quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Escrever

Schoppenhauer é um niilista brilhante. Foi fortemente influenciado pelo budismo e sua visão de que a vida é sofrimento, sofrimento e ainda sofrimento. O pensamento oriental o marcou tanto que ele deu a seu poodle o nome de Atma – alma, em sânscrito. Sua frase clássica é uma que diz: “A pior coisa que pode acontecer a alguém é nascer”.
Fora filosofar, Schoppenhauer foi, também, cultor do estilo. Escreveu um livro chamado A Arte de Escrever, lançado no Brasil pela LPM. Selecionei alguns tópicos. Qualquer pessoas que escreva – ainda que apenas emails – ganha lendo.
1) Usar muitas palavras para comunicar poucos pensamentos é o sinal incondundível da mediocridade. O homem inteligente resume, ao contrário, muitos pensamentos em poucas palavras.
2) Um bom cozinheiro pode dar gosto até a uma sola de sapato. Da mesma forma, um bom escritor pode tornar interessante o assunto mais árido.
3) Existem três classes de autores. Primeiro, aqueles que escrevem sem pensar. Escrevem a partir da memória, de reminiscências, ou diretamente a partir de livros alheios. Essa classe é a mais numerosa. Em segundo lugar, há os que pensam para escrever. Eles pensam justamente para escrever. São numerosos. Em terceiro lugar, há os que pensaram antes de se pôr a escrever. Escrevem exatamente porque pensaram. Estes são raros.
4) Não há nenhum erro maior do que imaginar que a última palavra usada é a melhor, que algo escrito mais recentemente constitui um aprimoramento do que foi escrito antes, que toda mudança é um progresso.
5) Não há nada mais fácil do que escrever de maneira que ninguém entenda. Em compensação, nada é tão difícil quanto expressar pensamentos significativos de modo que todos os compreendam.
6) Palavras ordinárias podem ser usadas para dizer coisas extraordinárias.
7) A mente trivial é reconhecida pelo seu estilo afetado.
8) Como alguém que de tanto cavalgar desaprende de andar, alguns eruditos de tanto ler livros se tornam burros.

sábado, 3 de dezembro de 2016

O ser humano é mau ?

O ser humano é mau?
por Victor Lisboa
Uma pacífica gerente de lanchonete. Um pacato estudante universitário. Um inofensivo cidadão americano. Todos sem precedentes de violência. Normais, comuns, iguais a nós. Todos capazes de torturar, matar e estuprar.
Saberemos de suas histórias em breve, ao tentarmos responder a seguinte pergunta:
O ser humano é mau?
Antes, porém, precisamos voltar à 1970 e contar a curiosa historia da Dra. Jane Goodall. Antropóloga e etologista especializada em primatas, ela amava um de nossos parentes mais próximos, o chimpanzé. Passou anos estudando uma turma deles em seu ambiente natural, numa reserva na Tanzânia.

1. Os angélicos chipanzés da senhora Jane Goodall
A Dra. Goodall admirava o comportamento benevolente dos chipanzés. Como são nossos parentes próximos, por pertencerem à família dos hominoidea, Dra. Goodall via neles a prova de que éramos, no fundo, seres bondosos e gentis.
Em 1971, a pesquisadora publicou o livro. Nele, defendia que os chimpanzés eram a prova de que nós, seres humanos, vivíamos antigamente em paz e harmonia, conectados com a natureza, e de que a guerra não era algo natural, mas uma detestável invenção do homem “racional”.
Trata-se de uma tese similar a do bom selvagem de Rousseau, segundo a qual o ser humano era originalmente bom, mas foi corrompido pela civilização e pela noção de propriedade. Algo muito diferente  da opinião de Hobbes, de que o homem era naturalmente propenso ao mal e que a civilização serviria para conter seus instintos “criminosos” (o curioso é que, na vida pessoal, Hobbes era muito mais decente e honesto do que Rousseau).
Três anos após a publicação do livro, houve uma reviravolta que chocou a Dra. Goodall. A população do grupo de chimpanzés que pesquisava aumentou com o nascimento de novos filhotes. Com isso, tornou-se mais difícil conseguir comida para todos. Ela começou a notar uma sutil mudança no comportamento deles.
Pareciam mais hostis, inquietos.
Em certo momento e sem razão aparente, o grupo de chipanzés dividiu-se em duas tribos. A maior permaneceu no antigo território, enquanto a menor se embrenhou na floresta. De início, a relação entre ambas as tribos era pacífica. Cada um no seu território, sem problemas. Mas em algumas semanas os membros do grupo maior, sem qualquer motivo, passaram a fazer incursões para atacar e matar os seus antigos amigos.
As investidas eram impiedosas e brutais. Os agressores cercavam os outros chimpanzés quando estavam mais indefesos e quebravam seus ossos, rasgavam sua carne com os dentes e, se não os matavam de imediato, deixavam-nos aleijados para morrerem vagarosamente. As principais vítimas eram outros machos. Só que, em um dos ataques, uma fêmea idosa foi trucidada.
No final, a tribo menor foi praticamente dizimada.
Dra. Goodall ficou horrorizada. Seus amados chimpanzés, nossos parentes próximos, mostraram-se brutais. Posteriormente, ficou comprovado que chimpanzés machos até mesmo costumam atacar filhotes separados das mães e praticar canibalismo com suas jovens vítimas.
A tese defendida no livro da Dra. Goddal mostrou-se totalmente furada.

2. A banalidade do mal e o Experimento de Milgram
A atitude dos amiguinhos da Dra. Goodall não teria surpreendido em nada outra mulher e escritora. Hannah Arendt, prisioneira de um campo de concentração na Segunda Guerra, tinha opinião contrária sobre a natureza humana. Judia, Hannah chegou a ofender seus amigos judeus ao propôr que a maldade típica dos nazistas não era privilégio dos alemães, até porque eles receberam apoio de membros da comunidade judaica.
Pior ainda, durante o julgamento de um criminosos nazista (Adolf Eichmann, ex-tenente da SS — a organização paramilitar do partido nazista) ela propôs que o réu não era um monstro, mas um ser humano comum, que praticara o que muitos seres humanos “normais” teriam feito se colocados nas mesmas circunstâncias.
Essa era a sua teoria: o mal não é algo extraordinário; o mal é algo comum, banal.
A banalidade do mal, segundo Hanna Arendt, está no fato de que a maldade não é praticada exclusivamente por loucos ou psicopatas, mas por pessoas normais que aceitam as premissas de seu Estado e que se conduzem de acordo com as convenções sociais por acreditarem que são adequadas e justas.
Pois um dia um pesquisador decidiu verificar cientificamente se Hannah Arendt tinha razão. Em 1961, o psicólogo americano Stanley Milgram fez um experimento patrocinado pela universidade de Yale. A pesquisa e seus resultados ficaram famosos no mundo todo como O Experimento Milgram (The Milgram Experiment).
Em resumo, Milgram publicou nos jornais um anúncio para voluntários participarem de um teste. Os voluntários eram instruídos a fazer perguntas para um outro suposto voluntário (na verdade, um ator) que estava em outra sala e com o qual se comunicavam por meio de um sistema de som.
Ao lado do voluntário estava um pesquisador. Diante do voluntário havia um aparelho cheio de botões. Era explicado a ele que o aparelho estava conectado a fios elétricos que, por sua vez, ficavam presos ao pulso do homem na sala ao lado.
O pesquisador apresentava ao voluntário um questionário e o instruía a fazer perguntas ao outro sujeito. Quando esse errasse uma resposta, o voluntário deveria lhe aplicar um choque. A intensidade do choque deveria aumentar 15 volts a cada resposta errada.
Do outro lado da sala, como já dito, não havia outro voluntário, mas um ator sem fio nenhum conectado a seu pulso. Ele deveria errar perguntas do questionário de propósito e, quando aplicado o falso choque, fingiria gemer de dor. A medida em que os supostos choques aumentassem, ele deveria gritar, simular um enfarto e, depois, permanecer em silêncio, como se algo muito ruim houvesse ocorrido.
O objetivo do experimento era saber até onde pessoas comuns, pacatos cidadãos americanos, seriam capazes de ir apenas porque estavam autorizados por um pesquisador de uma universidade.
Os resultados falam por si:
65% dos voluntários chegaram a aplicar choques de até 450 volts em suas vítimas. Alguns continuaram a aplicar choques mesmo quando a “vítima” já não respondia coisa alguma e presumivelmente estava morta ou havia desmaiado. Nenhum dos voluntários que se recusou a administrar os choques finais exigiu que o experimento em si mesmo tivesse um fim, e nenhum deles foi à sala ao lado para verificar o estado de saúde da vítima.

