domingo, 1 de fevereiro de 2009

Alan Turing - O Pai do Computador

Aperta-se o botão de ligar, uma luz acende no gabinete. Um zumbido agudo, do disco rígido que ganha impulso de giro, faz com que o software comece a ser carregado no computador e que o monitor se ilumine. A máquina de Turing ganha vida todo dia, toda hora, todo segundo, e há sessenta anos sua descrição era uma proposta excêntrica, salpicada de equações, que quase ninguém entendeu onde podia chegar.
Não é à toa que o novo livrinho da série "em 90 minutos" da editora Jorge Zahar chama-se "Turing e o computador". O matemático inglês Alan Turing, herói de guerra, homossexual assumido, atlético, suicida, excêntrico e praticamente desconhecido é seu pai legítimo. Incontestavelmente. Talvez mais importante nas ciências exatas do século XX do que Albert Einstein. Se perde, é por muito pouco.
Mas, afinal, quem é Alan Turing? Turing nasceu em Londres no ano de 1912. Filho de burocratas medianos, estudou nas escolas públicas da elite mas sempre foi aluno regular. Graduou-se em matemática no King's College, Cambridge, sustentando uma bolsa de estudos aos trancos e barrancos. Era gago. Corria muito, maratonista. Quase perdeu a bolsa. Na pós-graduação, também em Cambridge, brilhou alto. Tinha 28 anos.


Matemática é filosofia? Ou vice-versa?
Em 1854 o filósofo George Boole propôs que a Lógica pertencia ao campo da matemática, não ao da filosofia. Sua tese era sustentada porque todas as afirmações lógicas, desde o tempo dos gregos, poderiam ser reduzidas a operadores básicos - "e", "ou", "não" -, e portanto era possível expressá-las em equações. Estes operadores, embora cumprindo objetivos diferentes, não eram diferentes dos de outro campo da matemática, a aritmética, com suas adição, subtração, divisão e multiplicação. É a álgebra booleana.
Muita gente trabalhou a partir daí, principalmente o austríaco endemoniado Kurt Göedel, que chamou a atenção para o fato de que a matemática era capaz de fazer proposições arbitrárias, que não podiam ser nem provadas, nem refutadas. E depois perguntam porque filósofos e matemáticos são gente perturbada. Perturbado, como convém, o jovem Turing tentou desmembrar o problema.
Se uma conclusão matemática pode parecer tão abstrata a ponto de não poder ser provada ou refutada, bem, ela ainda pode ser descrita por um raciocínio tolo. Tolo por metódico e chato. São contas, contas em seqüência. E conta não é trabalho para matemático, que deve estar mais preocupado em pensar do que com atividades mecânicas. Se são atividades mecânicas, então uma máquina pode resolver isso. Turing procurou descrever como deveria agir uma máquina que entendesse quais contas deviam ser feitas e que as fazia.
Mas o trabalho de Alan Turing foi escrito em papel e em língua que só matemático entende. Simples que pode ser explicado até por quem não entende matemática, mas tão profundo que quase ninguém viu no trabalho qualquer coisa que não o óbvio. Ou, com o perdão da palavra, o lógico.
Herói de guerra
Quando finalmente seu trabalho foi publicado, Turing estava a cata de um estágio em Princeton, EUA, centro que em finais dos anos 30 era a meca da ciência. Einstein estava lá, e muitos outros, expulsos da Europa pelo nazi-fascismo que estendia suas garras. Mas todos o ignoraram, era um pirralho. Todos menos um. "Johnny" von Neumann, o pai direto da Bomba, ficou fascinado com o jovem inglês e viu que ele tinha inventado um novo ramo do conhecimento. Ao seu lado, no século, Einstein e Freud. Só. Von Neumann fez de tudo para mantê-lo em solo americano. Mas Turing voltou para sua Bretânia.
De volta ao King's College, a Guerra estourou e Turing foi alistado. Trabalhou num centro de pesquisa altamente secreto dedicado à contraespionagem. Os alemães desenvolveram uma máquina, chamada Enigma, que permitia criptografar mensagens a partir de um código, uma chave. Os ingleses sabiam como Enigma funcionava, mas sem conhecer a chave que fazia com que as palavras se embaralhassem de uma ou de outra maneira, era impossível decifrá-las. E nisso navios britânicos eram afundados, Londres bombardeada, enquanto os sinais da comunicação por rádio entre alemães eram indecifráveis.

