segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Cientista diz que Cultura Latina despreza Educação


Cientista político americano, que critica a imigração hispânica, diz que a cultura deles despreza a educação
Hispânicos são atrasados, diz Huntington SOLEDAD GALLEGO-DÍAZFIONA FORDEDO "EL PAÍS"

Samuel Huntington, 77, conquistou fama com seu livro "Choque de Civilizações", no qual opõe o Ocidente ao islamismo militante. Agora, o cientista político e professor da Universidade Harvard volta a provocar grande polêmica com "Who Are We? The Challenges to America's National Identity" (quem somos? Os desafios à identidade nacional americana), ao expressar seu receio diante da integração hispânica nos EUA. Leia a seguir os principais trechos da entrevista em que Huntington reitera sua tese de que a imigração mexicana é menos assimilável do que as anteriores por não esquecer seu idioma e sua cultura.

Pergunta - Em "Who Are We?" o sr. fala do "credo americano" como uma senha de identidade dos EUA. De que maneira o definiria?
Samuel Huntington - O "credo americano" é uma expressão criada pelo sociólogo sueco Gunnar Myrdal nos anos 40 para descrever o que ele considerava como as crenças políticas básicas dos norte-americanos. Para Myrdal, essas crenças incluíam a dignidade essencial do indivíduo, a igualdade fundamental entre todos os homens e o direito inalienável à liberdade, à justiça e a oportunidades justas. As mesmas idéias que foram expressas de maneira eloqüente por Thomas Jefferson em nossa Declaração de Independência e vêm sendo reiteradas constantemente por nossos líderes. É importante ressaltar que essas crenças foram produto da sociedade anglo-protestante que se forjou nos séculos 17 e 18.

Pergunta - Se até agora foi possível aos imigrantes da Europa e Ásia compartilhar esses princípios, por que o sr. acredita que os hispânicos não sejam capazes de assimilá-los?
Huntington - Não digo que não seja possível compartilhá-los. Creio que os hispânicos em larga medida compartilhem deles, em especial os que optaram por emigrar para os EUA, os quais, em certa medida, sentem atração pelos valores desse credo. Mas acredito que haja distinções culturais fundamentais entre os mexicanos e os americanos.

Pergunta - Quais são?
Huntington - Citarei diversos mexicanos importantes para esclarecer essas distinções. Carlos Fuentes, o mais importante romancista mexicano, diz que seu país tem herança mista espanhola e indígena, combinada com uma cultura católica, enquanto os EUA têm uma cultura protestante cujas origens derivam presumivelmente do trabalho de Martinho Lutero. O filósofo Armando Cítoro diz que a atitude mexicana e, acrescenta, a dos mexicanos que vivem nos EUA pode ser expressa com frases como "quem liga?", "não adianta trabalhar muito" e "nada vale muito a pena". E isso serviria também como resumo da cultura mexicana.

Pergunta - Por que é mais difícil aos hispânicos compartilhar do credo americano do que foi para os judeus poloneses, por exemplo?
Huntington - Os imigrantes que chegaram aos EUA vinham em certa medida atraídos pelo credo, e confiavam nele. Converteram-se ao ponto de vista norte-americano. Creio que isso indubitavelmente também esteja ocorrendo com os imigrantes mexicanos nos EUA, mas penso que existe uma série de fatores que fará dessa conversão aos valores americanos um processo muito mais lento e difícil. Os mexicanos mantêm laços muito estreitos com o seu país de origem, vão e voltam ao México continuamente. A imigração mexicana é muito diferente das ondas migratórias anteriores, nas quais os imigrantes cruzavam milhares de quilômetros de oceano.

Pergunta - E isso implica uma diferença importante?
Huntington - Certamente que sim. Até a Primeira Guerra, os imigrantes cruzavam o oceano e lhes era muito difícil manter contato com as suas sociedades de origem. Mas os mexicanos não precisam tomar essa decisão, podem manter residência e laços pessoais no país de origem e no país de destino ao mesmo tempo, e dupla nacionalidade, e cada vez mais freqüentemente dupla cidadania. Além disso, é preciso acrescentar o fato de que pela primeira vez em nossa história temos uma onda maciça de imigração ilegal.Agora, temos um fluxo contínuo de imigrantes, e não só isso como também um crescimento da população hispânica, devido a uma maior taxa de fertilidade.Os hispânicos representam entre 12% e 13% da população dos EUA, mas, nos últimos anos, vêm respondendo por 50% do crescimento populacional. Para o ano 2040, a projeção é que esse grupo represente mais de 25% da população americana.