E antes que alguém insinue que a culpa é dos americanos, do sistema capitalista e da McDonalds, é bom esclarecer que, nos anos seguintes, a equipe de Milgram repetiu o experimento em vários outros países do mundo.
Em todos, o resultado sempre foi o mesmo.
Na conclusão de sua pesquisa, Stanley Milgram foi claro:
“Pessoas comuns, simplesmente fazendo seu trabalho e sem qualquer hostilidade particular, podem se tornar agentes de um terrível processo destrutivo.
Mais ainda, mesmo quando os efeitos destrutivos de seu trabalho se tornam patentemente claros, e lhes é pedido que prossigam agindo contra os padrões fundamentais da moralidade, relativamente poucas pessoas são capazes de resistir a autoridade.”

3. A verdadeira face dos falsos prisioneiros de Stanford
Embora o Experimento Milgram tenha por objetivo provar a incapacidade da maioria de resistir a ordens de uma autoridade, a pergunta que se faz é outra. Nós obedecemos a ordens injustas porque tememos a punição por nossa resistência ou obedecemos porque, no fundo, gostamos de fazer o mal?
No livro em que analisa o julgamento daquele criminoso nazista (Eichmenn em Jerusalém), Hannah Arendt demonstra que, na Alemanha da Segunda Guerra, os funcionários do Estado que se recusavam a matar e torturar outros seres humanos não recebiam nenhuma punição atroz, com exceção apenas dos momentos finais da guerra (disso falaremos adiante).
No máximo, eram colocados em funções subalternas, podendo ficar tranquilos com sua consciência de não estarem participando de uma atrocidade. Se continuaram, portanto, é porque não se importavam com as crueldades que praticavam, ou talvez as apreciassem.
Portanto, talvez a verdade seja o inverso, como Hobbes propôs: as pessoas comuns são gentis e bondosas apenas quando as regras sociais e do Estado exigem que se portem dessa maneira, pois temem ser punidas se revelarem sua verdadeira natureza. Por outro lado, essas mesmas pessoas “normais” seriam capazes de praticar crueldades quando as autoridades lhes permitissem ou ordenassem porque, no fundo, gostam do que fazem.
Talvez um dos experimentos mais assustadores tenha sido aquele que durou menos de uma semana e terminou muito antes do previsto, por ter despertado algo no coração de seus participantes que, possivelmente, seja melhor deixar adormecido.
Em 1971, durante seis dias, vinte e quatro estudantes da Universidade de Stanford foram selecionados pelo psicólogo Philip Zimbardo para assumirem aleatoriamente papéis de guardas e prisioneiros em uma prisão de mentira. Havia algumas regras a serem obedecidas, e os falsos guardas deveriam livremente adotar as medidas que considerassem adequadas para que os falsos prisioneiros se comportassem.
Tudo poderia ter sido um engraçado faz-de-conta, uma brincadeira inofensiva, pois havia apenas colegas, e sabiam que a prisão era uma grande farsa.
Porém, em poucos dias o Experimento de Stanford se revelou um espetáculo sinistro.
No primeiro dia, verificou-se que os participantes ajustaram-se a seus papéis para além das expectativas do pesquisador. Os guardas adotaram medidas autoritárias e chegaram a submeter alguns  prisioneiros à tortura psicológica e a diversas formas de humilhações.
Muitos dos prisioneiros submetiam-se aos abusos sem protestar.
Nos dias seguintes, os guardas decidiram que os prisioneiros deveriam abdicar de seus nomes e decorar seus números identificadores, para que percebessem não possuir personalidade ali dentro. Os guardas obrigaram os prisioneiros a repetir seus números identificadores e passaram a adotar punições físicas para os que erravam ou se recusavam a fazê-lo.
As condições sanitárias decaíram rapidamente, pois os guardas, exigindo que os prisioneiros defecassem e urinassem em baldes que colocaram em suas celas, deixavam de trocar os baldes no caso de desobediência. Outra punição criada foi tirar o colchão das celas dos prisioneiros que reclamavam, para que dormissem no chão.
A seguir, os guardas começaram a forçar os prisioneiros a ficarem nus, como método de humilhação e disciplina.
Um prisioneiro que se recusou a comer foi colocado em uma “solitária” inventada pelos próprios guardas, consistente em um armário escuro. Os guardas orientaram aos outros prisioneiros a ficarem esmurrando as portas do armário, e depois disseram-lhes que soltariam o rebelde se todos abdicassem de seus lençóis e dormissem direto no colchão — apenas um prisioneiro aceitou sacrificar seu bem-estar para livrar o companheiro da solitária.
Segundo os registros do experimento, vários guardas demonstraram evidentes sinais de sadismo e se portaram de forma desnecessariamente cruel.
Alguns deles reclamaram quando o experimento teve de ser abruptamente interrompido após o sexto dia. Outra surpresa para Philip Zimbardo e sua equipe foi a facilidade com que muitos prisioneiros assumiam uma postura submissiva, tolerando os abusos e até mesmo cooperando com os abusadores.
Embora as conclusões a respeito do experimento sejam objeto de debate até hoje, não precisamos nos limitar a testes feitos em situações controladas. Temos exemplos reais de que algo estranho ronda o coração humano.

4. Compliance e como um trote pode ser a desculpa que faltava
Compliance é um filme americano de produção independente que narra uma história real. Embora não tenha a intenção de estragar o filme para aqueles que desejam assisti-lo, basta dizer que seu roteiro relata como pessoas “normais”, pacatos funcionários de lanchonetes, são facilmente convencidos a praticar crueldades contra pessoas submetidas a seu poder.
Como disse, o filme se baseia em uma série de incidentes verídicos que ocorreram em 2004 nos Estados Unidos, todos resultantes de trotes criminosos realizados por David R. Stewart, um pai de família com cinco filhos.
Stewart, dotado de uma lábia fenomenal, ligava aleatoriamente para lanchonetes das franquias McDonalds e pedia para falar com o gerente. A seguir, convencia o gerente (muitas vezes, uma mulher) de que era agente da polícia local. Induzindo esse gerente a revelar o nome de uma de suas funcionárias mais jovens, logo a seguir informava que tal menina estava sendo investigada como suspeita de crimes como furto e tráfico.
Na sequência de seu trote, Stewart orientava o/a gerente a prender em um banheiro ou dispensa essa funcionária e explicava que, enquanto a polícia se dirigia para o local, os funcionários da lanchonete deveriam proceder a uma busca pessoal na menina, na procura de provas do seu crime. A busca era comandada por Stewart do outro lado do telefone, e ele orientava o gerente ou outros funcionários a despirem a vítima e, até mesmo, a procurarem por drogas em suas cavidades corporais.
Há pelo menos oito trotes registrados. Em muitos dos casos, a funcionária era uma menor de idade. Em quase todos os casos, os gerentes e/ou outros funcionários aproveitaram a situação para humilhar e até mesmo constranger sexualmente a vítima.
Pelo menos um desses trotes resultou na prática de um crime violento.
Para desmascarar o trote, bastava a qualquer dos envolvidos confirmar com a polícia local a veracidade das acusações. Exigia apenas o esforço de fazer-se uma ligação. Isso sem falar no próprio fato de a qualquer um era possível questionar a moralidade e legalidade das instruções de uma suposta autoridade.
Porém, todos pareciam estar desejosos demais de acreditarem numa situação que lhes permitiria expressar o que há de pior na sua natureza.