Alan Turing construiu sua máquina. Demorou um tempo. No início, decifrava em dias - tarde demais. Depois, em horas. Então Colossus, a máquina, resolveu tudo em minutos. Foi como se os alemães trocassem informação em inglês pelo correio de Sua majestade. Diz a lenda que muitas cabeças rolaram no alto comando de Berlim acusadas de alta traição. Os alemães jamais conceberam que os ingleses estivessem de fato quebrando sua criptografia de última geração. (Da próxima vez que você ver Winston Churchill falando em sangue, suor e lágrimas num documentário, pense em um jovem matemático gago, homossexual e desgrenhado, não num soldado com rifle à mão.)

A importância de ser prudente
Passada a Guerra, o herói Turing dedicou-se a estudar as possibilidades de sua máquina. Sob os auspícios de von Neumann, nos EUA, o ENIAC, primeiro computador eletrônico, estava sendo concretizado de acordo com seu trabalho. Enquanto isso, Turing já tentava imaginar seus limites. Ganhando velocidade de processamento, aquela máquina que entendia o problema e fazia as contas necessárias para resolvê-lo não se aproximaria de um cérebro? Será que não poderia transformar-se numa forma de inteligência?
Alan desenvolveu um teste, o Teste de Turing. Imagine-se numa sala de chat, como tantas na Grande Rede. Se em meia hora de papo, perguntas e respostas, você estiver convencido de que seu interlocutor é uma forma pensante, ele não é uma máquina de Turing. Mas isso quer dizer que é humano? A inteligência artificial avançou muito recentemente e existe uma medalha de ouro e um prêmio de cem mil dólares para quem desenvolver um programa que passe no Teste de Turing.

Alan não verá isso, claro. Um dia foi trabalhar e deixou um namorado recém conhecido em casa. O rapaz roubou-lhe um faqueiro de prata e meia dúzia de cacarecos. Seria uma história típica se o matemático não tivesse sido imprudente. Indignado, deu queixa à polícia. Na Inglaterra dos anos 50 as leis do tempo de Oscar Wilde mantinham-se. De vítima, viu-se processado pelo Estado. Como era herói de guerra, foi poupado da prisão mas condenado - por ser homossexual - a um tratamento hormonal que lhe conteria a libido. A um colega confessou humilhado: "estão crescendo peitos em mim." Na noite de 7 de junho de 1954 comeu uma maçã mergulhada em cianeto, inspirado em "Branca de Neve" de Walt Disney.

Pop star
"Turing e o computador em 90 minutos" é um livrinho que se mata em 60. Explica coisa complicada direitinho, fazendo da leitura rápida e agradável. Se viesse com bula como as de brinquedo provavelmente poderia ser recomendado a crianças a partir da sétima série. Mesmo. Basta curiosidade. O que não quer dizer que seja infantil, visto que é profundo. Serve para adultos se deliciarem. Grande introdução a um homem e suas idéias que moldaram o mundo.
Sem a máquina de Turing muito do nosso dia-a-dia não seria o que é. Não falo da Internet ou do caixa-eletrônico, que seria apenas o óbvio, mas dos cálculos necessários para levar o homem à Lua, ou para sintetizar a molécula de um remédio revolucionário, as contas para decodificar o DNA do Projeto Genoma, ou ainda o software que desenha o carro do ano. Se bobear, o tecido, o corte, a prega do botão do paletó que veste o executivo na esquina. O CD que ouvimos. Em 1976 a Apple adotou o símbolo de uma maça mordida em homenagem a memória de Alan Turing.


Lá no submundo da Internet, entre os hackers, Alan Turing é pop star, estampa de camisteta, epígrafe certa. Merece o título. Foi transgressor, excêntrico, poeta na linguagem que escolheu. Viveu (e morreu) inconformado como um Chet Baker, Jimi Hendrix, Kurt Cobain ou Renato Russo.

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