sábado, 30 de julho de 2011

Divino Ócio

A santa preguiça

Se o nosso Macunaíma murmurou “ai, que preguiça…” ao nascer, o filósofo Albert Camus comentou que “são os ociosos que transformam o mundo, porque os outros não têm tempo”. Outras milhares de citações seriam possíveis porque a indolência frequentou a imaginação humana desde tempos imemoriais – e nem sempre com a conotação negativa que hoje a acompanha.

Em torno desse tema, o jornalista e filósofo Adauto Novaes organiza mais um dos seus famosos seminários, que atraem público grande nas cidades por onde passam e depois se transformam em livros de referência sobre o assunto. O ciclo de conferências Elogio à Preguiça será apresentado em quatro cidades do País: Rio, Belo Horizonte, São Paulo e Brasília, de 11 de agosto a 6 de outubro.

O time de palestrantes reúne nomes que já participaram de seminários anteriores, como Marilena Chauí, José Miguel Wisnik, Maria Rita Kehl e Jorte Coli; traz também “estreantes”, como os ensaístas Francisco Bosco e Guilherme Wisnik. “A gente mantém o núcleo inicial dos seminários, mas há também a preocupação de trazer os talentos mais jovens”, disse Novaes em conversa com o Estado.

A ideia deste seminário obedece a um pressuposto já presente nos anteriores: “Não devemos falar em crise da contemporaneidade, mas em mutação”, diz Novaes. O que não significa que os desafios sejam menos graves. Pelo contrário. Um dos grandes impasses contemporâneos, na era da técnica, se dá na questão do uso do tempo, daí o tema da preguiça, do ócio criativo, da pausa para pensar e refletir. “Não podemos esquecer Heidegger, que já via uma cisão entre a ciência/tecnologia e o pensamento”.

Quer dizer, a técnica é uma criação humana que, por paradoxo, volta-se contra o seu criador. “Havia a crença de que com as novas tecnologias, teríamos mais tempo livre para nos dedicarmos ao nosso aprimoramento não só como profissionais, mas como seres humanos; deu-se o contrário: nunca se trabalhou tanto como hoje”, comenta Novaes.

O trabalho na era da informática tende a ser full time, sem interrupções, sequer nos fins de semana. “As corporações dão aos seus executivos celulares, IPhones ou laptops, verdadeiros presentes de grego, pois essa parafernália permite que os funcionários sejam contatados a qualquer hora do dia, inclusive nos momentos de lazer”, diz. “O que houve foi uma apropriação total do tempo dos indivíduos pelo capitalismo contemporâneo”, continua Novaes. Fato de muitas consequências, como o sentimento de urgência permanente, o estresse, a desconstrução de si. Mais grave ainda: esse novo ethos capitalista se opõe frontalmente à experiência do pensamento e da reflexão.

Daí a preguiça, entendida como reapropriação desse tempo próprio, socialmente sequestrado, tornar-se um tema político. “Poderíamos até fundar uma Internacional da Preguiça”, brinca Novaes, lembrando que as estratégias para administração do tempo alheio são uma forma de dominação. “Em um texto inédito de Michel Foucault, ele estuda como o tempo é disciplinado pela Igreja, pelo capitalismo e pelos presídios”, diz. Trata-se de não deixar qualquer tempo livre aos indivíduos, pois seria por ele que as tentações, desordens e queda de produtividade poderiam vir a perturbar o bom andamento das coisas.

Por outro lado, uma das formas de controle seria estigmatizar a palavra. O preguiçoso torna-se um pária. Mas, lembra Novaes, essa noção é historicamente construída. “Na Grécia e Roma antigas, o ócio era nobre e o trabalho, vil”, lembra. Transformar a ociosidade em pecado, ou estigma social, é uma forma de culpabilizar os que ousam dispor do seu tempo livre. Ou seja, não passa de uma estratégia de dominação.

Essa desapropriação do tempo individual pode ter se exacerbado neste estágio do capitalismo, mas é algo que já preocupava pensadores do passado. Paul Lafargue, genro de Marx, escreveu um panfleto famoso, O Direito à Preguiça, no século 19. Mais recentemente, Paulo Valéry, no prefácio às Cartas Persas, de Montesquieu, lembrava que nenhuma civilização podia se organizar sem atenção “às coisas vagas”. Ou seja, ao pensamento reflexivo, crítico, à produção de obras de arte e inteligência, que dependem do tempo livre e da falta de necessidade de um objetivo ou prazo a cumprir. “Hoje ninguém mais se detém para pensar”, queixa-se Novaes.

Para bolar o seminário, Adauto reuniu os conferencistas durante cinco dias na cidade de Tiradentes, em Minas, para discutir os rumos da programação. “Foi muito duro, e todos se queixaram da amplitude da tarefa”, diz. Ou seja, falar da preguiça dá um trabalho danado.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

O Mal Estar


Extrema direita e fundamentalismo... lá e aqui
Estamos vendo um avanço do fundamentalismo de direita que une xenofobia, moralismo e conservadorismo, pautada em visões distorcidas da história, da religião, da cultura. Quando tudo isso se banha na frustração sexual, financeira, social, etc. pode virar uma arma letal!

É quando alguém não se contenta em ser ou não ser: é contra o outro não ser ou ser.
É quando alguém não se contenta consigo mesmo e quer que a sociedade se paute nos seus valores e na sua verdade.
Breivik, um fascista, sonha com uma identidade coletiva. Ele não combate o multiculturalismo coisa nenhuma! Ele combate é a liberdade.

Uma coisa é não ser... outra é ser CONTRA o que o outro é.

Discursos generalizantes e totalizadores que associam um fato a uma regra e daí justificam medidas de exceção e atos extremos.

Pensamento binário mais rasteiro impossível.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

A doença de ser normal

Na semana passada, li uma entrevista do professor José Hermógenes de Andrade Filho, uma lenda no mundo da ioga no Brasil. No texto, ele conta ter criado uma palavra – “normose” – para dar conta daquele que talvez seja o grande mal do homem contemporâneo. “Normose” seria a “doença de ser normal”. O professor explica: “Como diz o título de um documentário que fizeram sobre mim: ‘Deus me livre de ser normal!’. Pois, na dita normalidade em que vivemos, somos constantemente alimentados pelo que nos aliena de nós. Com isso, perdemos a noção das coisas, do sentido de nossa vida, deixando que o mundo interfira muito mais do que deveria. (...) Essa normalidade nunca esteve tão distante da verdade”.

A entrevista faz parte de uma coletânea de boas conversas com pessoas ligadas ao universo da espiritualidade – não necessariamente religiosa – no Brasil e no mundo, escrito em dois volumes pelo jornalista mineiro Lauro Henriques Jr., com o título “Palavras de poder” (LeYa, 2011). Ganhei os dois livros de uma pessoa especial na minha vida e por isso comecei a ler com curiosidade. Me deparei com a “normose” do professor Hermógenes. E fiquei instigada a pensar sobre ela.

No mesmo período, o psicanalista e romancista Contardo Calligaris fez na Flip, em Paraty, um comentário bem provocador: "Quando desistimos da nossa singularidade para descansar no comportamento de grupo, aí está a origem do mal. O grupo, para mim, é o mal."

Acredito que, por caminhos diferentes, Hermógenes e Calligaris nos estimulam a pensar em algo que vale a pena, que um chamou de “normose” e o outro de “comportamento de grupo”. Daqui em diante, enveredo pelas minhas reflexões a partir das provocações de ambos – que possivelmente sejam diversas do que eles pensaram ao propô-las. A responsabilidade, portanto, é minha.

No passado, a vida no Ocidente era determinada pela tradição. O destino de cada um era imutável, definido pela sua origem, pela categoria social a qual pertencia, e não havia dilemas sobre o que seria a sua passagem pelo mundo: se você fosse homem, seguiria os passos do pai; se fosse mulher, os da mãe. De todos era esperado o cumprimento de um roteiro previsível, que, se você nascesse homem, consistia em dar sequência aos negócios ou ao ócio da família, ou trabalhar para o mesmo patrão ou senhor do pai; e, se nascesse mulher, casar-se com alguém do mesmo nível social, em contratos arranjados previamente, reproduzir-se e cuidar da sua própria casa ou servir na casa em que a mãe serviu. Além disso, esperava-se que cada novo núcleo familiar seguisse a religião dos pais e participasse da comunidade do jeito de sempre, cada um no seu lugar determinado pelo estrato social.

A modernidade embaralhou tudo isso. E fomos, como disse Sartre, “condenados a ser livres”. É o preço que o indivíduo paga para ser indivíduo. Ainda que, em países desiguais como o Brasil, a classe social na qual se nasce influencie as chances que cada um vai ter, mesmo aqui estamos muito longe de ter o lugar cimentado da tradição do mundo de ontem. E cada governo democrático, se quiser garantir a continuidade de seu projeto no poder, precisa agora prometer trabalhar para igualar as bases de onde cada cidadão partirá para construir sua história. No mundo contemporâneo, cada um é o principal responsável pelas suas escolhas, pelos seus desejos e pelas suas desistências.