5. Os bonobos trepam como o Reich gosta…
Não é um quadro lisonjeiro sobre a natureza humana, esse que traçamos até agora. Mas talvez haja uma esperança.
Como vimos, lá no início do texto, os chimpanzés são um de nossos ancestrais mais próximos, da mesma família de primatas. Mas também existe um tipo de primata que, diferente de nossos outros parentes próximos, parece não ter propensão à violência. São os bonobos.
Se hoje em dia os chimpanzés (pan troglodytes) são reconhecidos como animais muito violentos, os bonobos (pan paniscus) ficaram famosos entre os cientistas por terem uma índole totalmente pacífica. Diversamente de seus primos, os bonobos nunca praticam ataques letais uns contra os outros, e são raríssimos os casos de agressão.
Naturalmente calmos, os bonobos são conhecidos entre os pesquisadores como os macacos hippies. Herbívoros, a organização de seu grupo é sempre matriarcal, enquanto os chimpanzés são patriarcais. Se um bonobo eventualmente tenta agredir uma fêmea, é repreendido por todo o grupo e passa um tempo “de castigo”.
Outra diferença em relação aos chipanzés é o tempo e a energia que os bonobos gastam em determinada atividade: o sexo.
Sem exagero, eles passam o dia inteiro transando. Bonobos despendem grande parte de seu tempo livre com sexo, em todo tipo de combinações de idade e de gênero entre os parceiros, sendo que práticas lésbicas são comuns entre as fêmeas.
Na verdade, os bonobos são os únicos primatas que, como os humanos, fazem sexo um de frente para o outro, podendo olhar-se diretamente nos olhos durante a cópula. E os pesquisadores constataram que os intercursos sexuais são não apenas uma fonte de prazer para os bonobos, mas também uma forma de fortalecer a coesão e a solidariedade entre os membros do grupo.
É, também, uma forma de conciliar conflitos entre membros do grupo.
Talvez seja apenas especulação, mas isso lembra muito a teoria da economia sexual e o conceito de potência orgástica criados por William Reich. Alemão meio amalucado, Reich considerava que a impossibilidade de o indivíduo realizar plenamente sua sexualidade, liberando completamente a tensão através do orgasmo, era a causa fundamental de todas as neuroses do ser humano.
Para Reich, as neuroses seriam consequência de todas as inibições crônicas que a civilização impôs à livre expressão da excitação sexual. Disso resultariam indivíduos que internalizam sua ansiedade e externalizam até mesmo fisicamente sua rigidez psicológica, pessoas propensas à violência e a diversas formas de sadismo cotidiano.
Segundo essa teoria, em neuróticos a busca pelo gozo seria substituída pela busca pelo poder, e tais indivíduos tenderiam a aceitar rotinas enfadonhas. Esses indivíduos seriam vitimados por fobias, compulsões, depressão e sentimento de solidão. Reprimidos, eles buscariam em alguma autoridade, religiosa ou política, a energia sexual que não encontram em si mesmas.
Para Reich, tudo isso começou a mudar, à medida em que desmantelamos muitas das crenças e sistemas de nossos antepassados. Estaríamos no limiar de uma revolução sexual cujos efeitos em nossa civilização ainda não foram completamente percebidos.
Seria um cisne negro, um evento cujas consequências ainda não somos capazes de compreender em sua integralidade, pois a transformação de nossos costumes ainda encontra forte resistência naquelas estruturas de poder que se alimentam de indivíduos neuróticos.

6. O chimpanzé e o bonobo que moram em nós
Somos chimpanzés naturalmente violentos ou bonobos pacíficos que ficaram malvados após milênios de restrição de sua energia sexual abundante?
Recentemente, cientistas descobriram que o ser humano está geneticamente tão próximo do bonobo como do chimpanzé. É como se fôssemos a encruzilhada genética de duas formas de viver, a agressiva e a pacífica.
Não podemos esquecer que, em todos os experimentos descritos acima, sempre houve indivíduos, ainda que uma minoria, que se recusaram a seguir o caminho mais fácil da obediência e da agressão autorizada. No experimento de Milgram, pelo menos um terço dos voluntários não prosseguiram aplicando choques.
Na falsa prisão de Standford, alguns prisioneiros sacrificaram seu bem-estar para beneficiar os companheiros, e o experimento foi interrompido porque uma das alunas que entrevistava os participantes protestou veementemente, sem apoio dos colegas. Na série de trotes criminosos contra funcionárias de lanchonetes, Thomas Simmers, um modesto subalterno, arriscou perder seu emprego e foi o único dos envolvidos que se recusou a obedecer as ordens do suposto policial.
Com sua recusa, o trote começou a ser desmascarado.
Hannah Arendt também narra, no livro em que trata da banalidade do mal, a história de dois irmãos camponeses que, convocados pelos nazistas a servir às tropas da SS no final da guerra, recusaram-se a assinar a convocação. Diferente do que ocorria antes, naquele momento de iminente derrota, a recusa era punida com sentença de morte, e os camponeses foram condenados.
No dia da execução dos dois irmãos, eles escreveram uma carta às suas famílias: “preferimos morrer do que carregar em nossas consciências coisas tão terríveis”.
Não devemos menosprezar nossa capacidade de resistir. Talvez o que mais dignifique a espécie humana seja a coragem de uma minoria que ousa dizer “não” às autoridades e também aos seus próprios instintos de chimpanzé, de poucos que não cedem à pressão da maioria e arriscam o próprio bem-estar para não causar sofrimento a outros.
Sob essa ótica, todo aquele corajoso o suficiente para se desviar do caminho dos “homens comuns” e criar uma rota alternativa é candidato a impor um fim à barbárie, quando ela ameaça prevalecer entre nós.

E então? O ser humano é mau?
Claro, a situação não é tão simples assim. Somos muito mais complexos do que a pergunta sugere. Porém, existe um interessante provérbio sobre dois lobos que reflete nossa natureza, e talvez seja conveniente trocar os personagens desse provérbio.
Cada um de nós tem um chimpanzé e um bonobo dentro de si. E todos os dias, com nossas ações e com os caminhos que decidimos tomar, escolhemos se alimentamos o chimpanzé ou o bonobo.
Podemos dar de comida sempre ao chimpanzé, e assim faremos parte de um círculo vicioso de violência e hostilidade, deixando o bonobo morrer a míngua. Ou podemos alimentar o bonobo, enfraquecendo o chimpanzé e ajudando a construir uma civilização em que o sentido de toda vida humana seja tornar a vida dos demais seres mais tolerável e menos sofrida aqui neste mundo.
Em que lado você prefere ficar? Costumo dizer que prefiro o lado do pão que tem a manteiga. Mas, nesse caso, diria que prefiro o lado em que o pessoal está transando sem parar.

