terça-feira, 1 de julho de 2008

Depois eu faço...

Afinal, por que tanto adiamos tarefas, decisões, planos, sonhos e mudanças em nossa vida? Eis um assunto para ser tratado aqui e agora

Procrastinação vem do latim procrastinatione, descrita pelos dicionários como o ato de adiar, delongar, demorar, espaçar ou, simplesmente, transferir para outro dia. E os chegados à prática são chamados de procrastinadores - o que pode, para os menos avisados, soar como um elogio.

- Sabe o que você é? Um procrastinador!

- Que é isso. Bondade sua.

Do ponto de vista psicológico, a procrastinação pode ser entendida como uma dificuldade em definir prioridades a partir de elementos não emocionais. Em outras palavras, a dificuldade em definir o que vai ser feito a partir da importância que tem, e não a partir do prazer colhido em sua execução. Mas, falando com sinceridade, sabemos exatamente como isso funciona (que atire a primeira pedra quem nunca procrastinou).

Está claro que é uma espécie de arte, exige algum talento. Porque não há nada de errado em deixar para depois alguma coisa. Às vezes, é isso mesmo que temos de fazer: deixar para depois. Ora, é preciso saber gerenciar prioridades. Assim, deixar a gasolina chegar à reserva, cortar o cabelo na outra semana, prorrogar o início de uma nova atividade física ou espiritual, tudo isso é bem humano - cada um sabe onde aperta o calo, como diziam nossas avós. O problema é quando a procrastinação se arrasta, torna-se contumaz e envolve os outros. Aí ela começa a ficar perigosa, e a produzir conseqüências desastrosas.

Em 1955, o historiador inglês Cyril Northcote Parkinson (1909-1993) publicou nas paginas da revista The Economist uma tese muito interessante: as pessoas sempre utilizam para realizar uma tarefa, independentemente de sua importância, o máximo do tempo disponível. Trocando em miúdos: se você tiver uma hora para realizar uma tarefa, é esse o tempo que vai dispender para realizá-la, mas se dispuser de quatro dias, não tenha dúvida que irá utilizar todo esse tempo.

Essa tese acabou sendo tão bem compreendida e aceita por todo mundo, que se transformou em uma lei, a "lei de Parkinson", cujo enunciado é:

"O trabalho expande-se de modo a preencher o tempo disponível para sua realização".

A idéia dessa lei pode ser percebida praticamente todos os dias, tanto em nossa vida profissional quanto pessoal, se não em nós mesmos, em alguém que está por perto, convivendo conosco. Observe as pessoas ao seu redor, analise o comportamento delas e perceba que é isso mesmo. Dificilmente alguém antecipa a conclusão de uma tarefa, deixando o tempo livre para depois. Temos a impressão de que, ao utilizarmos todo o tempo que dispomos, estendendo nossa empreitada até o último minuto, faremos o trabalho melhor.

O que está errado nesse raciocínio é que não utilizamos todo o tempo disponível no trabalho, mas na procrastinação - o elemento oculto da história. De quatro dias disponíveis para a realização de um trabalho, existe grande chance que a concentração maior ocorra no último dia. E o pior é que os outros três, que poderiam ter sido mais bem utilizados, são carregados de uma certa "sensação de culpa", que fica assombrando nosso inconsciente como um fantasma que, se tivéssemos total autocontrole, poderíamos afastar com um sopro, usando o fôlego da responsabilidade.

A pior aplicação da lei de Parkinson dá-se quando a tarefa não tem prazo definido para ser realizada. Coisas como estudar espanhol, escrever um livro, plantar uma horta ou realizar um antigo sonho podem ser jogadas para um futuro incerto, e acabam nunca se realizando. E todo mundo conhece alguém que está esperando sabe-se lá o quê para "fazer o que sempre quis na vida". É a procrastinação tamanho GG, que dura até o último suspiro.

A verdade é que uma em quatro pessoas encontra-se neste momento praticando alguma modalidade de procrastinação. Talvez, aqui ou ali, a conseqüência seja desprezível, mas sempre ocorre algum prejuízo da eficiência e do resultado. Mas por que, afinal, nós procrastinamos? Qual o nível que define quando essa prática é apenas um comportamento normal e aceitável e quando passa a ser um hábito danoso à pessoa?

Na Case Western Reserve University, próxima a Cleveland, Ohio, Estados Unidos, os professores de psicologia Roy F. Baumeister e Dianne M. Tice dedicam-se ao estudo de alguns componentes da personalidade que interferem no comportamento e na produtividade das pessoas, tais como a auto-estima, a autoconfiança, o estresse, as relações e também a procrastinação.

Eles dizem que os procrastinadores mais freqüentes são os que têm menor consciência da realidade. Os sócios desse clube acreditam que a realidade desconfortável poderá ser mudada se for ignorada. É a síndrome do avestruz, que segundo a lenda enfia a cabeça num buraco. Ao relegar uma tarefa desagradável para outro momento, a pessoa espera, inconscientemente, que a mesma se resolva por conta própria durante esse tempo. Ora, quem dera.

