terça-feira, 31 de julho de 2012

PSDB quer censurar Blogs


Serra quer censurar blogs
por Marcos Coimbra

Uma das sabedorias antigas dos mineiros ensina que, na política, não existem gestos gratuitos. Todos têm consequência.
E não só para quem os pratica. Muitas vezes, os efeitos de um ato individual atingem correligionários e companheiros.
Podem, por exemplo, afetar de maneira ampla a imagem do partido a que pertencem. Mudam a percepção da sociedade a respeito de seus integrantes. Quando é para o bem, ótimo. Mas pode ser para o mal.
Nesses casos, o ônus é compartilhado. Todos pagam por ele. A decisão da Executiva Nacional do PSDB de recorrer à Justiça contra os “blogueiros sujos” que o criticam é um desses.
O verdadeiro inspirador da ação foi o candidato do partido a prefeito de São Paulo, mas suas consequências negativas não se circunscrevem a ele. O gesto de Serra alcança coletivamente os tucanos.
Em si, é apenas uma reação tola. Que expectativa de sucesso tem o ex-governador? Será que acredita que conduzir o PSDB a uma cruzada contra os responsáveis por blogs que antipatizam com ele redundará em alguma vantagem para sua candidatura?
Movido por sua insistência, o partido representou à Procuradoria-Geral Eleitoral para denunciar o “uso de recursos públicos” no financiamento de “blogs, sites e organizações” que funcionariam como “verdadeiras centrais de coação e difamação de instituições democráticas”.
Na prática, o que o PSDB pretende é que empresas e bancos estatais sejam proibidos de comprar espaço publicitário em blogs contrários ao partido e às suas lideranças. A argumentação de que é movido pelo zelo de proteger as instituições é fantasiosa. Aliás, sequer cabe aos partidos políticos esse papel.
O que Serra quer mesmo — e não é de hoje – é impedir a manifestação de seus adversários.
Talvez tenha se acostumado com a convivência que mantém com alguns veículos e comentaristas da nossa indústria de comunicação. De tanto vê-los defendendo seus pontos de vista e acolhendo suas opiniões, convenceu-se que os críticos não mereceriam lugar para se expressar.
O fascinante na argumentação é que não o incomoda (ou a seu partido) que existam “blogs, sites e organizações (?)” — bem como revistas, jornais e emissoras de televisão e rádio — que recebam investimentos em propaganda do setor público e façam oposição até agressiva ao governo.
Parece que acham isso natural e que tais aplicações se justificariam tecnicamente. Se determinado veículo tem leitores, não haveria porque excluí-lo do plano de mídia de uma campanha de interesse de um órgão ou empresa pública. Fazê-lo equivaleria a puni-lo por um crime de opinião.
Se vale para os órgãos de comunicação hostis ao governo e ao “lulopetismo”, por que não se aplicaria no caso inverso? Seria errado anunciar em blogs com visitação intensa, apenas porque seus responsáveis não simpatizam com os tucanos?
Ou Serra e seu partido aplaudiriam se o governo proibisse que seus órgãos comprassem espaço publicitário na imprensa oposicionista?
A decisão sobre a alocação dessas verbas pode ser questionada com base em critérios objetivos: tem determinada emissora suficiente audiência para cobrar seus preços? Aquele jornal tem a circulação que afirma? O blog ou site em questão tem volume relevante de acessos?
Fora disso, é apenas castigar — ou querer castigar — quem tem opinião diferente.
Engraçado lembrar o destaque que o PSDB e suas figuras de proa, como Fernando Henrique, veem dando à internet na discussão do futuro do partido. Tomara que não pensem como Serra: que na internet só podem ficar os “limpos” — que os que o aplaudem, pois os “sujos” — que o questionam – devem ser banidos.

Solidão S.A.