Brasil 2016

Quando paro para pensar no que poderia ser feito, para vivermos melhor, não perco as esperanças, mas desanimo. Há um problema gravíssimo em todas as nossas inst...ituições, que não nasceu hoje, mas que tampouco parece estar por acabar: as pessoas são ensinadas a serem felizes sozinhas, a buscarem o sucesso exclusivamente individual. Não adianta uma professora falar sobre solidariedade, justiça e cidadania, se tudo isso não for uma prática dela e da própria escola. De alguma forma, as virtudes são ensinadas para incutir culpa, raramente para enaltecer um projeto de satisfação coletiva. Faculdades de todos os cursos fazem o mesmo. Depois, quando os alunos se formam, não adianta esperar que sejam cidadãos solidários, pois não é para isso que são preparados. Precisamos experimentar a ideia de justiça, de colaboração, de acolhimento, alteridade e empatia, como práticas mais valiosas do que as vantagens individuais. O que criticamos, geralmente é o que replicamos. Como professores, devemos levar para toda a comunidade a verdade de um projeto coletivo de viver bem. Diariamente, faz-se o oposto. Depois a sociedade vai reclamar do egoísmo. Em nosso pais, o que professores e outras lideranças têm transmitido como valores supremos? Poder de compra e de conquistas pessoais. Quando observamos isso, percebemos que não há "inversão de valores", porque com raríssimas exceções, as pessoas reproduzem o que lhe são ensinadas. Difícil mudar isso, mas, no nosso dia a dia, com micro revoluções, podemos fazer a nossa parte.
Rogerio Monteiro Barbosa

Car Wash Considerações

DE ALMA LAVADA
por Francisco Costa
Terminou agorinha mesmo um interessante debate, no Senado, sobre a Lei Anticorrupção e de Abuso de Autoridade.
Na mesa, o Juiz Federal Silvio Rocha; Gilmar Mendes, Ministro do STF e Presidente do TSE; Renan Calheiros, presidente do Senado; Roberto Requião, Senador, relator do PL sobre o assunto e o Juiz Federal Sérgio Fernando Moro, do Paraná.
Silvio Rocha, progressista, muito preocupado com o abuso de autoridade nos bairros pobres.
Se eu não conhecesse o histórico de Gilmar Mendes, a sua biografia e os seus feitos golpistas, diria que é de esquerda, tal as posições externadas, muito pelas diferenças que tem com Moro.
Renan Calheiros, embora conservador, corrupto e oportunista, nesta questão em pauta, tem posição progressista, até por advocacia própria.
Roberto Requião, sem comentários, um corajoso e independente Senador.
E Moro… Coitado.
Espertamente, pela ordem, Renan deu a palavra, primeiro, ao Silvio, depois ao Gilmar, que sentaram o cacete em Moro, vermelho como camarão na sauna.
Passada a palavra ao Führer de Curitiba, o sujeito não tinha o que dizer, com todo o seu arrazoado desmontado pelos dois que o antecederam.
Seguiu-se Requião, que sentou a porrada no autoritarismo, no abuso de autoridade, chegando a dizer que era fascismo.
Abriu-se para os debates, para as perguntas, e pensando que Moro iria passear, como faz em Curitiba, o primeiro que estava inscrito era o seu amigo pessoal Álvaro Dias, sem condições de defendê-lo, limitando-se a pedir mo adiamento da votação do PL.
Caiado tentou balbuciar qualquer coisa antipetista, mas só conseguiu também pedir o adiamento da votação do PL.
O momento alto ficou por conta de Lindbergh Farias, que cobrou, um a um, os abusos de autoridade cometidos contra Lula, com dados: circunstâncias, horários, depoimentos de juristas (citou até Rui Barbosa), despachos pesados de instâncias superiores contra Moro, em outros processos, inclusive de Gilmar, o chamando de irresponsável e dono da justiça, culminando com a afirmação “o senhor cita muito os Estados Unidos. O senhor consegue imaginar um juiz de primeira instância, lá do Texas (fez cara de pouco caso, sacaneando Curitiba, no sentido de poder político) gravando uma conversa telefônica entre Bill Clinton e Obama? O senhor gravou conversas da dona Marisa com os filhos, com a nora, conversas íntimas, de família, e jogou na mídia. Isto não é abuso de autoridade, covardia? O senhor gravou telefonemas entre advogados e clientes, o que é inadmissível em qualquer país do mundo. O Presidente Lula vive da sua imagem internacional, que o senhor conspurcou e não provou nada. Como compensar isso, como indenizar isso?”… Com Moro cabisbaixo, mais vermelho que a camisa do Internacional (houve um momento em que pensei que ele fosse chorar).
Para lacrar, Renan devolveu a palavra a Gilmar, que contou um encontro seu com um amigo, um dos maiores juristas do mundo, português, que se mostrou surpreendido com a legislação brasileira, que permite o vazamento de telefonemas grampeados e depoimentos que ocorrem em segredo de justiça, com Gilmar respondendo a ele: “a legislação não permite isso. Isso é coisa de um juiz brasileiro.”
Devolvida a palavra a Moro, mais constrangido que virgem na noite de núpcias, peladinha, ele alegou que “tudo isso é uma questão de interpretação da lei, não se pode punir um juiz por questão de interpretação da lei”.
Seguiu-se o Senador Humberto Costa: “se está escrito que a prisão preventiva é de dez dias, o juiz pode até transformar esses dez dias em horas, mas somando-se todas as horas o resultado será dez dias, não é uma questão de interpretação mas de cumprimento puro e simples. Se a lei diz que a condução coercitiva só pode se dar quando um intimado não comparece diante do juiz, sem um motivo relevante, é a mesma coisa, questão de cumprimento, não de interpretação. Isso é abuso de autoridade”, e Moro com carinha de fundo de bacia, mais vermelho que absorvente usado.
Terminado o debate, Moro ficou isolado, de pé, sem saber o que fazer, desnorteado, até que Requião coraçãozão foi até ele, apertou-lhe a mão e o levou para fora do recinto.
Em quase meio século de magistério nunca dei um esporro tão bonito num aluno safado.
Estou com a alma lavada.
Francisco Costa
Rio, 01/12/2016.

Perdas

A aparente normalidade de nossas rotinas não nos prepara para os eventos-limite da derrota, abandono, depressão, doença e morte. Olhar esses acontecimentos com olhos de profundidade, antes que eles ocorram, nos ajuda a ter lucidez quando se concretizam. Omitir a realidade deles é inútil. Referindo-se à inevitabilidade da morte, Chagdud Rinpoche dizia, sorrindo: “antes de cair na água é necessário aprender a nadar”. Na nossa cultura, a morte parece algo a ser evitado. Confrontados com a proximidade do fim de nossos entes queridos, nos sentimos incapazes de ajudá-los. Parece insuportável até mesmo ouvi-los. Impotentes, sofremos diante de suas dores e lamentos. Como ajudá-los e a nós mesmos quando nos aproximarmos desse momento? Onde colocar nossa mente e nossas emoções nessa passagem?  O que fazer quando entendemos que não poderemos mais ajudar nossos pais, nossos filhos e nossos amigos queridos? Nesse momento, as habilidades quanto ao funcionamento comum do mundo perdem seu poder. Defrontamo-nos com o desconhecido, impenetrável à nossa compreensão. Situações-limite ocorrem também durante nossa trajetória, quando estamos doentes, derrotados, excluídos, impotentes. Parece não haver mais lugar para nós na vida, que então se apresenta hostil e inescrutável. Quando uma pessoa amada nos abandona, por exemplo, há um mundo que cessa. A dor da morte nos invade. Tudo ao redor perde o sentido, o brilho e a cor. A própria respiração é afetada. A energia vai embora. O futuro desaparece. O passado muda. O segredo dos mestres é que o potencial de visão, lucidez e cura está em cada um de nós. O que as estrelas no céu diriam das nossas dores e frustrações? Olhando a partir do espaço longínquo, o próprio planeta parece diminuto. O que dizer dos seres minúsculos e suas vidas, frustrações e dores flutuantes? Os mestres vivem no espaço livre além das bolhas e de lá nos ajudam com sua visão. Mergulhados nas realidades estreitas e suas aflições, perdemos a consciência até mesmo do céu infinito sobre as nossas cabeças. A dor abarca a bolha onde estamos mergulhados. Quando reconhecemos essas bolhas de realidade e sua ação, é porque nossos olhos migraram para um lugar além delas e, portanto, além do sofrimento inerente a elas. Magicamente há o renascimento, o momento em que voltamos a sorrir e a energia passa a circular novamente. É como uma nova vida; talvez seja mesmo uma nova vida.
PADMA SAMTEN