Eis aí um comportamento extremo, desprovido de lucidez, de maturidade. É por isso que a procrastinação vira um problema no início da idade adulta, quando devemos dar sinais de independência, assumir responsabilidades por nossos próprios atos.

Batata frita no deserto

Procrastinar pode nos trazer um súbito conforto, por nos afastar da fonte de desprazer, mas esse alívio sempre será temporário, o que nos coloca em uma ciranda destrutiva, geradora de ansiedade. Por isso não é incomum a relação entre a procrastinação crônica e a depressão, sem que saibamos qual se instalou antes. A verdade é que elas se retroalimentam.

Um outro aspecto curioso é que a procrastinação nem sempre deriva do desejo inconsciente de adiar o desprazer, mas também do desejo de prolongar a perspectiva do prazer. Equivale a esperar mais um pouco para tomar água, quando a sede já estiver insuportável.

Lembro-me de uma propaganda de refrigerante que mostrava um homem atravessando um deserto, entrando em um bar e pedindo um saco de batata frita. Ele queria sentir ainda mais sede antes de acabar com ela.

A necessidade biológica que temos de obter prazer e evitar sofrimento faz com que nosso cérebro crie mecanismos às vezes divertidos, às vezes prejudiciais. Por trás do comportamento procrastinador está a motivação - ou a falta dela. Motivação é a condição psicológica que move uma pessoa a praticar uma ação.

E está cada vez mais claro que somos movidos por esse combustível, e que ele não pode ser carregado de fora para dentro. É uma energia que as pessoas eficazes têm condições de produzir por si mesmas, espontaneamente.

Eis por que é tão fundamental uma visão clara da realidade e do que queremos para nós nesta vida: no fundo mesmo, o que nos afasta de uma determinada tarefa? Por que não nos sentimos motivados a realizá-la? Cada um deve saber perguntar e responder essas coisas intimamente.

Nas minhas observações, descobri que convencer os outros e a mim mesmo de que é melhor deixar pra amanhã, porque hoje não dá mais tempo, faltam alguns dados e, de qualquer maneira, não tem tanta pressa assim, etc., acaba consumindo mais energia do que a necessária para a realização da tarefa. Caiu uma ficha.

Dá até para listar alguns dos motivos internos, mentais, ligados ao hábito de procrastinar, e uma leitura deles pode ajudar no esclarecimento da questão (sem nenhuma intenção de classificar ninguém, mas se num ou outro perfil a carapuça lhe servir, por favor, não se acanhe):

. Dificuldade em lidar com o tempo. Às vezes perder a noção e não conseguir calcular o tempo necessário para a realização de uma tarefa;

. Necessidade imperiosa de evitar o desprazer. Não conseguir se concentrar em nada que gere desprazer ou que não gere prazer imediato, por não estabelecer relação entre esforços e resultados;

. Falta de noção de prioridade. Dificuldade em definir o que é importante e o que é urgente (muito comum hoje em dia, quando tudo parece importante e urgente).

. Estresse. Nesse estado, há uma tendência a escapes involuntários, a dedicar-se a tarefas secundárias como forma de alívio;

. Autoapreciação comprometida. Não conseguir ser senhor de suas ações, depender da ingerência alheia para apresentar alguma produtividade ou evitar procrastinações.

E como combater a procrastinação, essa vocação visceral, totalmente humana? Alguns velhos e bons princípios podem ajudar:

. Fazendo primeiro o que é importante, pois o prejuízo da procrastinação de uma tarefa menos importante é menor (infelizmente, o conceito "importante" não vem com manual de instruções, temos de decidir sozinhos);

. Colocando na frente as tarefas menos agradáveis, impedindo-se a dissipação de energia mental, que fica drenando durante o dia;

. Dedicando mais tempo a fazer o que é importante, mas não é urgente (quando for urgente já estará feito);

. Dando-se conta de que tarefas de execução desagradável, desde que realizadas com determinação, sempre dão resultados agradáveis;

. Percebendo que as coisas que há para fazer podem ser de três tipos: aquelas que esperamos de nós mesmos, aquelas que o meio onde estamos espera de nós e - o melhor dos mundos - aquelas que atendem nossos quereres e os dos outros.

Nesse último ponto, mais uma vez, o valor da interiorização, do autoconhecimento, da soberania interna, do livre-arbítrio e da percepção afinada e madura do mundo - tudo isso, vale dizer, está correlacionado.

Aliás, está no significado das palavras autonomia e heteronomia: autônomo (auto = próprio, nomos = norma, lei) é aquele que escreve suas próprias normas de conduta, ou que acata serenamente as normas gerais - não por medo de repreensão ou castigo, mas por aceitá-las como suas, como sendo verdadeiras; o heterônomo apenas obedece às normas estabelecidas por outras pessoas, resignado e triste, o que é bem diferente.

É claro que o que se espera do indivíduo adulto, no mínimo, é que ele seja autônomo, responsável, capaz de controlar sua própria vida, fazendo as coisas certas nos momentos certos, sem prejudicar ninguém. Uma coisa de cada vez, e com noção precisa da prioridade, da responsabilidade e do tempo. E veja: todos nós sabemos disso!