Embora existam muitos órfãos da tradição, suspirosos de nostalgia, penso que a prisão daquela vida determinada desde antes do nascimento era mais assustadora do que a liberdade de se estrepar que a modernidade nos deu. É verdade, porém, que para viver hoje é necessário um outro tipo de coragem, já que cada homem ou mulher virou em si um projeto em constante construção e desconstrução. Não é que não exista mais chão, mas ele é pantanoso, e cada um precisa escolher diante de um emaranhado de trilhas. E, se cada uma delas leva a lugares diferentes, é fato que nenhuma é segura.

É aí que a “normose” ou o “comportamento de grupo” se encaixa. Qual é o desafio de cada um de nós hoje? Desde que você não esteja na faixa da população em que toda energia e talentos são gastos na luta pela sobrevivência mais básica, o desafio que se impõe diante de cada um é a busca da sua singularidade. E esta é a busca de uma vida inteira. Não como se você tivesse uma essência que precisasse encontrar e, tão logo encontrada, estivesse tudo resolvido. Pelo contrário, esta procura leva à invenção de nós mesmos – e nunca está nada resolvido, já que sempre podemos nos reinventar. Não sem limites, mas às voltas com eles.

A proposta da modernidade e da ideia de indivíduo, muito mais libertária do que nossos antepassados amarrados pela tradição jamais sonharam, parece ótima. O problema é que dá uma angústia danada, já que, a rigor, não haveria ninguém para culpar por uma escolha equivocada ou porque o enredo que inventamos para a nossa vida saiu diferente do nosso desejo. Então, com medo de nos “enforcarmos nas cordas da liberdade”, como diz o ator Antônio Abujamra no programa “Provocações” (TV Cultura), em vez de nos arriscarmos a criar uma vida, nos responsabilizando por ela, aderimos à manada. E aqui, é importante deixar bem claro, não estou me referindo a lutas coletivas movidas por indivíduos unidos por suas singularidades, mas à adesão que implica se deixar possuir pelo grupo para não se arriscar a ser possuído por si mesmo.

Nesta adesão à manada, a “normose” ou o “comportamento de grupo” substituiria ilusoriamente o vazio deixado pela tradição. Com medo da liberdade e dos riscos inerentes a ela, muitos de nós colam no grupo. Seja ele do tipo que for: religioso, corporativo, profissional, cultural, intelectual, político, de orientação sexual ou até esportivo. Cada um deles garante, ainda que de forma muito mais frágil do que a tradição, um certo jeito de se comportar e de se vestir, um tipo de ambiente a frequentar, temas que merecem ser debatidos, gêneros de lazer e de viagens para as férias e para os fins de semana, crenças para compartilhar e até bens para adquirir. Um tipo de “normose” – que, paradoxalmente, mas com muita lógica, dentro do grupo é tratada como “diferentose”, já que, como coletivo, contrapõe as suas verdades a dos outros grupos, em geral vistos como inferiores ou limitados.

E como estas são as pessoas com quem se convive, torna-se meio inevitável namorar e ter filhos com gente da mesma turma. Assim como a tendência é reproduzir mais e mais os mesmos padrões e visão de mundo. Sem questionar, porque questionar possivelmente levaria a uma ação. E todos nós conhecemos gente, quando não nós mesmos, que prefere deixar tudo como está, ainda que doa, para não se arriscar ao desconhecido. É assim que muitos de nós abrem mão da época histórica mais rica de possibilidades de ser em troca de uma mercadoria bem ordinária: a ilusão de segurança. Mas, como sabemos, lá no fundo sentimos que algo está bem errado. Especialmente quando fica difícil levantar da cama pela manhã para seguir o roteiro programado.

Suspeito que o mal-estar contemporâneo tem muito a ver com não estarmos à altura do nosso tempo. No passado, havia “outsiders”, gente que desafiava a tradição para inventar uma outra história para si. Hoje, com a (bendita) falência da tradição, talvez o que se exija de nós seja que todos sejamos “outsiders” à nossa própria maneira – não no sentido de contrariar o mundo inteiro, mas de encontrar o que faz sentido para cada um, arriscando-se ao percurso tortuoso do desejo. Ciente de que, logo adiante, vamos perder o sentido mais uma vez e teremos de nos reinventar de novo e de novo, num processo contínuo de construção e desconstrução movido pela dúvida – e não pelas certezas.

