quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Problemas do Legalismo - 1


O direito como um fim

O direito é uma ciência de muitos problemas, embora ele procure no máximo evitar conflitos sociais. É por ser uma área do saber que lida com conflitos que é, em si, uma ciência de muitos problemas.Um desses muitos problemas é provocado pelo legalismo jurídico que na sua essência procura trazer a certeza e a garantia na forma de ser do próprio direito e que entretanto, acaba servindo interesses alheios aos seus primeiros princípios, essencialmente da justiça.
Entendo o legalismo jurídico como o manifesto juramento de fidelidade ao formalismo jurídico, resultado do positivo jurídico bastante desenvolvido nos séculos passados.Tal fidelidade ao formalismo jurídico, parte do pressuposto de que todos devem obediência à lei, ou seja, que a lei deve ser igual para todos e deve sobre todas as consequências ser aplicada.
Entretanto, a questão principal neste tópico é que uma das consequências directas do legalismo jurídico é tratar ou considerar o direito como um fim em si. O direito é o conjunto de normas jurídicas imposta pelo poder público para garantir a ordem e a tranquilidade social.
Deve entender-se o direito como um conjunto de elementos que no todo constituem o meio à justiça. No geral, o direito é um meio à justiça, sendo que, é o direito que serve a justiça e não o contrário.Entretanto, a justiça é um fim em si. Para alem do direito, também serve a justiça a ética. A ética ilumina o ser humano sobre o que está certo e o que não está certo, ajuda a distinguir o justo do injusto. Isso equivale dizer que, o direito, para que realmente sirva a justiça precisa ser imbuído da ética.
O direito quando não imbuído da Ética não pode servir a justiça e transforma-se ele mesmo em um fim, na medida em que uma das consequências da ausência da ética é o apego incondicional ao formalismo jurídico e ao legalismo, o que na prática retira o compromisso com a justiça.
Os princípios mais recomendados do direito, exigem que realmente todos obedeçam às leis e que essas leis sejam iguais a todos, entretanto, o conceito de lei que se nos trás, é o de leis justas, sendo que, as leis injustas, ou as leis que não nos conduzem a justiça não podem constituir elemento de igualdade ou de exercício dos direitos fundamentais.É aqui que não se explica o apego desenfreado às leis, mesmo sabendo que elas são injustas só porque elas foram emanadas pelo poder público.
A justiça não deve nunca ficar refém do direito, é o direito que deve mudar quando não se alcança a justiça e nunca o contrário. Enquanto que o direito é relativo, a justiça é um conceito absoluto.No meu trabalho como defensor dos direitos humanos encontro-me sempre com situações em que a justiça é relegada ao último plano e o direito elogiado em detrimento daquele. Este é o primeiro dos problemas do legalismo jurídico: preocupação em aplicar leis a fim de obedecer os formalismos legais exigidos mesmo que para tal tenhamos que sacrificar a justiça.
Esse é para mim um dos primeiros males do legalismo jurídico que infelizmente é orientador do sistema jurídico, onde centenas de juizes, se por ignorância ou não, vão decidindo favoravelmente à injustiça sob pretexto de estarem a servir ao direito.
Sendo as leis, ou o próprio direito, produtos da vontade social, eles só podem ser usados ou aplicados quando sirvam os interesses da própria sociedade, sob pena de estarmos a inverter os valores. A racionalidade intelectual não deve nunca sobrepor-se às pessoas reais. É o direito que serve à pessoas e a justiça e não o contrario.Esse deve ser também o objectivo principal de qualquer judiciário: assegurar a justiça entre as pessoas ou grupos de pessoas, mesmo que isso signifique abdicar de certas normas quando necessário.

texto de Custódio Duma

Nenhum comentário: