sábado, 27 de fevereiro de 2010

Anomia Social - Robert K Merton

Social Structure and Anomie ("Estrutura social e anomia") é um artigo escrito pelo sociólogo norte-americano Robert K Merton como graduado de Harvard em 1936, que continuou a revisá-lo durante a década seguinte. Merton havia se perguntado o que causava a anomia, um estado em que, de acordo com Durkheim, o colapso dos padrões sociais ameaçava a coesão social. Num avanço que gerou muitas linhas de pesquisa, Merton sugeriu que havia probabilidade de ocorrer anomia quando aos membros da sociedade eram negados os meios de alcançar os próprios objetivos culturais que sua sociedade projetara, como riqueza, poder, fama ou esclarecimento. Entre as ramificações desse trabalho, encontram-se os próprios trabalhos de Merton sobre os limites dos desvios de comportamento e o crime.


O PENSAMENTO DE MERTON SOBRE A ANOMIA

Em 1938, Robert K. Merton, sociólogo americano, escreveu um artigo famoso de apenas dez páginas, que teve o mérito de estabelecer os fundamentos de uma teoria geral da anomia. O artigo foi posteriormente revisto e transformado pelo autor em sua obra clássica Teoria e Estrutura Sociais.
Partindo de uma análise da sociedade americana, Merton sustentou que em toda sociedade existem metas culturais a serem alcançadas, entendendo-se como tais os valores sócio-culturais que norteiam a vida dos indivíduos. Para atingir essas metas existem os meios, que são os recursos institucionalizados pela sociedade, aos quais aderem normas de comportamento. De um lado, metas sócio-culturais, de outro, meios socialmente prescritos para atingi-las.
Ocorre, no entanto, que os meios existentes não são suficientes nem estão ao alcance de todos, acarretando, assim, um desequilíbrio entre os meios e os objetivos a serem atingidos. Isso quer dizer que, enquanto todos são insistentemente estimulados a alcançar as metas sociais, na realidade apenas alguns poucos conseguem por ter ao seu dispor os meios institucionalizados.
Merton ilustra isso tomando como exemplo a meta mais importante da sociedade americana, sendo o sucesso na vida, nisto incluindo fortuna, poder, prestígio e popularidade. Mas quantos realmente têm condições para atingir essa meta? Apesar de fundada em objetivo da vida de todos, muito poucos podem alcançá-la em face da escassez dos meios institucionalizados, concentrados nas mãos de pequena parcela da sociedade. Disso resulta um desajustamento, um descompasso entre os fins sugeridos a todos e insistentemente estimulados, e os recursos oferecidos pela sociedade para alcançar aqueles objetivos.
Esse desequilíbrio entre os meios e as metas ocasionaria o comportamento de desvio individual (ou em grupo), pois o indivíduo no empenho de alcançar as metas que lhe foram sugeridas e não dispondo de meios para tal, buscaria outros meios, mesmo que contrários aos interesses sociais.



A- Tipos de Comportamento Identificados por Merton

- Conformista é a conduta que busca atingir as metas sociais através dos meios institucionalizados. Os adeptos desse comportamento estão de acordo com os meios e as metas sociais, respeitando assim as normas fixadas pela sociedade, podendo-se dizer a respeito deles que são positivos (+) quanto aos meios e também quanto às metas. É a conduta seguida pela grande maioria das pessoas na sociedade, inclusive pelos estudantes em geral, que buscam adquirir cultura etc. através do estudo regular.

- Inovacionista é a conduta que está de acordo com as metas sociais, porém, percebendo que os meios são insuficientes e não estão ao seu alcance, inova, buscando realizar as metas através de outros meios. Em outras palavras, o inovacionista está de acordo com as metas sociais, sendo positivo (+) quanto a elas, mas está contra os meios, sendo, portanto, negativo (-) neste ponto. Os inovacionistas adotam a teoria de que os fins justificam os meios, ainda que não sejam socialmente aprovados. Procuram vencer na vida sem fazer força.

- Ritualista é aquele que se conduz de forma justamente inversa ao inovacionista. Percebendo que as metas sociais são muito elevadas e os meios existentes insuficientes para atingi-las, o ritualista abdica das metas, apegando-se aos meios com tal importância que os transforma em fins. Há aqui uma verdadeira inversão de valores, pois as metas perdem a sua importância passando os meios para o primeiro plano. As normas de comportamento social são cumpridas pelo ritualista a todo preço e em qualquer circunstância, porque encontram nelas uma forma de realização pessoal, ainda que já estejam totalmente vazias de sentido, significado ou interesse social. É o caso de certas pessoas que se gabam de terem servido 30 ou mais anos na mesma repartição, nunca havendo se atrasado ou faltado ao serviço; porém, por outro lado, nada mudou por lá, nem se registrou nenhum progresso funcional nem sucesso em sua vida.
O ritualista, portanto, abandona as metas, perde de vista os fins, os objetivos, os valores sociais, e se apega às normas como se fossem sagradas, imutáveis, fazendo delas fins. E ainda que elas já estejam velhas, arcaicas, ultrapassadas, destituídas de qualquer valor ou utilidade social, continua a aplicá-las ou a observá-las como se nada houvesse mudado na sociedade, embora se encontre esta numa outra era, há mais de duzentos quilômetros por hora.
Pode-se apresentar o ritualista como sendo positivo (+) quanto aos meios, mas negativo (-) quanto às metas.

