quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Alain de Bottom


“Nós somos uma espécie ingrata”, diz filósofo Alain de Botton

O escritor suíço Alain de Botton veio ao Brasil para participar do Fronteiras do lançamento de seu novo livro Religião para Ateus (2011). Em entrevista ao avento, o “filósofo do cotidiano” falou sobre trabalho, crenças, desejo de status e o paradoxo do sucesso material.

De que depende a felicidade no trabalho?
Alain de Botton: Felicidade no trabalho é muito complicada. Eu acho que ela basicamente depende de algo dentro de você. Algo precioso e importante, uma habilidade, um talento, um interesse sendo conectados com algo no mundo que gera dinheiro. Na maior parte do tempo, as coisas pelas quais a gente realmente se importa não fazem dinheiro. E as coisas que fazem dinheiro nos matam por dentro. Nós não gostamos de fazê-las. Esse é o problema do capitalismo. A maior parte do dinheiro no mundo moderno é gerada em empresas que não são tão interessantes para nosso espírito, para nossas mentes.

As pessoas estão mais infelizes com suas carreiras e seu trabalho atualmente em relação às gerações de décadas atrás?
Alain de Botton: Esse é definitivamente o caso em que quanto mais você espera da vida, mais a vida tem que dar, do contrário, você fica infeliz. É o paradoxo do sucesso material. À medida que a sociedade fica mais bem sucedida, as expectativas das pessoas aumentam e, por isso, elas ficam ingratas sobre coisas que seus pais ou seus avós ficariam muito agradecidos. Nós somos uma espécie ingrata. Nós sempre pensamos naquilo que nós não temos. Não se trata de não tentar conseguir mais, mas, na medida em que tentamos conseguir mais, nós deveríamos sempre lembrar que isso vai entregar apenas uma pequena porcentagem da felicidade que nós imaginamos. Nós devemos estar prontos para isso.

O senhor diz que meritocracia não é 100% eficiente. Na sua opinião, há um modo melhor de avaliar as pessoas e suas competências, que possa reduzir o “desejo de status”?
Alain de Botton: Nós deveríamos sempre tentar criar um mundo meritocrático, um mundo onde, se você tiver talento e energia, você deveria conseguir subir. O problema é que nós devemos sempre reconhecer que isso é um sonho do mundo perfeito. Porque todos nós somos mais talentosos, mais interessantes, mais habilidosos do que o mundo poderá saber, que nós poderemos saber um dia. O sonho é a gente poder pegar tudo que é bom em nós e fazer dinheiro com isso. Isso é uma coisa que apenas 0,001% da população pode um dia fazer. Nós precisamos reconhecer isso, falar sobre isso e nos entristecer com relação a isso, juntos, em uma sexta-feira à noite após o trabalho.

As redes sociais, como Facebook e Twitter, que permitem que as pessoas se tornem webcelebridades, aumentam o “desejo de status”? O que o senhor pensa sobre esse assunto?
Alain de Botton: As redes sociais oferecem às pessoas uma maneira de ter status fora do sistema financeiro. Porque muita gente acessa o Twitter, por exemplo, não por dinheiro, mas simplesmente porque elas gostam de ter outras pessoas ouvindo o que elas querem falar e respondendo a elas. Isso mostra uma coisa muito interessante sobre a natureza humana, que é que, mesmo que nós gostemos de ganhar dinheiro, no final do dia, ainda mais importante do que dinheiro, depois de um momento básico, é o amor. Nós queremos o amor do mundo.

No Brasil, tem havido um aumento do número de ateus e agnósticos, segundo levantamentos recentes. A falta de fé pode tornar mais difícil lidar com o “desejo de status”?
Alain de Botton: Eu sou um ateu, então eu não acho que a resposta seja nós nos voltarmos para a fé. Mas, sim, quando a religião declina, certas coisas realmente pioram do ponto de vista dessa ansiedade. Mesmo um rei, no Cristianismo, fica de joelhos diante de Jesus. Essa é uma ideia muito bonita e, uma vez que você se livra de Jesus, o que você tem? O que vai ser maior do que a humanidade? O perigo é: nada. O perigo é nós pensarmos “nós somos fantásticos. Nós temos Steve Jobs, que inventou o iPad”.

Nós nos adoramos e isso nos leva à loucura. Nós precisamos de momentos em que podemos fugir do narcisismo humano e olhar para outros lugares. É por isso que as pessoas hoje estão mais impressionadas com a natureza. Não é apenas uma questão ambiental, é também uma questão psicológica. Você olha para a natureza e pensa: isso é uma coisa que existe fora da humanidade. E ela é maravilhosa, porque ela não pensa em nós, assim como animais, árvores, estrelas, até mesmo crianças pequenas. Esses são exemplos de coisas que estão fora do sistema do dinheiro, fora do sistema do status, e elas são muito, muito relaxantes e necessárias para nossa alma.

O senhor também diz que ninguém é independente e auto-suficiente. Onde é possível encontrar ajuda e conselhos para lidar com nossos problemas, dúvidas e ansiedade?
Alain de Botton: Bem, o interessante é que o mundo moderno, onde nós temos tanto de tudo, que é tão bom em dar-nos carros, roupas e todo resto, quando diz respeito à nossa vida interior, a ajuda é quase como a Rússia nos tempos comunistas. É muito, muito má. O modelo mais sistemático que existe para a vida interior é provavelmente a psicoterapia, que no Brasil e no resto é ainda uma coisa menor. Acho que precisamos de ajuda, e minha esperança é que os empreendedores do futuro não pensem apenas no corpo e suas necessidades, mas também pensem na mente e em suas necessidades.

Quais são as possíveis soluções para o “desejo de status”?
Alain de Botton: O maior inimigo nesta situação é a solidão, paranoia, a sensação de que estamos completamente sozinhos. É muito vergonhoso sentir o “desejo de status”. Ele não é algo que você pode realmente admitir, não é fácil admitir a inveja de alguém. E, ainda assim, a inveja é enorme. Eu acredito que nós precisamos de alguns mecanismos para admitir isso, nós precisamos de amizades que são capazes de aceitar esse nosso lado, nós precisamos ser capazes de falar sobre isso.

Todo problema é reduzido ao se falar sobre ele. E nós precisamos achar grupos de status que serão tolerantes e faça-nos sentir relativamente relaxados. No mundo moderno, nós somos jogados contra pessoas que realmente destroem nossa paz interior, suas ambições nos levam à loucura e, talvez isso não seja para nós. Talvez nós precisemos apenas perder alguns amigos. Meu conselho seria fazer alguns amigos e perder outros, para nos focarmos no que nós realmente queremos.

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