sexta-feira, 19 de junho de 2009

Downloading Nancy

O desespero do vazio existencial contemporâneo. A falta de sentido da vida "pós-moderna". A incapacidade de lidar com os monólogos coletivos onipresentes. Tudo isso - agravado por uma infância sob abusos - faz de Nancy (Maria Bello, em interpretação comovente) uma mulher extremamente deprimida que só com a dor física consegue vislumbrar um fio de vida e de prazer. Talvez porque isso a retire por instantes da angústia abissal na qual se afoga. Talvez porque o apelo do corpo maculado obnubile a devastação que se impõe ostensivamente a sua mente. Nancy é casada com Albert (Rufus Sewell), um homem distante, meticuloso, que não a enxerga e parece incapaz de comunhão. Ela passa a vida em casa, em frente ao computador - na internet. Sai apenas para suas sessões de análise, que ela despreza. Fuma compulsivamente. Tem o corpo todo por si mesma cortado com gilete. Online, ela encontra Louis (Jason Patric), um homem com quem consegue se comunicar, com quem conversa, reparte emoções e desilusões. Um dia, contrata-o para matá-la. E deixa sua casa em busca de redenção. É um filme forte que não poupa o espectador da miséria da condição humana. A narrativa vai e volta no tempo para se completar e oferecer-nos elementos que a enriqueçam. A fotografia é gelada. A trilha sonora (ganhadora do prêmio no Festival de Estocolmo) envolve magistralmente cada cena. Um filme que esgarça nossa indiferença e expõe as vísceras da desolação.

domingo, 14 de junho de 2009

Nordkraft

Ficamos sem saber o que dizer depois de assistir ao filme. Não que não haja o que ser dito sobre ele. Há muito. Muito do mesmo que, de tão saturados que somos (e não mais apenas estamos), não conseguimos mais ouvir. É um filme emblemático da falta de sentido da vida contemporânea. Cheia de afetos truncados, vazia de propósitos, plena de melancolia e frágil, frágil demais. A destruição do humano pelo excesso, pela supremacia do projeto ocidental. O poente. O filme se passa na Dinamarca, no topo da linha de construção social humana, num país que resolveu todos os problemas operacionais, econômicos, funcionais. E vê as pessoas se esfacelando na perfeição. Eles têm tudo e o que se impõe é um nada onipresente. A história tem três vértices principais, três narrativas que se cruzam pelas drogas, pelo sofrimento, pelo desespero e pela apatia. Tecnicamente, é muito estiloso, usa diversas lentes, enquadramentos invasivos, cores fortes, imagens aceleradas, imagens lentas, cortes bruscos. Toda uma estética que comunga com o tema, exata, precisa e angustiante. Muito rock'n'roll, muitas drogas, nenhum sexo. O isolamento na multidão. A angústia máxima. A falência.

sábado, 6 de junho de 2009

"Monarquistas, Graças a Deus"





O Brasil este mês lamentou a morte de 228 passageiros e tripulantes do vôo 447 da Air France que caiu em pleno oceano Atlantico no percurso entre o Rio de Janeiro e Paris. No acidente, os brasileiros descobriram através dos jornais que entre as vítimas estava o herdeiro imperial do Brasil: o príncipe Dom Pedro Luiz de Órleans e Bragança, quarto na linha de sucessão.

Pode ser incomum no Brasil referir-se a descendentes de dinastias não reinantes como príncipes, mas isso é extremamente comum em muitos países. Não são poucos os casos de dinastias derrubadas que voltaram a reinar, com o mais recente caso do Rei Juan Carlos da Espanha. Há movimentos fortes de restauração na Bulgária, Grécia, Sérvia, Portugal entre outros países. Preconceitos ideológicos a parte, hoje por mais paradoxal que seja, de acordo com a ONG International Transparency as monarquias conseguem ser mais democráticas que as repúblicas. E por mais estranho que isso possa parecer para o senso comum de um país do continente americano, a monarquia é algo perfeitamente natural para alguns dos povos mais conscientes, democráticos e civilizados do planeta, entre os quais suecos, dinamarqueses, holandeses, espanhóis, noruegueses, belgas, australianos, canadenses, ingleses, japoneses entre outros.