Pergunta - Há outras dificuldades específicas?
Huntington - Insisto em que a assimilação é possível, mas existem muitas dificuldades, devidas, entre outras coisas, à atitude dos mexicanos e dos hispânicos em geral quanto à educação. Cerca de 36% dos hispânicos que iniciam o segundo grau não chegam ao final do curso. O índice se compara a 16% no caso dos norte-americanos negros e a 8% no caso dos norte-americanos brancos. Isso indica que existe um problema real entre os hispânicos quanto ao tema educação, e creio que, por alguma razão, essa atitude seja parte de sua cultura. Não colocam muita ênfase na aprendizagem.

Pergunta - O sr. acredita que isso possa mudar no futuro?
Huntington - As autoridades educacionais fazem grandes esforços para reverter essas tendências. Mas isso significaria mudar as atitudes existentes entre os imigrantes hispânicos, e isso não é fácil. Os mexicanos têm de estar dispostos a trabalhar pesado e a continuar na escola; neste país, não se chega a lugar algum sem terminar a escola secundária. E, se você realmente deseja avançar, tem de ir à universidade, e o fato é que menos de 4% dos imigrantes mexicanos freqüentam universidades, ante 22% dos norte-americanos em geral.

Pergunta - Parte da responsabilidade pela situação não cabe às políticas educacionais?
Huntington - Provavelmente existem coisas que poderiam ser feitas para tentar animar os estudantes a não deixar a escola. Talvez haja alguma forma de ajuda econômica, já que a necessidade econômica é sem dúvida um dos motivos para abandonar os estudos: a idéia de que uma criança de 16 anos tenha de ganhar dinheiro para ajudar a família. Creio que algumas formas de ajuda econômica e de fomento ao emprego sejam úteis. Mas, uma vez mais, acredito que não se trate simplesmente de uma questão econômica, mas de uma questão cultural, e quanto a isso é preciso que a mudança aconteça de dentro da comunidade hispânica dos EUA.

Pergunta - Os problemas educacionais são comuns a todos os grupos subdesenvolvidos. Não me parece que os italianos que imigraram para os EUA há 70 ou 80 anos pensassem em estudar; sua preocupação era trabalhar.
Huntington - Em primeiro lugar, os italianos vieram em larga medida antes da Primeira Guerra Mundial. A guerra deteve o fluxo migratório, e o Congresso imediatamente aprovou leis que reduziam drasticamente a imigração, especialmente a imigração italiana. Por isso, houve pouca imigração italiana nos anos 20 e 30. E o fato de que a imigração tenha sido suspensa desempenhou papel central na assimilação relativamente bem-sucedida dos imigrantes italianos. Esse é outro aspecto da imigração mexicana: ela é persistente. A comunidade hispânica está crescendo, e, à medida que cresce, há menos incentivos para que haja assimilação. Uma prova dessa tendência é que, em 1990, havia 166 publicações jornalísticas em espanhol nos EUA; hoje, o número de títulos mais que dobrou, para 344.

Pergunta - O sr. acredita que o credo americano seja exclusivo da cultura anglo-protestante?
Huntington - Não. O credo se apresenta como um conjunto de princípios universais aos quais qualquer pessoa, em qualquer lugar, poderia aderir. Mas não resta dúvida de que foi criado pela cultura anglo-protestante.

Pergunta - Quais são seus elementos mais significativos?
Huntington - O idioma inglês, o cristianismo e o sentimento religioso. Os norte-americanos são um dos povos mais religiosos do mundo, muito mais do que as pessoas de outras democracias industrializadas.

Pergunta - O sr. diria que os mexicanos não são muito religiosos?
Huntington - Não sei. Há números sobre isso no meu livro. O México está entre os países mais religiosos do mundo. Em uma lista de 42, está em décimo lugar, enquanto os EUA estão em quinto.

Pergunta - Ajudaria caso os mexicanos esquecessem o espanhol e falassem inglês?
Huntington - Se o fizessem, se tornariam mais parecidos com os norte-americanos.
Pergunta - Seriam como os norte-americanos?Huntington - Seriam mais parecidos com os norte-americanos.