Espiritualidade vs Alienação

"A espiritualidade pode ser um despertar para uma consciência coletiva ou um pretexto pra justifica...r o individualismo. O que ocorre no mundo, seja na política ou na economia, é responsabilidade de todos os que aqui estão. Apoiar, opor-se ou abster-se é uma decisão política, uma causa que gera efeitos. Rezar, orar, cantar, emanar, vibrar é importante, mas cadê a ação? Quem está na Terra tem carne e osso pra agir. Se fosse pra ser espírito, ficaria flutuando no espaço. Sim, temos vontade de correr pro mato e esquecer tudo, mas como fica a outra metade dos 7 bilhões de irmãos e irmãs que vivem abaixo da linha pobreza sem consciência de que eles sustentam a riqueza de poucos? Você não tem nada ver com isso? Quem despertou essa consciência sabe que é preciso agir. Mas para agir tem que saber escolher o lado. Tem gurus que estão milionários com frases bonitas, mas se aliando ao políticos corruptos. Outros vendendo CDs que prometem cura placebosa. Contudo, teve um que expulsou esse tipo de gente do templo e foi crucificado. Quem deu o melhor exemplo? Thomas de Toledo

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Alma Antiga Old Soul

9 Sinais de que você é uma alma antiga

Há um tipo especial de pessoa em nosso mundo que se encontra sozinha e isolada, quase desde o nascimento. Sua existência solitária não é por uma preferência ou um temperamento antisocial, ela é simplesmente da idade, velha de coração, velha na mente e velha na alma.

Essa pessoa é uma alma antiga que possui uma visão de vida muito diferente e mais amadurecida do que daquelas ao seu redor. Como resultado, a velha alma vive sua vida internamente passeando em seu próprio caminho solitário, enquanto o resto do rebanho ao seu redor segue outro caminho.
Talvez você já tenha experimentado isso em sua própria vida, ou testemunhado em outra pessoa? Se assim for, este artigo é dedicado a você, na esperança de que o ajude a definir-se ou a compreender melhor o outro.

A velha alma
Robert Frost, Eckhart Tolle e até mesmo Nick Jonas têm sido chamados assim; talvez até mesmo você tem sido… Eu, como muitos deles, fiz esta auto descoberta após a reunião com Sol, que me contou sobre sua infância como um menino precoce e inteligente que teria amizade com os professores ao invés de alunos, apenas porque eles eram muito diferentes de si, e de como relatou sua incapacidade de encontrar interesse e conexão com as pessoas de sua idade. Descobri que sentia o mesmo que Sol. E ainda sinto.

Se você ainda não descobriu se é uma velha alma, leia alguns dos sinais reveladores abaixo:
1. Você tende a ser um solitário.
Devido ao fato de que as velhas almas são desinteressadas ​​nas atividades e interesses de pessoas de sua faixa etária, elas acham lamentável fazer amizade com pessoas que possuem dificuldades de se relacionar. Assim, as velhas almas tendem a encontrarem-se sozinhas a maior parte do tempo… as pessoas simplesmente não se relacionam com elas.

 2. Você ama o conhecimento, a sabedoria e a verdade.
Sim …Isso parece um pouco grandioso e excessivamente nobre, mas a velha alma se encontra naturalmente gravitando para o lado intelectual da vida. Velhas almas entendem que o conhecimento é poder, a sabedoria é a felicidade e a verdade é a liberdade. Então por que não buscar tais coisas? Essas atividades são mais significativas para elas do que ler sobre as últimas fofocas do mais recente namorado de uma famosa qualquer, ou os últimos resultados do futebol.

 3. Você é espiritualmente inclinado.
Velhas almas são mais emocionais e tendem a naturezas sensíveis e espirituais, a superar os limites do ego, a buscar a iluminação, promover o amor e a paz. Estas são suas principais atividades, pois para o uso gratificante do tempo é algo sábio.

4. Você entende a transitoriedade da vida.
Velhas almas são frequentemente atormentadas com lembranças não só da sua própria mortalidade, mas de tudo e de todos ao seu redor. Isto faz com que eles sejam cautelosos e por vezes sabiamente se retirem, buscando uma melhor maneira de viverem suas vidas.

5. Você é pensativo e introspectivo.
Velhas almas tendem a pensar muito sobre tudo. Sua capacidade de refletir e aprender com as suas ações e as ações dos outros é o seu maior mestre na vida. Uma razão pela qual as almas sentem tanto no coração é porque elas aprenderam muitas lições através de seus próprios processos de pensamentos, e possuem muito conhecimento sobre diversas situações da vida devido a sua capacidade de silêncio e de atenta observação do que se passa ao seu redor.

“Com que idade você estaria se você não soubesse quantos anos tem?”
Satchel Paige

 6. Você vê o panorâmia da situação.
Raramente velhas almas se perdem em detalhes superficiais, promoções no trabalho, bustos e homenagens na TV, artificialidades em geral… Velhas almas têm a tendência de olhar para a vida a partir de uma visão panorâmica, vendo qual o caminho mais sensato e significativo para abordar a vida. Quando confrontadas com questões, velhas almas tendem a vê-las como dores temporários que apenas servem para aumentar a quantidade de alegria sentida no futuro. Consequentemente, velhas almas tendem a ser plácidas, de natureza estável, como resultado de sua abordagem à vida.

 7. Você não é materialista.
Riqueza, status, fama, e a última versão do iPhone são um fardo para as velhas almas, que não veem o propósito de perseguir coisas que podem ser facilmente tiradas de seu meio. Além disso, elas possuem pouco tempo e interesse pelas coisas de curta duração na vida, pois estas trazem consigo pouco significado ou satisfação duradoura.

8. Você era uma criança estranha e socialmente mal adaptada.
Isso nem sempre é o caso, mas muitas almas apresentam sinais estranhos de maturidade em idades jovens. Muitas vezes essas crianças são rotuladas como “precoces”, “introvertidas” ou “rebeldes”, deixando de se enquadrar nos comportamentos tradicionais. Geralmente são extremamente curiosas e inteligentes, vendo a inutilidade de muitas coisas que seus professores, pais e colegas proferem, resistindo a elas de forma passiva ou agressiva. Se você pode falar com seu filho/filha como se ele/ela fosse um adulto, você provavelmente tem uma velha alma sob seus cuidados.

 9. Você apenas “sente” a idade.
Antes de colocar um nome para o que eu sentia experimentei algumas sensações de ser simplesmente uma “pessoa idosa” por dentro… Os sentimentos que acompanham uma velha alma geralmente são: desconfiança mundial, cansaço mental, paciência vigilante e calma destacada. Infelizmente, muitas vezes isso pode ser percebido como indiferença e frieza, apenas um dos muitos mitos em relação a uma velha alma. Assim como algumas pessoas já de idade se descrevem como sendo “jovens de coração”, também os jovens podem se sentir “velhos no coração”.

