Dentre todos os diretores, nenhum parece ter sido capaz de superar o franco-argentino Gaspar Noé na expressão de um clima introspectivo, pessimista, cínico, desolador ou carregado de ódio.
Todo mundo que goste de filmes já ouviu o nome de Gaspar Noé associado à cena de estupro mais polêmica de todo o cinema. Ele é o responsável pelos aproximados oito minutos constrangedores em que Alex, personagem de Mônica Belucci, é estuprada e espancada em uma passagem subterrânea, na Paris de “Irreversível”. A cena supostamente tem a mesma duração que teve a violação da personagem; por ironia e diferente da estética visual que caracteriza o filme: câmera “bêbada” que mal pode parar de girar causando vertigem no espectador e iluminação baixa ou tendendo para o vermelho, nesta cena existe ótima luz e a câmera repousa despudoradamente no chão, bem em frente onde todo o ato ocorre, filmando tudo sem qualquer vestígio de pudor. Mas eu não acho o Noé cruel por causa desta cena. Tampouco pelo modo vertiginoso com que optou filmar este filme, que o deixa, sem dúvida, difícil; mas essa dificuldade não coincide com o motivo que me leva a considerar Noé um diretor cruel. A coisa dele pra mim não é visual, mas filosófica. Ele é extremamente pessimista e sua crueldade emana de sua filosofia. E ele faz questão de deixá-la gritar bem na apresentação, como se dissesse: “Prazer em conhecê-lo! Sou o Noé e sou um pouco pior do que o Cioran!” Para tanto, letras imensas surgem na tela durante “Irreversível”, sentenciando: “O tempo destrói tudo”.
Porém, o filme que melhor representa a crueldade filosófica de Noé é “Sozinho contra todos” (I stand alone, em inglês). Não encontrei outro que pudesse se comparar em pessimismo. O açougueiro, protagonista do filme, e que tem o início de sua história narrado no antecessor “Carne”, é um sujeito com uma lucidez seca e anti-dramática, e com uma carga tão alta de agressividade que só podemos pensar que irá explodir a qualquer momento. O filme é quase um monólogo da filosofia do Noé recitada pela boca de seu cruel açougueiro. Ele não poupa o espectador de pensar sobre coisas embaraçosas, como a terrível falta de conexão entre as pessoas. “Por que, afinal, os filhos mostram amor pelos pais?”, “Pode um pai ser amante de sua filha?”, “O único sentido da vida é foder”, lamenta o açougueiro considerando-se numa fase em que a realização do sexo é cada vez mais difícil. Estes são os pensamentos centrais desse filme indigesto. Aumentam a indigestão o hiper-realismo usado pelo autor, inclusive apresentando lugares decadentes e sujos de uma Paris incomum, particularmente o quarto miserável que o açougueiro aluga e a magistral atuação de Philippe Nahon como o açougueiro. Quem se dispor a refletir sobre a solidão e a miséria humanas conforme a mente de um ácido pessimista, sugiro assistir aos três filmes, na ordem em que foram feitos: “Carne”, “Sozinho contra todos” e “Irreversível” Por que o diretor é cruel: por sua filosofia extremamente pessimista.
texto parcial extraido do blog Cioranismos: http://cioranismos.blogspot.com/
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