quarta-feira, 17 de março de 2010

Contra a Covardia Federativa



Com ou sem o argumento das Olimpíadas, a proposta de divisão do dinheiro do petróleo é injusta para o Rio de Janeiro. Temos que olhar as origens. Tudo isso foi criado, a participação especial foi criada, o royalty aumentou porque o petróleo tem um sistema de tributação diferente.

O secretário de Fazenda do Rio de Janeiro, Joaquim Levy disse o seguinte: se o petróleo pudesse cobrar ICMS (que é o principal imposto estadual) na origem, como todos os outros produtos, o carro de São Paulo, o leite do Rio Grande do Sul, o Rio de Janeiro recolheria R$ 7,5 bilhões. Mas não pode cobrar. O imposto sai do consumidor. Mas o Rio foi impedido por emenda na constituinte de 88 proposta pelo então deputado federal e atual governador paulista José Serra de tributar o ICMS do petróleo.

Da maneira como está, todos os estados se beneficiram do petróleo e da circulação dos derivados de petróleo, porque é cobrado no estado consumidor. São Paulo, o maior consumidor dos derivados de petróleo, é o que mais ganha com isso.

A emenda Ibsen é demagógica. Diz que o Piauí, que estava excluído, vai ganhar. Ninguém estava excluído, porque todos os estados podem cobrar ICMS no consumo do petróleo e o Rio de Janeiro não pode cobrar na origem, como em todos os outros produtos.

Fora isso, há quebra de contrato, há muita coisa errada nessa emenda, que cria uma crise federativa. E criou-se, assim, um conflito federativo esquisito, porque está todo mundo contra o Rio de Janeiro. Há quantos anos não tínhamos uma crise federativa? E, hoje, vai ter passeata na rua contra quem? Contra o Brasil?

A reação do deputado Ibsen Pinheiro, ao propôr o perfume no bode, é deixar a conta para a União. Ela passaria a ressarcir os estados, mas isso cria nova confusão. Tirar da União é também, indiretamente, tirar dos estados, porque ela repassa recursos. Há compromissos de gastos para esse dinheiro dos royalties do petróleo para a preparação das Olimpíadas de 2016.

Isso tudo é uma irresponsabilidade muito grande dos senadores. O Rio concentra 85% do petróleo. E vamos imaginar se não fosse assim. Em 2008, quando ele foi a US$ 146, o que teria sido do Brasil? O petróleo que é explorado no estado beneficia o país como um todo, porque deixa de importar e, portanto, tem pressão menor na sua balança comercial.

O Brasil deve conversar sobre isso até se chegar a uma solução que deixe todo mundo convencido. O que não pode é um deputado decidir fazer uma emenda demagógica, oportunista e manipuladora, porque vira para 24 estados que não recebem royalties e oferece esses recursos. E ficam dois contra 24. Não é com o peso da superioridade númerica que se faz uma Federação, mas com o da argumentação justa.

O que querem dizer é que a maioria pode sempre suprimir ou restringir um direito da minoria pelo simples fato de ser titular de mais votos. Afirmações desse tipo são a negação do princípio do estado democrático de direito, que é o fundamento de toda a nossa organização político-social, e fazem lembrar momentos tristes da história, como as leis promulgadas na Alemanha nazista que eliminavam ou restringiam garantias individuais de minorias (judeus, ciganos, negros, homossexuais, etc), apesar da regra constitucional que as garantia para todos, porque tais leis foram votadas por maioria que permitia romper o princípio constitucional.

O direito que os Estados produtores têm de obter compensação econômica pela riqueza extraída nos seus territórios está previsto na Constituição porque se constitui em um verdadeiro "direito natural" desses Estados no sistema federativo. Ele não pode ser suprimido, nem diminuído ao ponto de lhe tirar a efetividade, porque é inadmissível que uma unidade da Federação disponha de uma riqueza natural e não tire dela nenhum proveito econômico, já que os Estados produtores não recebem o ICMS sobre o petróleo, uma vez que a Constituição prevê que, ao contrário de todos os outros produtos, o pagamento do tributo se dá no seu destino, e não na sua origem.

Além de por lei ordinária tentar suprimir o direito natural à compensação pela exploração de uma riqueza no território dos Estados produtores, garantido pela Constituição, os defensores da tese de que a maioria pode tudo ainda querem violar uma outra regra sagrada do direito constitucional moderno: a do direito adquirido e do ato jurídico perfeito. Querem mudar as regras do jogo que já foi iniciado, ao aprovarem na Câmara a mudança dos critérios de distribuição de royalties para os campos de produção já licitados e cujo direito à compensação já integra o patrimônio dos Estados onde se localizam. É assombroso.

Os defensores dessas propostas acham que com isso passam a imagem de que brigam por mais recursos para os seus Estados e Municípios. Na verdade, para tentar obter uma pequena vantagem, violam princípios caros à democracia brasileira, abrem um precedente que pode ser utilizado contra outras unidades da Federação em relação a interesses que lhes sejam peculiares, levam à falência um Estado fundamental para o Brasil como o Rio de Janeiro e dão início a uma guerra federativa no campo tributário que trará prejuízos a todo o Brasil.

Fazem tudo isso por pouco dinheiro, porque, por maior que seja o valor que se pretende suprimir dos Estados produtores, ele sempre será dividido por 27, tornando-se assim uma grande perda para o Estado onde o petróleo é produzido e um pequeno ganho para os demais.

Essa decisão da Câmara trilhou os caminhos da ausência de reflexão de muitos e da insensatez e do oportunismo político de alguns poucos. Ela contraria o atual momento virtuoso por que passa o Brasil, de crescimento econômico e social, com plena vigência da democracia e respeito às regras constitucionais, que foi alcançado após muita luta e sacrifício por todos os brasileiros. Os deputados e senadores ainda têm uma grande oportunidade de evitar o início do fim da federação brasileira.
REGIS FICHTNER é secretário-chefe da Casa Civil do governo do Estado do Rio de Janeiro.

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