- Comportamento de evasão é aquele que se caracteriza pelo fato de abandonar as metas e os meios sociais. É negativo (-) quanto às metas e negativo (-) quanto aos meios. Percebendo que as metas sociais são muito elevadas e os meios, escassos, foge da sociedade, renunciando a tudo que ela oferece ou determina. Como acentuou Merton, os adeptos deste comportamento estão na sociedade, mas não são dela; vivem no meio social, mas a ele não aderem, ou dele retiram a adesão antes dada. Exemplo típico desse comportamento é o dos hippies, que consideram todos os valores sociais irrelevantes ou incapazes de realizar o bem-estar social.

- Tal como na evasão, o Comportamento de rebelião também está contra as metas e os meios sociais, podendo ser caracterizado como sendo negativo (-) quanto aos meios e negativo (-) quanto às metas. Não pára, porém, aí a inconformidade do comportamento de rebelião. Ao mesmo tempo que se opõe às metas e aos meios sociais por julgá-los excessivamente elevados e insuficientes, propõe estabelecimento de novas metas com a institucionalização de novos meios, razão pela qual ao mesmo tempo que é negativo (-) quanto às metas e meios, é também positivo (+). O propósito do comportamento de rebelião, portanto, é a derrubada dos meios e metas existentes, e o estabelecimento de novas metas, mais simples e ao alcance de todos, bem como de novos meios, mais abundantes e melhor distribuídos na sociedade. Objetiva, em síntese, uma nova estrutura social.

B. Comportamentos de Desvio

O primeiro comportamento, o conformista, não é de desvio, uma vez que os seus adeptos buscam as metas culturalmente prescritas através dos meios institucionalizados para atingi-las e com respeito habitual às normas para isso fixadas pela sociedade. É o tipo modal de comportamento, graças ao intenso condicionamento social exercido sobre o indivíduo, em especial nos grupos familiar e profissional.

Já os outros quatro tipos de comportamento são não-modais, contrários, de algum modo, aos padrões de metas culturais e meios institucionalizados para atingi-las: portanto, comportamento de desvio.

O ritualista se caracteriza como comportamento de desvio por apresentar abandono das metas sociais e inversão de valores quanto aos meios que são elevados ao primeiro plano. O indivíduo abandona e virtualmente rejeita os alvos estabelecidos pela sociedade em razão do fracasso efetivo ou em potencial, do medo do insucesso, do desencanto de desestímulo decorrente do desajuste entre os processos socialmente aprovados para alcançar as metas culturais. Enfim, por julgá-los inatingíveis, os fins sociais perdem a sua importância. A conduta ritualista passa a ser um valor em si mesmo, pois o cumprimento dos ritos estabelecidos pelos processos institucionalizantes adquire a dimensão e a importância de valor sócio-cultural. Cumprir de qualquer maneira os regulamentos ou as ordens recebidas, sem indagar da sua adequação àqueles valores e àquelas metas, é assim a conduta observada.

O ritualista torna-se grandemente prejudicial à sociedade quando se trata do comportamento adotado pelos homens públicos (administradores, legisladores etc.), que se recusam a fazer mudanças ou reformas sociais necessárias, mantendo velhas e arcaicas instituições ou disposições legislativas já sem nenhuma adequação às novas realidades sociais.

No comportamento de evasão também há desvio, porque ocorre a rejeição das metas culturais e dos valores que as sustentam, considerados todos irrelevantes ou incapazes de realizar o bem-estar humano, com a recusa de conformidade aos comportamentos socialmente estabelecidos. Prevalece, quanto às metas culturais, a atitude de que elas não valem a pena de coisa alguma; e quanto aos comportamentos sociais aprovados, despidos daquela motivação, não merecem observância. Os adeptos desse tipo de comportamento são um peso-morto na sociedade.

O comportamento de rebelião é o mais extremado de todos, tendo em vista que pretende a derrubada de todos os meios e metas sociais, substituindo-os por outros de maneira total e revolucionária; não se limita a aperfeiçoar instrumentos ou instituições, quer substituição total de todos os instrumentos e instituições com o fim de realizar uma mudança completa na sociedade. Normalmente se manifesta nos momentos de grandes crises sociais quando o desequilíbrio entre os meios e as metas se torna muito grande e insustentável. Assim foi na França, assim foi na Rússia, assim foi em Cuba, e assim continua sendo em nossos dias, em menor escala, com os movimentos dos sem terra, sem teto e outros.

Sem dúvida alguma, o inovacionista é o comportamento de desvio de maior freqüência na sociedade, razão pela qual deixamos a sua análise para o final. De certa forma, como bem observou Merton, a própria sociedade concorre para isso ao deixar de proporcionar, com a mesma generalidade com que estabelece as metas, os instrumentos prescritos ou admitidos para atingi-las; cria, assim, condições específicas para estimular o abandono ou a burla das normas socialmente fixadas para se atingir as metas culturalmente estabelecidas. As normas são abandonadas ou contornadas, num esforço do indivíduo para superar os obstáculos institucionais ou instrumentais, e atingir os alvos culturalmente estipulados por todo o sistema, através de meios não-convencionais.

Nesse desvio de comportamento estão retratadas todas as formas de delinqüência, desde a juvenil até a mais grave criminalidade, bem como as faltas disciplinares, a inobservância das regras de conduta social etc.

Há, entretanto, um aspecto positivo no comportamento inovacionista, que deve ser ressaltado. Referimo-nos àqueles casos de inovação que visam criar novos meios, mais eficientes para a realização dos objetivos sociais. Graças a esse espírito inovador temos hoje a luz elétrica, o motor a explosão e milhões de outras invenções que tantos benefícios trouxeram à sociedade e nos permitem chegar ao estágio de desenvolvimento científico.

Isso evidencia que nem todo comportamento inovacionista é necessariamente contrário à ética existente no grupo social, permitindo-nos, assim, fazer distinção entre conduta inovadora-criadora e conduta inovadora anti-social.

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