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Redes Sociais

Seguinte: passei 20 dias sem postar nada nessa rede ou em qualquer outra. Senti uma mudança real no meu nível de ansiedade, na capacidade de foco, na energia disponível para trabalho e para outros temas e interesses. E, principalmente, na forma de "verbalizar" (grandes aspas aqui) internamente os pensamentos. Ontem cometi o pecado de meter uns 4 posts na timeline durante e depois da votação do Congresso.
Eu havia subestimado o benefício de me manter distante do Facebook. Dormi mal, uma ansiedade contida ressurgiu com tudo, voltou um pensamento circular que se constrói a partir de outros posts - e como posts que nunca serão escritos. Completa falta de foco. E uma energia enorme dispersada a troco de quase nada.
Sem brincadeira, até porque levo drogas e adição muito a sério, nunca vivi nada mais parecido com uma recaída do que isso.
Já não tinha muitas dúvidas, tenho menos agora: esse dinâmica de comunicação a que estamos submetidos precisa ser entendida como estrutural nessa depressiva crise psicopolítica. Está drenando energia, serotonina, dopamina e muita força que poderia ser gasta com trabalho, articulação, organização e construção de saídas a partir de nossa perplexidade e indignação.
Vou sair do Facebook? Não. Ainda não. Como jornalista independente, sem veículo ou vínculo com outros meios de comunicação, preciso da rede que consolidei com o meu trabalho por aqui. Uma pena, no fundo.
Mas vou seguir em silêncio por uns tempos, finalizando a reforma do meu site (está ficando bom!) e tocando trabalhos mais consistentes que vão ficando cronicamente em segundo plano nessa cracolândia da procrastinação e micro autoafirmações.
Até porque, droga por droga, conheço muitas bem mais interessantes - e mais saudáveis - do que a timeline.
Em frente.

Bruno Tortura

segunda-feira, 25 de julho de 2016

O Animal Satisfeito Dorme

“O animal satisfeito dorme”, texto de Mário Sérgio Cortella

O sempre surpreendente Guimarães Rosa dizia: “o animal satisfeito dorme”. Por trás dessa aparente obviedade está um dos mais fundos alertas contra o risco de cairmos na monotonia existencial, na redundância afetiva e na indigência intelectual. O que o escritor tão bem percebeu é que a condição humana perde substância e energia vital toda vez que se sente plenamente confortável com a maneira como as coisas já estão, rendendo-se à sedução do repouso e imobilizando-se na acomodação.
A advertência é preciosa: não esquecer que a satisfação conclui, encerra, termina; a satisfação não deixa margem para a continuidade, para o prosseguimento, para a persistência, para o desdobramento. A satisfação acalma, limita, amortece.

Por isso, quando alguém diz “fiquei muito satisfeito com você” ou “estou muito satisfeita com teu trabalho”, é assustador. O que se quer dizer com isso? Que nada mais de mim se deseja? Que o ponto atual é meu limite e, portanto, minha possibilidade? Que de mim nada mais além se pode esperar? Que está bom como está? Assim seria apavorante; passaria a idéia de que desse jeito já basta. Ora, o agradável é quando alguém diz: “teu trabalho (ou carinho, ou comida, ou aula, ou texto, ou música etc.) é bom, fiquei muito insatisfeito e, portanto, quero mais, quero continuar, quero conhecer outras coisas.

Um bom filme não é exatamente aquele que, quando termina, ficamos insatisfeitos, parados, olhando, quietos, para a tela, enquanto passam os letreiros, desejando que não cesse? Um bom livro não é aquele que, quando encerramos a leitura, o deixamos um pouco apoiado no colo, absortos e distantes, pensando que não poderia terminar? Uma boa festa, um bom jogo, um bom passeio, uma boa cerimônia não é aquela que queremos que se prolongue?

Com a vida de cada um e de cada uma também tem de ser assim; afinal de contas, não nascemos prontos e acabados. Ainda bem, pois estar satisfeito consigo mesmo é considerar-se terminado e constrangido ao possível da condição do momento.

Quando crianças (só as crianças?), muitas vezes, diante da tensão provocada por algum desafio que exigia esforço (estudar, treinar,EMAGRECER etc.) ficávamos preocupados e irritados, sonhando e pensando: por que a gente já não nasce pronto, sabendo todas as coisas? Bela e ingênua perspectiva. É fundamental não nascermos sabendo e nem prontos; o ser que nasce sabendo não terá novidades, só reiterações. Somos seres de insatisfação e precisamos ter nisso alguma dose de ambição; todavia, ambição é diferente de ganância, dado que o ambicioso quer mais e melhor, enquanto que o ganancioso quer só para si próprio.

Nascer sabendo é uma limitação porque obriga a apenas repetir e, nunca, a criar, inovar, refazer, modificar. Quanto mais se nasce pronto, mais refém do que já se sabe e, portanto, do passado; aprender sempre é o que mais impede que nos tornemos prisioneiros de situações que, por serem inéditas, não saberíamos enfrentar.

Diante dessa realidade, é absurdo acreditar na idéia de que uma pessoa, quanto mais vive, mais velha fica; para que alguém quanto mais vivesse mais velho ficasse, teria de ter nascido pronto e ir se gastando…

Isso não ocorre com gente, e sim com fogão, sapato, geladeira. Gente não nasce pronta e vai se gastando; gente nasce não-pronta, e vai se fazendo. Eu, no ano que estamos, sou a minha mais nova edição (revista e, às vezes, um pouco ampliada); o mais velho de mim (se é o tempo a medida) está no meu passado e não no presente.

Demora um pouco para entender tudo isso; aliás, como falou o mesmo Guimarães, “não convém fazer escândalo de começo; só aos poucos é que o escuro é claro”…
Excerto do livro “Não nascemos prontos! – provocações filosóficas”. De Mário Sérgio Cortella

Redes Socias diminuem o Quociente Intelectual

By Bruno Torturra

Seguinte: passei 20 dias sem postar nada nessa rede ou em qualquer outra. Senti uma mudança real no meu nível de ansiedade, na capacidade de foco, na energia disponível para trabalho e para outros temas e interesses. E, principalmente, na forma de "verbalizar" (grandes aspas aqui) internamente os pensamentos. Ontem cometi o pecado de meter uns 4 posts na timeline durante e depois da votação do Congresso.
Eu havia subestimado o benefício de me manter distante do Facebook. Dormi mal, uma ansiedade contida ressurgiu com tudo, voltou um pensamento circular que se constrói a partir de outros posts - e como posts que nunca serão escritos. Completa falta de foco. E uma energia enorme dispersada a troco de quase nada.
Sem brincadeira, até porque levo drogas e adição muito a sério, nunca vivi nada mais parecido com uma recaída do que isso.
Já não tinha muitas dúvidas, tenho menos agora: esse dinâmica de comunicação a que estamos submetidos precisa ser entendida como estrutural nessa depressiva crise psicopolítica. Está drenando energia, serotonina, dopamina e muita força que poderia ser gasta com trabalho, articulação, organização e construção de saídas a partir de nossa perplexidade e indignação.
Vou sair do Facebook? Não. Ainda não. Como jornalista independente, sem veículo ou vínculo com outros meios de comunicação, preciso da rede que consolidei com o meu trabalho por aqui. Uma pena, no fundo.
Mas vou seguir em silêncio por uns tempos, finalizando a reforma do meu site (está ficando bom!) e tocando trabalhos mais consistentes que vão ficando cronicamente em segundo plano nessa cracolândia da procrastinação e micro autoafirmações.
Até porque, droga por droga, conheço muitas bem mais interessantes - e mais saudáveis - do que a timeline.
Em frente.