O Segredo do Pensamento Negativo


O segredo do pensamento negativo

Pensamento positivo funciona? Parece que sim, mas nem sempre. Há pesquisas comprovando que ele facilita conexões no cérebro, outras dizendo que os efeitos param por aí. A grande questão, porém, não é saber se dá certo ou não. O pensamento positivo pode até nos ajudar a conquistar objetivos, mas nos afasta de uma vida realmente feliz. Além disso, para coisas bem importantes do mundo de hoje – as leis, a política e a sua felicidade-, o que traz resultados mesmo é o genuíno pessimismo, o mais declarado sentimento de que isso não vai dar certo.

Vamos supor que você quer economizar para comprar um carro ou passar numa bolsa de mestrado na Europa. Pensa positivo, trabalha e consegue. Legal, não? Pelos menos por um instante. Depois, é muito comum cairmos no clico de desejo e frustração que foi descrito pelo filósofo Arthur Schopenhauer: desejamos, conseguimos, nos entediamos, percebemos que a vida segue como sempre e partimos para outro desejo. Para o filosofo alemão, objetivos são apenas modos de esconder a dor de viver e a falta de sentido na vida. Quando realizados, deixam de ter importância. “São dessa natureza os esforços e os desejos humanos que nos fazem vibrar diante de sua realização como se fossem o fim ultimo da nossa vontade; mas, depois de satisfeitos, mudam de fisionomia, esquecidos ou relegados, colocados de lado como ilusões desfeitas.” Para fugir do ciclo de vontade e frustração, Schopenhauer, conhecido como “filósofo do pessimismo”, sugere que as pessoas deixem de dar tanto valor a desejos cotidianos. E que aceitem que sofrer não só faz parte da vida como dá sentido a ela: o grande desafio da nossa existência seria aprender a lidar com o sofrimento.

Não pense que esse ponto de vista deixa a vida mais difícil. Pelo contrário. Os pessimistas se cobram menos e dormem melhor. Já a auto-ajuda baseada no otimismo tem o efeito oposto. Você já deve ter topado com livros que ensinam a enxergar o mundo de forma mais alegre ou com aqueles cds para repetir, 80 vezes por dia, “eu penso, eu consigo, eu penso positivo”. A idéia é nos fazer acreditar que podemos ultrapassar qualquer barreira, conquistar qualquer objetivo por esforço próprio – e muita gente de fato consegue. O problema é que, quando se descobre que nem sempre é assim, muitos acabam em pânico. Pânico de verdade – e também ansiedade e insônia. Segundo o psiquiatra e psicanalista Mario Eduardo Costa Pereira, professor da Unicamp e autor do livro Psicopatologia dos Ataques de Pânico, uma vitima comum desse tipo de distúrbio são mulheres bem sucedidas e perfeccionistas. Desde cedo, elas aprenderam a se virar sozinhas. Quando se deparam com uma limitação, sofrem crises horríveis. O melhor jeito de evitar esse problema? Jogando fora os livros de pensamento positivo e admitindo nossa condição de finitude, nossas fraquezas e limitações.

Otimismo mata

Na história, o otimismo tirou o sono não só de indivíduos mas de povos inteiros. Pegue por exemplo um dos períodos mais otimistas da civilização – o século 19. A revolução cientifica fazia o homem acreditar que poderia, pela razão, resolver qualquer problema tecnológico ou social, criando maquinas para trabalharmos menos e novas instituições para vivermos em paz. E o que aconteceu foi que a tecnologia também criou a guerra das mortes em massa. Como disse o cardeal Joseph Razinger antes de virar para Bento 16, “cada vez se torna mais claro que o progresso é também um progresso das possibilidades de destruição”. Do mesmo modo, os revolucionários do século 19 imaginavam que poderiam derrubar todas as instituições e começar outras do zero, criando uma sociedade perfeita. Suas utopias viraram regimes totalitários no século 0.

- Mas então é errado lutar para que o mundo seja um lugar melhor?

Não!É ok querer melhorar o mundo – só que o jeito mais eficiente de fazer isso é com pessimismo. Ele está na raiz de todas as coisas que garantem uma boa vida hoje em dia. Para garantir paz a seus cidadãos, a defesa militar de um país precisa levar em conta o pior cenário de guerra. O sistema político que mais assegura a democracia é o que divide direitinho o pode entre o Judiciário, o Legislativo e o Executivo, prevendo que um vai querer cortar as pernas do outro. Uma boa lei também pressupõe as piores ações e os piores sujeitos. Como disse o dramaturgo americano David Mamet num artigo publicado em abril, a Constituição dos EUA funciona espetacularmente bem porque “em lugar de sugerir que nos comportemos todos como deuses, reconhece que as pessoas são porcos e aproveitarão qualquer oportunidade que lhes aparecer para subverter qualquer pacto, visando a defender o que consideram ser seus interesses próprios”. Na verdade, existe ai um motivo para ser otimista. Se pensarmos sempre negativamente, se desconfiarmos sempre do nosso caráter, talvez exista uma possibilidade, mesmo que bem pequena, de as coisas darem