Pergunta - Mas não seriam realmente norte-americanos...
Huntington - Bem, se abandonarem seu idioma, se mudarem para os EUA e adotarem a cultura norte-americana e, especialmente, os elementos da cultura anglo-protestante que destaco em meu livro, o individualismo e a ética do trabalho, além da crença de que as pessoas têm tanto a capacidade quanto a responsabilidade de conseguir reformas sociais.

Pergunta - Francis Fukuyama diz que hoje, nos EUA, são coreanos e latinos que mantêm a ética do trabalho.
Huntington - No meu livro, cito imigrantes e observadores europeus do século 19 que dizem que os EUA são uma terra de trabalho, e que o indivíduo se define por seu trabalho. Creio que isso continue a ser assim.

Pergunta - É possível que os anglo-protestantes não queiram compartilhar o credo americano e que por isso excluam os demais?
Huntington - É certo que, no passado, nos dedicamos a excluir outros povos. Agrada-nos pensar no país como uma nação de imigrantes, mas, na verdade, fomos muitas vezes hostis para com os imigrantes. Houve muita segregação, discriminação e hostilidade para com os irlandeses que aqui chegaram na metade do século 19. Também havia muita hostilidade para com os italianos e os poloneses e judeus que chegaram antes da Primeira Guerra.Hoje em dia, os hispânicos não enfrentam nada parecido com a hostilidade que outros imigrantes tiveram de encarar, porque a sociedade americana agora é muito mais insistente quanto à tolerância, e existe uma grande ênfase no multiculturalismo. Há um sentimento, muitas vezes expresso pelos intelectuais, de que tentar americanizar os imigrantes é incorreto. Trata-se de um fenômeno muito novo.

Pergunta - O sr. crê que a expansão da religião evangélica entre as comunidades hispânicas as ajude a assimilar esses princípios?
Huntington - Sim, creio que a expansão do cristianismo evangélico entre os hispânicos seja um fenômeno fascinante. Também está acontecendo na Américas Latina. Isso poderia ser um fator importante para a sua assimilação. Gostaria de destacar, ainda assim, que a maioria dos católicos americanos assimilou a cultura anglo-protestante. Não é preciso ser cristão evangélico para isso.

Pergunta - Que opinião o sr. tem sobre a idéia de que os EUA precisam de uma ameaça interna ou externa para que se sintam um país unido, e que, quando ela não existe, tratam de inventá-la?
Huntington - Creio que as guerras e os inimigos externos desempenharam papel fundamental no desenvolvimento das identidades nacionais de todos os países. Portanto, certamente se aplica aos EUA. A Guerra Civil (1861-65) foi na verdade o conflito que fez de nós uma nação; antes pensávamos no país como uma simples união entre Estados diferentes.A Guerra Civil trouxe consigo o que eu classifico como "o século do nacionalismo norte-americano", que durou até os anos 60. Então, por diversas razões, passou a ser conferida maior importância às identidades subnacionais, étnicas, raciais, culturais, sexuais, e a identidade nacional perdeu seu significado fundamental.O final da Guerra Fria influenciou esse fenômeno, porque, nos anos 50 e 60, nos definíamos como líderes do mundo livre diante da URSS e do comunismo ateu. Agora, depois do 11 de Setembro, enfrentamos um novo inimigo, representado pelo islamismo militante. Isso nos devolveu o sentimento de uma identidade nacional americana.

Pergunta - O sr. diria que a comunidade hispânica representa uma ameaça interna e que o terrorismo islâmico é uma ameaça externa?
Huntington - Os militantes islâmicos querem destruir os EUA. Isso é completamente diferente do processo pacífico de imigração hispânica para os EUA.

Pergunta - Então, qual é a ameaça da imigração hispânica?
Huntington - Não considero que a ameaça hispânica seja ameaça em sentido real. O que digo é que, caso as tendências atuais se mantenham, teremos cada vez mais um país de dois idiomas e duas culturas. A cada dia vemos mais provas do aumento do uso de espanhol em nossa sociedade, e em muitos casos ele se converteu em idioma equiparado ao inglês.Trata-se de uma mudança importante na identidade nacional norte-americana. Uma mudança para melhor ou para pior? Difícil saber. Mas podemos pressupor que a diferença será grande, e nos tornaremos mais parecidos com Canadá, Bélgica, ou Suíça, países onde há dois ou mais idiomas e duas ou mais culturas.

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