Mas para que um Rei ? Evidentemente no mundo moderno um rei não possui mais os poderes e autoridade que detiveram no passado. Hoje, quem governa são os Primeiros-Ministros. No entanto, os reis exercem a função não menos importante de Chefe de Estado, de reserva moral de uma nação, na quaul resguardam os valores éticos da nação e servem de exemplo de conduta para a população. Por não terem que se associar a politicagens e mesquinharias, os reis se mantém neutros. É há fortes evidências de que tal convenção funciona muito bem, afinal não é por menos, que entre uma lista com os DEZ países menos corruptos do mundo, NOVE sejam monarquias - apenas a Finlandia é uma república.
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Como bem analisou, o mais conceituado economista brasileiro, Professor Mário Henrique Simonsen:

"O principal mérito do regime parlamentar é que, ao dissociar a figura do chefe de Estado da de chefe de Governo, torna possível uma condição ideal: a de que o governo dure enquanto for bom, substituindo-se sem traumas no momento em que deixar de bem servir. Um bom gabinete pode durar dez ou vinte anos e só será substituído quando os representantes do povo dele estiverem cansados. Na opção republicana, das duas uma: ou o presidente é eleitoindiretamente, como na Itália e na Alemanha, ou diretamente, como na França e em Portugal. A eleição indireta é a única que se afina com a lógica do regime parlamentar. O defeito é que ela tira qualquer realce à figura do chefe de Estado, transformando-o num funcionário público que se renova a cada cinco anos, ou período semelhante. Já a eleição direta confronta o chefe de Estado com o de governo: qual a legitimidade do primeiro-ministro, eleito com 350 votos, diante de um presidente da República aclamado por 50 milhões de votos populares? Trata-se de um sofisma aritmético, mas que causa terríveis danos políticos. A verdadeira resposta é que 50 milhões de votos numa eleição com voto obrigatório e dois turnos significam apenas todos estão fartos de saber: que o primeiro colocado teve mais votos que o segundo. De fato, a eleição direta, no caso, é um resquício do parlamentarismo francês, criado por De Gaulle à sua imagem e semelhança. No Brasil, parlamentarismo com eleição direta para presidente é a certeza da repetição da década de 60, quando o plebiscito de 1963 determinou o retorno ao presidencialismo.

A monarquia oferece o ponto de equilíbrio entre os dois modelos republicanos, o que elege o presidente diretamente e o que o elege indiretamente. O rei é a alternativa entre o presidente emasculado e o ditador potencial. O que se exige do rei é que ele represente com dignidade o Estado.

Seus poderes, evidentemente, devem ser limitados como em qualquer monarquia moderna. E o soberano deve ser o guardião dos símbolos e das tradições nacionais. A vantagem é que, para desempenhar essa função, o rei nãoprecisa disputar verbas eleitorais nem se comprometer com sindicatos ou grupos econômicos. Está imune às tentações da corrupção. O que se pede do rei é decoro, o que possivelmente exige muitos sacrifícios da família real, a julgarpelos acidentes na Casa de Windsor. Esse, naturalmente, é o preço que a realeza deve pagar pelo seu status e pelas suas despesas de representação, que aliás ao contrário do que se pensa possuem valores inferiores à de muitas Presidências."
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Missa em memória do principe desaparecido na Igreja do Carmo - Rio de Janeiro



Legalize

No dia 4 de maio em cerca de 200 cidades em todo o mundo ocorreu a Marcha da Maconha. No Brasil a passeata foi realizada em Ipanema com início no Arpoador e teve até mesmo a presença do Ministro do Meio-Ambiente Carlos Minc.

- Por que um grupo cada vez maior de políticos e intelectuais – entre eles o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – defende a legalização do consumo pessoal de maconha ?

Fumar maconha em casa e na rua deveria ser legal ? Legal no sentido de lícito e aceito socialmente, como álcool e tabaco? O debate sobre a legalização do uso pessoal da maconha não é novo. Mas mudaram seus defensores. Agora, não são hippies nem pop stars. São três ex-presidentes latino-americanos, de cabelos brancos e ex-professores universitários, que encabeçam uma comissão de 17 especialistas e personalidades: o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, do Brasil, de 77 anos, e os economistas César Gaviria, da Colômbia, de 61 anos, e Ernesto Zedillo, do México, de 57 anos. Eles propõem que a política mundial de drogas seja revista. Começando pela maconha. Fumada em cigarros, conhecidos como “baseados”, ou inalada com cachimbos ou narguilés, a maconha é um entorpecente produzido a partir das plantas da espécie Cannabis sativa, cuja substância psicoativa – aquela que, na gíria, “dá barato” – se chama cientificamente tetraidrocanabinol, ou THC.

