em benefício próprio.
“Quero uma vida mais simples como a sua”, disse-me um dia a minha mãe.
Isso, nesse caso, significou deixar de lado o altíssimo padrão de vida de classe média alta paulistana para adotar, como “estagiários”, o padrão de vida – mais austero e justo – da classe média européia, da qual eu e meu irmão fazemos parte hoje em dia (eu há dez anos e ele, quatro).
O dinheiro que “sobrou” aplicaram em coisas prazerosas e gratificantes.
Do outro lado do Atlântico, a coisa é bem diferente.
A classe média européia não está acostumada com a moleza.
Toda pessoa normal que se preze esfria a barriga no tanque e a esquenta no fogão.
Caminha até a padaria para comprar o seu próprio pão e enche o tanque de gasolina com as próprias mãos.
É o preço que se paga por conviver com algo totalmente desconhecido no nosso país: a ausência do absurdo abismo social e, portanto, da mão de obra barata e disponível para qualquer necessidade do dia a dia.
Traduzindo essa teoria na experiência vivida por meus pais, eles reaprenderam (uma vez que nenhum deles vem de família rica, muito pelo contrário) a dar uma limpada na casa nos intervalos do dia da faxina, a usar o transporte público e as próprias pernas, a lavar a própria roupa, a não ter carro (e manobrista, e garagem, e seguro), enfim, a levar uma vida mais “sustentável”. Não doeu nada.
Uma vez de volta ao Brasil, eles simplificaram a estrutura que os cercava, cortaram uma lista enorme de itens supérfluos, reduziram assim os custos fixos e, mais leves, tornaram-se mais portáteis (este ano, por exemplo, passaram mais três meses por aqui, num apê ainda mais simples).
Por que estou contando isso a vocês? Porque o resultado desse experimento, quase científico feito pelos pais, é a prova concreta de uma teoria que defendo em muitas conversas com amigos brasileiros:
O nababesco padrão de vida almejado por parte da classe média alta brasileira (que um europeu relutaria em adotar até por uma questão de princípios) acaba gerando stress, amarras e muita complicação como efeitos colaterais. E isso sem falar na questão moral e social da coisa.
Babás, empregadas, carro extra em São Paulo para o dia do rodízio (essa é de lascar!), casa na praia, móveis caríssimos e roupas de marca podem ser o sonho de qualquer um, claro (não é o meu, mas quem sou eu para discutir?).
Só que, mesmo em quem se delicia com essas coisas, a obrigação auto-imposta de manter tudo isso – e administrar essa estrutura que acaba se tornando cada vez maior e complexa – acaba fazendo com que o conforto se transforme em escravidão sem que a “vítima” se dê conta disso. E tem muita gente que aceita qualquer contingência num emprego malfadado, apenas para não perder as mordomias da vida.
Alguns amigos paulistanos não se conformam com a quantidade de viagens que faço por ano (no último ano foram quatro meses – graças também, é claro, à minha vida de freelancer). “Você está milionária?”, me perguntam eles, que têm sofás (em L, óbvio) comprados na Alameda Gabriel Monteiro da Silva, TV LED último modelo e o carro do ano (enquanto mal têm tempo de usufruir tudo isso, de tanto que ralam para manter o padrão).
É muito mais simples do que parece. Limpo o meu próprio banheiro, não estou nem aí para roupas de marca e tenho algumas manchas no meu sofá baratex.
Antes isso do que a escravidão de um padrão de vida que não traz felicidade. Ou, pelo menos, não a minha.
Essa foi a maior lição que aprendi com os europeus — que viajam mais do que ninguém.
São mestres na arte do “savoir vivre” e sabem muito bem como pilotar um fogão e uma vassoura.
Antes que alguém me acuse de tomar o comportamento de uma parcela da classe média alta paulistana como uma generalização sobre a sociedade brasileira, digo logo que, sim, esse texto se aplica ao pé da letra para um público bem específico. Também entendo perfeitamente que a vida não é tão “boa” para todos no Brasil, e que o “problema” que levanto aqui pode até soar ridículo para alguns – por ser menor.
Minha intenção, com esse texto, é apenas tentar mostrar que a vida sempre pode ser menos complicada e mais racional do que imaginam as elites mal-acostumadas no Brasil.

domingo, 29 de abril de 2012

O Bem Estar da Natureza

Nós nos sentimos bem em meio à natureza porque ela não nos julga


Nós, seres humanos do século XXI, estamos "desnaturalizados" e isso muitas vezes nos faz parecer extraterrestres em nosso próprio planeta. Mesmo acreditando que a cultura e a civilização tenham suprido nossa porção mais animal e instintiva, ainda precisamos manter contato com o mundo natural.

Para tratar quadros de ansiedade que nascem do excesso de trabalho e de uma longa permanência na selva de pedra, escapadas de dois ou três dias para a natureza podem ser mais eficientes do que a ingestão de medicamentos.

Ao sentir o cheiro de terra fresca, o ar limpo e o silêncio, que só é quebrado pelas pequenas criaturas ao redor, reencontramos nossa esência por tanto tempo abandonada.

Como diz Nietzsche, na cidade precisamos representar um papel porque estamos muito preocupados com o que pensam de nós. Mas, ao voltar à natureza, podemos nos dar ao luxo de sermos nós mesmos. Não precisamos nos vestir bem, falar ou atuar de maneira especial. Basta nos deixarmos levar pelo mundo natural em direção ao nosso interior, onde um manancial de tranquilidade nos aguarda.

Allan Percy
autor do livro "Nietzsche para estressados"
Ed Sextante, Rio de Janeiro RJ