segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Melancolia



Melancólico apocalipse

O diretor Lars von Trier deixa de lado suas críticas ao estilo de vida americano e mergulha na alma humana em "Melancolia"

Depois de tratar de assuntos polêmicos na inacabada trilogia ironicamente intitulada “EUA, a Terra das Oportunidades”, que incluiu os filmes “Dogville” e “Manderlay”, o cineasta dinamarquês Lars von Trier resolveu falar sobre a complexidade da natureza humana em seu novo longa-metragem “Melancolia”, com estreia prevista no Brasil para a sexta-feira 5.

Aplaudido de pé e agraciado com a Palma de Ouro de melhor atriz para Kirsten Dunst no último Festival de Cinema de Cannes, o filme é dividido em dois momentos e foca a relação das irmãs Justine (Dunst) e Claire (Charlotte Gainsbourg) que passam a refletir sobre os rumos de suas vidas ao saberem que um estranho planeta pode se chocar contra a Terra a qualquer momento.

Enquanto o fim do mundo se aproxima, as personagens trocam de papel e Justine, a confusa, vai ganhando um ar de serenidade, enquanto Claire, a organizada, perde a cabeça aos poucos. O mesmo acontece com os seus respectivos maridos, Michael (Alexander Skarsgard) e John (Kiefer Sutherland).

“Melancolia” não é tão pesado quanto o trabalho anterior de Trier, “Anticristo”, mas não deixa de causar desconforto com suas situações constrangedoras em família – o discurso em pleno casamento feito pela pessimista tia Gaby (Charlotte Rampling) no qual ela diz que “a união do casal não daria certo” é um bom exemplo.

Outra mudança de estilo promovida pelo diretor foi ter deixado de lado a escuridão monocromática de seus trabalhos recentes. Optou pelo contrário. Usando como locação uma espécie de château com um vasto gramado onde se passa o casamento de Justine e Michael, o diretor contrasta o verde do campo aberto com a iluminação controlada de um estúdio de filmagens, conferindo densidade às cores em cena.Von Trier chegou a declarar que Justine, que sofre de depressão, seria seu alter ego. Polêmico, não bastou ser expulso de Cannes por comentários a favor do nazismo: ele agora anda prometendo que seu próximo filme será do gênero pornográfico para “se cercar de gente descomplicada”.

O cineasta Lars von Trier, diretor do filme "Melancolia", com estréia no Brasil na sexta -feira 5, deu a seguente esntrevista à jornalista Elaine Guerini da revista Isto É.

Elaine Guerini - Em que se inspirou para filmar o fim do mundo em "Melancolia" ?
Lars von Trier - A idéia inicial era escrever um filme para Penélope Cruz, que me procurou dizendo que queria trabalhar comigo. O primeiro tema que passou pela cabeça foi a depressão. Aí uma coisa puxou outra. Pesquisando sobre depressão, descobri que Saturno é o planeta da melancolia e depois cai em sites sobre colisões cósmicas.

Elaine Guerini - E porque Penélope Cruz não interpretou a personagem, que acabou sendo feita por Kirsten Dunst?
Lars von Trier - Porque ela preferiu atuar na franquia "Piratas do Caribe", em que ganharia muito mais dinheiro. Faz sentido, não ?

Elaine Guerini - Ficou ressentido com ela ?
Lars von Trier - Não. Entendo que ela queira atuar numa superprodução de Hollywood, mas não sei se terá outra chance comigo. Quando abandonou o fime disse que gostaria de tentar de novo. Tive de ser sincero e falei que nunca mais escreveria um papel exclusivo para ela.

Elaine Guerini - É verdade que o sr. está escrevendo um filme pornô, para rodar com astros dinamarqueses do gênero ?
Lars von Trier - Sim. Estou trabalhando na história de uma mulher que descobre a sua sexualidade. O título provisório é "A Ninfomaníaca". Depois de tudo que aconteceu em Cannes será melhor mesmo eu me cercar de gente descomplicada.

Elaine Guerini - Não é irônico o fato de "Melancolia" ter agradado a crítica ? Dessa vez foi o sr. quem desagradou ?
Lars von Trier - Sabe qual é o problema ? Diante de uma platéia, sempre me sinto na obrigação de entretê-la. Como tudo ia muito bem na coletiva, pelo fato de o filme ter sido bem recebido, comecei a falar besteira. A verdade é que todo mundo espera que eu fale algo provocativo.

Elaine Guerini - Os seus filmes chocantes já não bastam mais ?
Lars von Trier - Talvez não. A crise dos 50 anos está realmente mexendo comigo. Mas há um lado bom. Álcool, por exemplo. Se me perguntassem o que me deixava mais feliz há um ano e meio, eu responderia: uma garrafa de uísque escocês. Mas depois da filmagem de "Melancolia" parei de beber.

Elaine Guerini - O que deixa o sr, feliz ?
Lars von Trier - Sentir as páginas de um livro de Marcel Proust. Estou lendo o quinto livro da obra "Em Busca do Tempo Perdido" e estou fascinado pela forma como ele descreve as coisas.

Elaine Guerini - Gostaria de escrever livros ?
Lars von Trier - Ainda gosto de filmar. O problema é que o cinema anda preso demais ao roteiro. O que acho inspirador nos romances de Proust é o jeito como ele lentamente leva o leitor até o topo da montanha, e logo depois nos conduz ao vale, que nunca é tão interessante assim. Ficar entediado faz parte da existência.

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