Vivemos numa época de intenso movimento interno, em que se perder seja talvez o melhor caminho para se achar, mas nos agarramos à primeira falsa promessa como desculpa para permanecermos imóveis. Voltados sempre para fora e cada vez com mais pressa, porque olhar para dentro com a calma e a honestidade necessárias seria perigoso. Queremos garantia onde não há nenhuma, sem perceber que o imprevisível pode nos levar a um lugar mais interessante. Podemos finalmente andar por aí desencaixotados, mas na primeira oportunidade nos jogamos de cabeça numa gaveta com rótulo. Ainda que disfarçada de vanguarda.

Mas o que pode ser mais extraordinário do que inventar uma vida, ainda que com todas as limitações do existir? E que utopia pode ser maior do que nos igualarmos pela singularidade do que cada um é?

Acho que vivemos um momento histórico muito rico. Só precisamos de mais coragem. Como diz o professor Hermógenes, do alto dos seus 90 anos, “Deus (seja ele o que for – ou não – para cada um) me livre de ser normal!”.

Eliane Brum - Revista Época

"Ser igual é legal, ser diferente é melhor ainda" - anônimo

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Reabertura da Biblioteca de Niterói

Enfim uma boa notícia para Niterói. Após anos fechada, a Biblioteca Pública de Niterói foi restaurada e modernizada. Frequentei muito essa biblioteca na adolescência para realização de trabalhos escolares. Visitarei ainda esta semana - fica a poucos metros do meu trabalho - e farei algumas doações.


Biblioteca Pública de Niterói é inaugurada após restauração e modernização

A Secretária de Estado de Cultura, Adriana Rattes, representando o Governador do Rio de Janeiro, inaugurou nesta terça-feira (05/07) as obras de restauração, modernização e adequação da Biblioteca Pública de Niterói (BPN), realizadas com investimentos de cerca de R$ 7 milhões do governo do estado, em parceria com o Ministério da Cultura.

As novas instalações da biblioteca seguem o conceito das Bibliotecas Parque e combinam as características originais do seu espaço com a modernidade e a tecnologia de um novo conceito de biblioteca, proporcionando mais que um simples acesso à leitura. Seu acervo de livros, jornais, revistas, mapas, obras raras, enciclopédias e biografias foi atualizado. Além disso, estão à disposição do público DVDs, um milhão de músicas digitalizadas e acesso livre à internet em vários computadores.

A Superintendente da Leitura e do Conhecimento da SEC, Vera Saboya, declarou que, a partir de agora, a BPN vai ingressar num roteiro mais afinado com os modernos projetos das bibliotecas mundiais, voltado para o aprimoramento e a expansão do universo cultural do público de Niterói e do estado.






História

O prédio da Biblioteca Pública de Niterói, com cerca de 1500 m2 de área, foi construído no período de 1927-35, em estilo eclético, com inspiração neoclássica, conforme projeto do arquiteto Pietro Campofiorito, italiano que fincou raízes em Niterói, onde ajudou a fundar a Sociedade Fluminense de Belas Artes e a Escola Fluminense de Belas Artes. Por seu valor cultural e por conta do ambiente urbano que formava com o conjunto de prédios públicos implantado na Praça da República, o edifício da biblioteca foi tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (INEPAC).

Bauernfest 2011


quinta-feira, 7 de julho de 2011

Como Esquecer


Baseado no livro de Myriam Campello ("Como Esquecer - Anotações quase inglesas"), o longa conta a história de Julia (Ana Paula Arósio), uma professora de Literatura Inglesa, abandonada sem muitas explicações por sua companheira após um relacionamento de 10 anos.

Diante do tema árido e, de carona, também controverso por tratar-se de um amor homossexual, a possível polêmica recebe mais tempero com a presença de Hugo (Murilo Rosa), um viúvo gay, e Lisa (Nathalia Lage), uma jovem diante de duas perdas, sendo uma delas motivo até de debate político e religioso.

Como os três foram morar juntos, formaram uma espécie de "república dos inconsoláveis" e vão lidar de várias maneiras com as dificuldades afetivas. O problema é que, de mal com a vida, Júlia destila seu mau humor de maneira causticante, partindo de um desejo de vingança até a necessidade de sentir dor física para "encontrar (?!) a paz". E essa constante acidez do personagem, independente do sarcasmo com os Florais de Bach, o Feng Shui, entre outras "vítimas", pode ser indigesta para muito espectador.

Repleto de divagações e mergulhos mais cerebrais, com direito a citações de Virginia Woolf e da poetisa Emily Brontë. A narrativa verborrágica é atenuada pela interpretação convincente de Rosa e o humor do seu personagem. Destaque também para as bonitas cenas de nudez, em sua maioria, de bom gosto e sensuais.