Na Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, reunida na semana passada no Rio de Janeiro, ninguém exalta as virtudes da erva, a não ser suas propriedades terapêuticas para uso medicinal. Os danos à saúde são reconhecidos. As conclusões da comissão seguem a lógica fria dos números e do mercado. Gastam-se bilhões de dólares por ano, mata-se, prende-se, mas o tráfico se sofistica, cria poderes paralelos e se infiltra na polícia e na política. O consumo aumenta em todas as classes sociais. Desde 1998, quando a ONU levantou sua bandeira de “um mundo livre de drogas” – hoje considerada ingenuidade ou equívoco –, mais que triplicou o consumo de maconha e cocaína na América Latina.

Outras drogas, como o tabaco e o álcool, matam bem mais que a maconha, mas são lícitas. Seus fabricantes pagam impostos altíssimos. O comércio é regulado e controla-se a qualidade. Crescem entre estudiosos duas convicções. Primeira: fracassou a política de proibição e repressão policial às drogas. Segunda: somente a autorregulação, com base em prevenção e campanhas de saúde pública, pode reduzir o consumo de substâncias que alteram a consciência. Liderada pelos ex-presidentes, a comissão defende a descriminalização do uso pessoal da maconha em todos os países. “Temos de começar por algum lugar”, diz FHC. “A maconha, além de ser a droga menos danosa ao organismo, é a mais consumida. Seria leviano incluir drogas mais pesadas, como a cocaína, nessa proposta”.

Os psiquiatras dizem que o usuário não pode ser considerado criminoso. O correto seria tratá-lo como alguém que pode ter problemas de saúde. “É óbvio que a maconha faz mal, mas quantas pessoas você conheceu que morreram por uso abusivo de maconha? Eu não conheço ninguém”, diz Magda Vaissman, pesquisadora do Programa de Ensino e Assistência ao Uso Indevido de Álcool e Drogas, do Instituto de Psiquiatria da UFRJ. “Mas casos de pessoas que morreram por beber ou fumar cigarros de forma abusiva existem aos montes”.

A pesquisa da Beckley Foundation relaciona ansiedade, paranoia e sintomas psicóticos entre os efeitos do uso da maconha em altas doses. Mas sustenta que as consequências para a saúde são menos danosas que as do álcool. Mais da metade dos brasileiros bebe.



A Maconha em alguns países:
Holanda – Foi o primeiro país a liberar o uso da maconha, em 1976. O consumo em bares especiais é liberado, mas a venda fora deles é proibida. Os consumidores de heroína não são presos, mas encaminhados para tratamento
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Alemanha, Espanha e Itália – descriminalizaram o uso da maconha recentemente. Como a Holanda, a Alemanha mantém programas de distribuição de seringas entre viciados em drogas injetáveis, para reduzir os casos de aids
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Inglaterra – Desde 2002 a maconha é considerada droga de baixo risco, que não leva à prisão. Mas, em 2008, o governo começou a estudar um novo endurecimento em sua política
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Dinamarca e Suíça – São tolerantes com o uso de maconha e, como a Holanda, mantêm programas de apoio a viciados em heroína
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Suécia – Tem uma lei conservadora, que não distingue a maconha das outras drogas. O consumo de qualquer droga é considerado perigoso e reprimido pela polícia
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Canadá e Austrália – Liberou o consumo da maconha e criaram até salas especiais para viciados em heroína
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Estados Unidos – Em alguns Estados, como Massachusetts, não é crime usar maconha. Em outros, como o Oregon, a maconha pode ser usada em tratamentos médicos. Mas a política nacional é de repressão
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China – Mantém uma política de tolerância zero. Os traficantes são condenados à morte e os viciados são obrigados por lei a seguir programa de desintoxicação



Budapeste

O filme baseado na obra de Chico Buarque é ótimo. As imagens são belíssimas, a direção é suave, os atores, a começar por Leonardo Medeiros, estão muito bem.
O enredo traduz para as telas, na forma de ação, reflexões próprias de nosso tempo, como a perda de identidade, a dificuldade de comunicação, a falsidade, o desmanche ideológico — simbolizado pelo lenta passagem de uma estatua de Lenin, desfeita em pedaços, numa barca pelo rio Danúbio.
Mas o final tem esperança.


