sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Voluntariado

O único compromisso é ajudar. Eles não estão à frente de uma instituição, não criaram nenhum projeto social nem vivem disso. Decidiram, por iniciativa própria, doar parte de seu tempo ou de seu conhecimento para melhorar a vida de pessoas menos favorecidas. Em comum, são profissionais bem-sucedidos que, muitas vezes, abrem mão do convívio com a família e do lazer. Abaixo, seis exemplos de voluntários informais, gente movida por idealismo e sentimento de justiça. Juntos, eles auxiliam perto de 800 pessoas a cada mês, mas rejeitam categoricamente o rótulo de benfeitores. De acordo com a Associação Brasileira de ONGs (Abong), existem 338 000 organizações sem fins lucrativos no país, sendo 27 000 delas no Rio. Não há, porém, pesquisas conclusivas sobre o número de pessoas envolvidas. A ONG Rio Voluntário estima que 1 milhão de cariocas – 17% da população da cidade – desenvolvam hoje algum tipo de trabalho social ou solidário. Que as histórias de alguns deles sirvam de estímulo para mais gente se juntar a esse esforço.


Aulas de autoestima


A ideia inicial era abrir uma turma gratuita em sua própria academia, em Copacabana, para atender alunas sem condições de pagar as mensalidades. Mas a atriz e bailarina Fabiana Valor, 41 anos, percebeu que, se fosse onde elas estavam, poderia ajudar um número maior de crianças. Desde 2005, a ex-estudante do conservatório de dança de Amiens, na França, coordena a escolinha de balé e sapateado da favela Pavão-Pavãozinho, em Ipanema. São seis turmas sob sua responsabilidade, um total de noventa meninas. No início, os primeiros pas de deux eram dados num local improvisado, mas a bailarina se juntou a alguns amigos e conseguiu equipar uma sala com piso de madeira especial e barras. Dois deles, um empresário e um ator, ajudam a pagar o salário de três professores. Os collants e as sapatilhas usados pelas meninas, com idade entre 9 e 17 anos, vêm de doações. "Se surgir um grande talento aqui, ótimo", diz Fabiana. "Mas meu objetivo é aumentar a autoestima dessas meninas."


Empreendedores do amanhã



Turismo e negócios. As duas ferramentas de trabalho do empresário Sávio Neves, 44 anos, servem para ajudar a transformar a vida de moradores de favelas. Uma vez por semana, o diretor e sócio da companhia Trem do Corcovado, administradora da linha férrea que leva ao Cristo Redentor, ruma para a Cidade de Deus, em Jacarepaguá. Lá, onde vivem cerca de 120 000 pessoas, faz palestras sobre empreendedorismo e, sobretudo, sobre as perspectivas de crescimento do setor no qual trabalha, por causa da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016. Voluntário da ONG Abrindo Portas, voltada para a profissionalização de jovens, Neves usa seus conhecimentos para conseguir vagas em cursos de formação para aqueles que se interessam pelo assunto. Seu exemplo motivou outros profissionais: em janeiro, representantes do Sindicato dos Guias e do Senac irão ao bairro falar sobre sua carreira. O empenho de Neves em ajudar não para aqui: está em seus planos criar um projeto para abrigar turistas no Dona Marta com a participação da população local.

Arte solidária


Um infortúnio familiar mudou a vida da ceramista Denise Stewart, 51 anos. Primeiro veio a dor: ela perdeu o pai, vítima de câncer, em 1998. Depois, a vontade de ajudar. Com a experiência traumática na cabeça, decidiu fazer algo por crianças com a doença. De quinze em quinze dias, ela recebe em seu ateliê no Jardim Botânico um grupo delas, encaminhados pela Associação Amigos da Infância com Câncer (Amicca), para lições de cerâmica. "Não é fácil. Lido com meninos e meninas debilitados e, às vezes, com a morte", diz Denise. "Ao mesmo tempo é muito gratificante", completa a artista, que criou louças para restaurantes como Zuka, Sushi Leblon e Salitre. Seu empenho não termina nas aulas. Recentemente, montou dois painéis com os trabalhos dos alunos e pôs à venda num evento beneficente. Com a renda, equipou um andar inteiro da Amicca. "Todo mundo tem uma vida estressante, mas se cada pessoa fizer um pouco já será uma grande diferença."


Sinfonias na favela


Poucas pessoas tiveram tantas oportunidades de seguir a vocação quanto Felipe Prazeres, 33 anos. Apaixonado por música clássica, sempre foi incentivado por seus pais, que o colocaram para estudar violino aos 11 anos. A dedicação ao instrumento prosseguiu na faculdade e rendeu frutos: desde 1999, ele é spalla - primeiro-violinista - da Orquestra Petrobras Sinfônica. Nos últimos três anos, aperfeiçoou-se na Academia de Santa Cecília, em Roma, referência em sua área. Ao voltar, em julho passado, tinha um projeto: ajudar pessoas carentes a se tornar instrumentistas como ele. O primeiro passo foi conhecer o trabalho da ONG AfroReggae, no núcleo da favela de Parada de Lucas, na Zona Norte, onde está sendo montada uma orquestra. Com a experiência internacional e um currículo que inclui participações como solista em diversos concertos, Felipe, filho do maestro Armando Prazeres, morto durante um assalto em 1999, dá aulas para três monitores de violino do projeto social. Como padrinho do novo grupo musical, também ficou encarregado de avaliar o desenvolvimento da meninada. Já descobriu que talento ali não falta.


Lição de vida

A professora de português e literatura Teresa Cruz, 29 anos, já se acostumou com o espanto dos amigos quando conta detalhes sobre o seu trabalho social no Complexo da Maré, o maior aglomerado de favelas do Rio, encravado entre a Avenida Brasil e a Linha Vermelha. "Você vai para lá sozinha, de carro e à noite?", perguntam, surpresos. Sim, ela vai. Formada em letras pela UFRJ e com mestrado na área, a educadora dá aula a quatro turmas em um curso pré-vestibular da favela Nova Holanda. Com o reforço, estudantes carentes aumentam as chances de entrar em uma universidade pública. "Tenho vontade de ajudar o próximo", explica a professora, contratada do colégio particular Qi e do Centro Federal de Química, no Maracanã. Na Maré, seus alunos vão do adolescente ao senhor que nunca teve tempo para estudar. "Eles não estão aqui por obrigação, e sim pela vontade de aprender."


Doutor em caridade



Com cinquenta anos de profissão e uma lista de pacientes tão extensa quanto fiel, o ginecologista Newton Vianna Albuquerque, 74 anos, poderia descansar sobre os louros conquistados. No entanto, ele não pensa assim. Todas as quartas-feiras, fecha o consultório, em Botafogo, e atende gratuitamente no ambulatório da Igreja São Francisco de Paula, na Barra. Recebe até oito pacientes numa tarde. A rotina se repete há catorze anos. Numa pequena sala, faz exames preventivos e dá orientações. Quando identifica algum problema que foge de sua área, encaminha a paciente a outro colega voluntário na igreja ou a algum amigo na rede pública de saúde. Experiência e conhecimento não lhe faltam. O doutor Newton trabalhou durante duas décadas no Hospital Miguel Couto e chefiou os serviços de ginecologia do Hospital Salgado Filho e do Instituto Fernandes Figueira. "Não há contrato, nada. O compromisso é comigo mesmo", diz. "Atender aqui faz mais bem a mim do que às pacientes."

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