Decrescimento Positivo

Se desfazer de tudo não torna você mais feliz, e sim mais pobre

O decrescimento positivo existe. E não tem nada a ver com ficar sem casa
A crise chegou. Foi arrasadora. Os jornais se encheram de gente que perdeu tudo: o lar, o trabalho, a família. É impossível encontrar felicidade em situações assim e em tantos dramas que povoam a mídia todo dia. Mas há uma tendência em alta que defende abandonar um ritmo exaustivo de trabalho para desfrutar do lazer acima do dinheiro e das coisas materiais. Não tem nada a ver com ficar na miséria. Faz parte do chamado decrescimento, uma corrente que abrange uma mudança total de paradigma político, econômico e social. Não se trata de tornar-se um asceta: os teóricos defendem uma prosperidade sustentável e um melhor uso de nosso tempo no qual o consumo não seja o elemento primordial. O objetivo é alcançar a felicidade em harmonia com o ambiente.

Não é nada novo. Apesar de agora haver histórias de superação e autodescoberta baseadas na máxima do “dejar todo y largarse, ¡qué maravilla!” , cantada por Silvio Rodríguez, as teorias sobre as vantagens de abandonar o supérfluo existem há muito tempo. Antes, inclusive, que o pensador francês Serge Latouche as popularizasse com a publicação do artigo La Décroissance no início do século XX. Vêm desde o famoso livro/manual Walden, de Henry David Thoreau, que dizia em 1854 coisas como estas:

“A maioria dos homens está tão preocupada com os cuidados fáticos e as tarefas rudes mas supérfluas da vida que não consegue colher seus melhores frutos. Na realidade, o homem trabalhador e esforçado carece de tempo livre para desenvolver uma vida cotidiana íntegra e pessoal, sequer pode manter as relações mais viris com outros homens, pois seu trabalho se depreciaria no mercado. Não tem tempo de ser outra coisa além de uma máquina”.

A partir deste testemunho, a editora Errata Naturae acaba de recuperar o original de A country year, uma mistura de diário pessoal e ensaio publicado por Sue Hubbell na década de setenta do século passado. A escritora norte-americana (Michigan, 1935) deixou seu emprego de bibliotecária para se dedicar à apicultura nas montanhas do Missouri. Assim, afirma, teria menos dinheiro, mas mais tempo livre e menos pesos com os quais se preocupar. Sua renda menor, além disso, representaria menos impostos levados por “um governo que amparava a injustificada guerra do Vietnã”.

O que aconteceu? “Na verdade, não larguei tudo”, esclarece previamente Hubbell por e-mail, “mas levei comigo um conjunto de competências e habilidades para confiar em mim mesma e amar o lugar. Mas suponho que abandonar um emprego e tudo o mais me faz entrar, de certa forma, na categoria de pessoa em risco”. Sua passagem pela natureza a ensinou a “observar como sobreviviam os animais a cada momento e afiar sua compreensão do meio ambiente”, mas sobretudo lhe fez gozar de grandes momentos de felicidade que ela detalha no livro em descrições da paisagem ou em passagens cotidianas. “Nunca me interessei por dispositivos tecnológicos e não sei como se pode ser vítima desse afã por consumir tanto”, acrescenta diante da pergunta sobre se vale a pena adquirir objetos materiais. “O maior problema não é esse, mas que muitos seres humanos ainda demonstram intolerância em relação ao outro; são violentos, cruéis e tentam prejudicar os que estão em volta”, afirma.

Prosperidade versus crescimento
Julio García Camarero concorda com ela. O engenheiro técnico florestal passou mais de mil páginas teorizando sobre o dano do crescimento disparatado, gerador da “crise terminal”. No ano passado publicou um livro que qualificava o decrescimento de “infeliz”. “Há dois decrescimento opostos e, para que não haja ambiguidade, é preciso dar-lhes um sobrenome. Um é o infeliz, de 99% da população, ligado ao crescimento de uma oligarquia, o outro 1% da população, e que provém do desemprego, dos cortes para a maioria etc. Há outro, muito diferente, que consiste em consumir menos, em um desenvolvimento mais humano. Esse é o feliz”, pondera.

“Há quem confunda progresso com crescimento, tanto em termos pessoais como materiais. Gosto de falar de prosperidade, que se ajusta mais ao verdadeiro progresso e não inclui a acumulação de bens e a criação de pseudonecessidades”, acrescenta. “O decrescimento feliz passa por abastecer-se de uma agricultura ecológica, despojar-se da escravidão e alcançar qualidade de vida com o lazer e as relações de amizade”, conclui quem, aos 80 anos, investe sua aposentadoria em assistir assembleias de bairro, colaborar com hortas urbanas ou visitar filhos e netos em carros compartilhados.

Seus postulados, se olharmos para trás, se adivinham nas linhas do famoso Direito à preguiça, de Paul Lafargue, que — a partir de seu ativismo marcante 8— assevera: “Uma estranha loucura se apoderou das classes trabalhadoras dos países dominados pela civilização capitalista. Esta loucura traz como resultado as misérias individuais e sociais que, há séculos, torturam a triste humanidade. Esta loucura é o amor ao trabalho, a paixão moribunda por ele, levada ao esgotamento das forças vitais do indivíduo e de seus filhos. Entorpecidos por seu vício, os trabalhadores não conseguiram se elevar à compreensão do fato de que, para que haja trabalho para todos, era necessário racioná-lo como a água em um barco à deriva”.

Seus defensores consideram o decrescimento algo imprescindível para o bem-estar do planeta. É o que propõe o veterinário e doutor em Administração de Empresas Gustavo Duch em seu livro Lo que hay que tragar (Los livros del lince, 2010): “De alguma forma que me escapa, há um pensamento dominante que relaciona diretamente crescimento econômico (mais produção, mais consumo) com desenvolvimento, com prosperidade e até chegam a considerá-lo um remédio contra as desigualdades. O decrescimento não é uma proposta que podemos ou não adotar, é uma situação que cedo ou tarde chegará e que devemos assumir. A crise econômica generalizada poderia ser interpretada como um primeiro sinal do colapso ou, ao contrário, se agimos de acordo, poderia se tornar um ponto de inflexão, em um momento de reflexão obrigatória e em uma oportunidade histórica para antecipar-se e evitar que o decrescimento acabe constituindo-se em um fardo pesado. Partindo dessas premissas, as medidas frente à crise não se concentrariam no aumento da produtividade — receita aplicada pela maioria dos governos — mas em analisar os modos de produção e hábitos de consumo”.

Mais tempo é mais riqueza
Trata-se de pensar em um crescimento sustentável que não seja medido exclusivamente por índices econômicos e que nos ajude a viver com tranquilidade, sem angústias, e reforçando os gostos de cada um, definitivamente. Nada a ver com as frases positivas de gurus que perderam tudo e se reencontraram graças à pobreza. “Sequer os milionários conseguem comprar dias de mais de 24 horas. Nesse sentido, o tempo é muito democrático, porque entre um e outro amanhecer todos dispomos da mesma quantidade de horas, do mesmo capital de tempo. E, como todas as economias, a do tempo é uma economia política”, analisa María Ángeles Durán, pesquisadora do Centro de Ciências Humanas e Sociais do CSIC, em seu estudo El valor del tiempo.