O Mundo vai conseguir Evoluir ?

Os 192 chefes de estado ou de governo deverão se reunir nos dias 1, 2 e 3 de junho em Nova Yorque convocados pela ONU para discutirem a crise econômico-financeira e seus impactos sobre os diferentes países, especialmente sobre os pobres. Para prepará-la, o Presidente da Assembleia Miguel ‘Escoto Brockmann, ex-chanceler da Nicarágua, criou uma Comissão para a Reforma do Sistema Financeiro e Monetário Internacional constituída por 20 celebridades da economia e da politica sob a coordenação do prêmio Nobel de economia Joseph Stiglitz.

Os resultados já foram entregues e sabe-se mais ou menos os conteúdos principais. Como arco teórico, ético e humanístico que deve inspirar as novas medidas concretas é sugerida uma Declaração Universal do Bem Comum da Humanidade e da Terra, tarefa difícil de ser realizada por falta de tradição jurídica e social nesta área. Em seguida, se recomenda a criação de um Conselho Mundial de Coordenação Econômica, paralelo ao Conselho de Segurança, desdobrado em duas autoridades mundiais, uma que cuida da regulação financeira e a outra da concorrência na economia. Sugere-se uma reforma das instituições de Bretton Woods (FMI e Banco Mundial) e uma regionalização das instituições financeiras que apoiam os processos de desenvolvimento. Pede-se ainda que, uma vez ao ano, os chefes de estado ou de governo de todo o mundo se encontrem para discutir o estado da Terra e da Humanidade e tomar medidas coletivas.

O grande temor é que esta reunião mundial seja esvaziada pelas pressões dos principais membros do G-20, enviando apenas representantes diplomáticos ou ministros. Por detrás destas pressões estão duas maneiras diferentes de enfrentar a crise atual.

Uma é a do G-20 que se reuniu em Londres em abril. Fundamentalmente se propõe salvar o sistema econômico-financeiro imperante para que, no fundo, tudo funcione como antes, com certos controles mas com níveis razoáveis de crescimento, mesmo sacrificando o equilíbrio da Terra e perpetuando o escandaloso fosso entre ricos e pobres. O propósito é o mesmo: como ganhar mais com o mínimo de investimento, competindo no mercado e considerando o estresse da natureza e a pobreza como externalidades.

A outra é dos grupos altermundistas, presentes em todos os estratos sociais do mundo e, em parte, assumida pela Comissão da ONU. Trata-se de situar a crise econômica no conjunto das demais crises: a energética, a alimentária, a do aquecimento global, a da insustentabilidade do planeta (passamos em 40% a capacidade de reposição dos recursos naturais) e a social e humanitária (quase um bilhão de pessoas abaixo da linha da pobreza). Mais que salvar o sistema trata-se de salvar a humanidade, a vida ameaçada e o planeta em estado caótico. O propósito é como garantir o bem viver em harmonia com os outros e com a natureza, produzindo conforme os seus ciclos, com equidade social e com solidariedade generacional.

Sendo o problema global, as soluções devem ser bembém globais. O único órgão glabal que existe é a ONU e é ela que deveria coordenar os esforços coletivos de enfrentamento da crise e não o G-20. Este não possui delegação para representar os demais 172 países, vítimas da crise global, cujas vozes não são escutadas.

As crises não surgem em vão. Elas emergem daquela Energia de fundo, carrgada de propósito, que comanda o universo, a Terra e cada um de nós e que está exigindo um novo patamar de civilização, capaz de desenhar um outro futuro de esperança. Face a esta gravíssima situação notam-se duas limitações: a primeira, é dos economistas que, por ofício, tratam de economia mas possuem parca acumulação em ecologia; por isso, como se vê em todas as partes, não incluem a natureza em suas ponderações como se a Terra fosse inesgotável e estivesse em ordem, como não está. A segunda é dos chefes de estado: depois de séculos de racionalismo e de materialismo ficaram todos embotados. Não percebem as mensagens que o universo e a Terra, como superorganismo vivo, lhes estão enviando no sentido de uma transformação. Por sua falta de escuta, acontece o que dizia Gramcsi:”o velho resiste em morrer e o novo não consegue nascer”. E assim perdemos a chance, das últimas, para um novo começo. E nos atolamos em nossas próprias crises.

Frei Leonardo Boff