sábado, 3 de dezembro de 2016

Perdas

A aparente normalidade de nossas rotinas não nos prepara para os eventos-limite da derrota, abandono, depressão, doença e morte. Olhar esses acontecimentos com olhos de profundidade, antes que eles ocorram, nos ajuda a ter lucidez quando se concretizam. Omitir a realidade deles é inútil. Referindo-se à inevitabilidade da morte, Chagdud Rinpoche dizia, sorrindo: “antes de cair na água é necessário aprender a nadar”. Na nossa cultura, a morte parece algo a ser evitado. Confrontados com a proximidade do fim de nossos entes queridos, nos sentimos incapazes de ajudá-los. Parece insuportável até mesmo ouvi-los. Impotentes, sofremos diante de suas dores e lamentos. Como ajudá-los e a nós mesmos quando nos aproximarmos desse momento? Onde colocar nossa mente e nossas emoções nessa passagem?  O que fazer quando entendemos que não poderemos mais ajudar nossos pais, nossos filhos e nossos amigos queridos? Nesse momento, as habilidades quanto ao funcionamento comum do mundo perdem seu poder. Defrontamo-nos com o desconhecido, impenetrável à nossa compreensão. Situações-limite ocorrem também durante nossa trajetória, quando estamos doentes, derrotados, excluídos, impotentes. Parece não haver mais lugar para nós na vida, que então se apresenta hostil e inescrutável. Quando uma pessoa amada nos abandona, por exemplo, há um mundo que cessa. A dor da morte nos invade. Tudo ao redor perde o sentido, o brilho e a cor. A própria respiração é afetada. A energia vai embora. O futuro desaparece. O passado muda. O segredo dos mestres é que o potencial de visão, lucidez e cura está em cada um de nós. O que as estrelas no céu diriam das nossas dores e frustrações? Olhando a partir do espaço longínquo, o próprio planeta parece diminuto. O que dizer dos seres minúsculos e suas vidas, frustrações e dores flutuantes? Os mestres vivem no espaço livre além das bolhas e de lá nos ajudam com sua visão. Mergulhados nas realidades estreitas e suas aflições, perdemos a consciência até mesmo do céu infinito sobre as nossas cabeças. A dor abarca a bolha onde estamos mergulhados. Quando reconhecemos essas bolhas de realidade e sua ação, é porque nossos olhos migraram para um lugar além delas e, portanto, além do sofrimento inerente a elas. Magicamente há o renascimento, o momento em que voltamos a sorrir e a energia passa a circular novamente. É como uma nova vida; talvez seja mesmo uma nova vida.
PADMA SAMTEN

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