Trata-se portanto de possuir bens relacionais, como relembra em Menos es más (Los libros del lince, 2009) o divulgador francês Nicolas Ridoux. “O lugar essencial de nossas vidas está ocupado pelo consumo. O tempo acumulado em nossas decisões de compra, a gestão das mesmas e de suas consequências, é considerável, em detrimento do tempo dedicado a uma verdadeira plenitude. O decrescimento, pela humildade e a sobriedade que representa, poderia oferecer soluções, ao mesmo tempo coletivas e individuais, aos grandes desafios de nossa época, assim como alegria de viver”, sentencia.

Curso para Coxinhas Esclarecidos

By site Viomundo

Agora que você conseguiu derrubar uma presidente da República com premissas e argumentos falsos, é hora de sofisticar sua capacidade de debate.
Não seja confundido com um mero seguidor do intelectual pornô Alexandre Frota. Pega mal na turma. Você certamente é muito mais sofisticado que isso.
Provavelmente você é admirador dos Estados Unidos e, ao mesmo tempo, do Estado Mínimo, escrito assim em maiúsculas para denotar a centralidade deste item na pauta neoliberal.
Nunca confunda uma coisa com outra. Por mais que a Miriam Leitão sugira isso, os Estados Unidos NÃO SÃO um Estado Mínimo.
Palavra de quem morou lá duas décadas e tem duas filhas novaiorquinas (na verdade, de tripla nacionalidade, dentre as quais preferem a brasileira), com direito a tirar proveito do estado de bem estar social dos Estados Unidos.
Você costuma confundir estado de bem estar social com comunismo (como em Bolsa Família, médicos cubanos, etc.). Nos Estados Unidos, ele é resultado do ANTICOMUNISMO.
Prestenção: quem implantou o estado de bem estar social nos Estados Unidos foi o presidente Roosevelt. O país vinha do crash econômico de 1929. Depressão econômica. Os sindicatos eram fortes. Para cooptar os sindicatos e evitar a ascensão dos comunistas, Roosevelt resolveu implantar programas sociais e SALVAR O CAPITALISMO. Portanto, as coisas que ele bolou e implantou eram uma forma de combater o comunismo. Logo, anticomunistas.
Chamar o Roosevelt de comunista é tão absurdo quanto chamar o Lula ou a Dilma ou o PT de comunista. Eles são SOCIAL DEMOCRATAS.
No Brasil, o partido que tem social e democratas no nome não é nem uma coisa, nem outra.
Voltemos aos Estados Unidos. Por mais que a partir daquele seu grande herói, o Reagan, os EUA tenham dilapidado o estado de bem estar social, os pilares deles subsistem: Social Security, Medicare, Medicaid e Food Stamps.
Pode chamar de Previdência Social, Bolsa Terceira Idade, Bolsa Plano de Saúde e Bolsa Família.
Essa ideia, de que o Estado deve ajudar a cuidar dos mais fodidos, é uma coisa antiga, que surgiu em outro país que você admira muito, a Alemanha. Mas não quero dar overload de informação no seu cérebro.
Basta você registrar isso: por causa dos programas sociais acima -- e de outros FATOS que apresentarei em seguida -- os Estados Unidos não são um Estado Mínimo.
Pelo contrário, os EUA se assentam sobre um MEGAESTADO, muito maior que o brasileiro.
Se você quer alguns exemplos de Estado Mínimo, eu os ofereço: México, Honduras e Paraguai, países que você certamente despreza e NUNCA utiliza como exemplo para reforçar seus argumentos.
Portanto, sempre que você falar em Estado Mínimo, esqueça os Estados Unidos e diga: "Devemos fazer como lá no Paraguai, que..." Acrescente, em seguida, os argumentos pelos quais o Brasil deve seguir o mesmo caminho. A gente quer coxinhas sofisticados
E intelectualmente honestos!

Socorro, não consigo mais ler..


Não consigo mais ler livros.
 Não que eu não queira. Simplesmente não consigo.
Sou um leitor, desde que me entendo por gente.
Sempre li muito. E continuo lendo.
Mas de uns anos para cá, me alimentar compulsivamente de internet tem causado um efeito colateral que ainda não consigo explicar muito bem.
Só sei que agora, toda vez que pego um livro nas mãos, não consigo ler, canso rápido. Se o texto não “embala” logo, preciso de muito esforço para continuar com a leitura.
E não é só com o livro de papel. A mesma coisa acontece com o livro digital. Não tem nada a ver com o tipo de apoio. Tem a ver com a extensão do texto.
Essa situção tem me deixado agustiado. Será que desaprendi a ler? Será que fiquei preguiçoso? Será que agora só consigo ler coisas curtinhas e, de preferência, com uns links?
Acho que não. Na verdade, nunca li tanto como agora. Passo o dia inteiro lendo. Mas leio cacos, fragmentos.
Sim, o efeito é conhecido e foi previsto anos atrás.
Sai o disco, entra a música.
 Sai o filme, entra a série.
 Sai a série, entra o curta do Youtube.
 Sai a mesa de bar, entra o Facebook.
 Sai o livro, entra o post, o artigo.
Tudo o que era consumido em pacote-família, em tabletão, agora é consumido em formato M&M’s.
A gente já sabia que isso acontecer, faz tempo. Mas o que eu ainda não tinha sentido na pele é que esse fenômeno do snack culture iria me TIRAR algo e me IMPEDIR de ler textos longos. Porque uma coisa é você perceber que existe uma nova maneira de ler (circular e não linear) e passar a usá-la.
Outra coisa é você perder sua capacidade de concentração.
Eu queria adicionar o jeito novo, mas não queria perder o jeito velho.
A internet causou em mim, e talvez em você, uma diminuição na atenção, um efeito similar ao do Transtorno do Déficit de Atenção (TDAH). Não que essa dificuldade de concentração seja um TDAH (que é neurobiológico e tem causas genéticas), mas tem essa característica em comum. Aliás, os próprios parâmetros de diagnóstico de TDAH tem sido frequentemente revistos justamente por conta dessa alteração de comportamento, especialmente em escolas.
Já tentei de tudo, busquei aquelas ficções bacanas, cheias de escapismo, com viagens para lugares distantes, coisas que eu devorava durante a adolescência…mas 10 minutos depois o que escapa é minha atenção mesmo.
Fico voltando para o começo do parágrafo, sabe? Nem a biografia do Steve Jobs eu consegui terminar.
Fico repetindo para o autor “vai, já entendi, conta logo, pára de enrolar”.
Esse é outro sintoma: fiquei mais factual e perco fácil a paciência com aquela fase de contextualização e envolvimento com os personagens.
Meu kindle tem, neste exato momento, a ridícula marca de 18 livros iniciados.
Estou fazendo com eles a mesma coisa que faço com as músicas no meu iPhone, que fatalmente acabam tomando uma “skipada” depois de alguns segundos (tirando as do Zappa, que felizmente ainda ouço cada nota com prazer até o fim). Pô, eu ouvia aqueles álbuns inteiros do Pink Floyd… agora isso seria inimaginável.
Sei que isso tudo soa como algo ruim, mas nem isso eu tenho certeza.
A civilização humana já passou por isso muito antes da internet, por exemplo quando passamos da comunicação exclusivamente oral e acrescentamos a escrita. Colocar conteúdo por escrito livrou nossa memória e permitiu textos bem mais longos e precisos. Agora estamos de volta aos conteúdos curtos, mas ainda mais precisos. E, se um dia desenvolvermos a telepatia, certamente as palavras vão nos parecer ineficientes demais. Formas diferentes de trocar conteúdos, histórias.
Enfim, um post pouco conclusivo, mais desabafo mesmo, para ver se tem mais gente nesse barco.
Estou assustado por não conseguir mais ler um livro inteiro.