Que me desculpem os desesperados, mas solidão é fundamental para viver. Sem ela não me ouço, não ouso, não me fortaleço. Sem ela me diluo, me disperso, me espelho nos outros, me esqueço. Não penso solto, não mato dragões, não acalanto a criança apavorada em mim, não aquieto meus pavores, meu medo de ser só. Sem ela sairei por aí, com olhos inquietos, caçando afeto, aceitando migalhas, confundindo estar cercado por pessoas com ter amigos. Sem ela me manterei aturdido, ocupado, agendado só para driblar o tempo e não ter que me fazer companhia. Sem ela trairei meus desejos, rirei sem achar graça, endossarei idéias tolas só para não ter que me recolher e ouvir meus lamentos, meus sonhos adiados, meus dentes rangendo. Sem ela, e não por causa dela, trocarei beijos tristes e acordarei vazio em leitos áridos. Sem ela sairei de casa todos os dias e me afastarei de mim, me desconhecerei, me perderei. Solidão é o lugar onde encontro a mim mesmo, de onde observo um jardim secreto e por onde acesso o templo em mim. Medo? Sim. Até entender que o monstro mora lá fora e o herói mora aqui dentro. Encarar a solidão é coisa do herói em nós, transformá-la em quietude é coisa do sábio que podemos ser. Num mundo superlotado, onde tudo é efêmero, voraz e veloz a solidão pode ser oásis e não deserto. Num mundo tão estressado, imediatista, insatisfeito a solidão pode ser resgate e não desacerto. Num mundo tão leviano, vulgar, que julga pelas aparências e endeusa espertalhões, turbinados, boçais a solidão pode ser proteção e não contágio. Num mundo obcecado por juventude, sucesso, consumo a solidão pode ser liberdade e não fracasso. Solidão é exercício, visitação. É pausa, contemplação, observação. É inspiração, conhecimento. É pouso e também vôo. É quando a gente inventa um tempo e um lugar para cuidar da alma, da memória, dos sonhos; quando a gente se retira da multidão e se faz companhia. Preciso estar em mim para estar com outros. Ninguém quer ser solitário, solto, desgarrado. Desde que o homem é homem, ou ainda macaco, buscamos não ficar sozinhos. Agrupamo-nos, protegemo-nos, evoluímos porque éramos um bando, uma comunidade. Somos sociáveis, gregários. Queremos amigos, amores. Queremos laços, trocas, contato. Queremos encontros, comunhão, companhia. Queremos abraços, toques, afeto. Mas, ainda assim, ouso dizer: é preciso aprender a estar só para se gostar e ser feliz. O desafio é poder recolher-se para sair expandido. É fazer luz na alma para conhecer os seus contornos, clarear o caminho e esquecer o medo da própria sombra. Ouse a solidão e fique em ótima companhia.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

A Venezuela que você não verá na Globo


POR QUE OS VENEZUELANOS SÃO O POVO MAIS FELIZ DA AMÉRICA DO SUL
Por PAULO NOGUEIRA


Me interesso muito pelas listas de felicidade nos países mundo afora. Em geral, elas combinam dados sociais e entrevistas nas quais um grupo representativo de pessoas diz qual é seu grau de felicidade numa escala de 1 a 10.
Foi ao ver uma delas, em que a Dinamarca estava na ponta e seus vizinhos nas primeiras colocações, que acabei conhecendo pessoalmente a Escandinávia. Era 2009, e fui para Copenhague para entender o que estava por trás da satisfação dos dinamarqueses. Fiz uma reportagem para a Época, da qual era então correspondente.
Bem, de lá para cá, sempre que posso vou à Escandinávia. Agora mesmo, poucos dias atrás, estive na Noruega e na Dinamarca em missões jornalísticas.
O modelo escandinavo é a coisa mais fascinante que encontrei na Europa. Combina as virtudes do capitalismo com as do socialismo de uma maneira extremamente bem sucedida.
Repare. Em todas as listas relativos a avanço social, a Escandinávia domina.

Bem, fiz este intróito porque outro dia vi uma lista da Gallup que colocava os venezuelanos como o quinto povo mais feliz do mundo.
Um levantamento da universidade americana de Columbia e chancelado pela ONU trouxe também os venezuelanos numa situação invejável: o povo mais feliz da América do Sul.
Como? Mas não é um inferno a Venezuela? Chávez não é o Satã?
Como curioso que sou, fui pesquisar para tentar entender.
Fui dar num estudo feito por um instituto americano chamado CEPR, baseado em Washington: “A Economia Venezuelana nos anos de Chávez”. O CEPR jamais poderia ser desqualificado como “chavista”.
E então fico sabendo coisas como essas:

1) Em 1998, quando Chávez assumiu o poder, havia 1628 médicos para uma população de 23,4 milhões. Dez anos mais tarde, eram quase 20 000 médicos para uma população de 27 milhões.
2) Os gastos sociais subiram de 8,2% do PIB, em 1998, para quase 14%. “Se comparamos a taxa de pobreza pré-Chávez (43,9%) com a registrada dez anos depois (27,5%), chegamos a uma queda de 37% no número de venezuelanos pobres”, afirma o estudo.
3) O índice de desemprego, que era de 19% em 1998, caiu pela metade.
No trabalho, os autores notam que a percepção entre os americanos sobre a Venezuela de Chávez é ruim. Motivo: a cobertura enviesada da mídia. E, com números, desmontam o mito de que o segredo do avanço da Venezuela está no petróleo e apenas nele.



Mas eu queria saber mais.
Dei no site do Jazeera, uma emissora árabe bancada pelo Catar que faz jornalismo de primeira qualidade. O Jazeera traz vozes que você não costuma encontrar na imprensa brasileira, e isso ajuda você a entender melhor o mundo.
Vi um programa jornalístico cujo título era: “Os venezuelanos estão melhor sob Chávez?” Como sempre, o Jazeera colocou especialistas com visão diferente. Um comentarista americano criticou o “espírito de mártir” de Chávez.
Mas os dados objetivos ninguém contestou. A mortalidade infantil diminuiu, a expectativa de vida aumentou, o número de universitários cresceu e as crianças venezuelanas testão indo à escola numa quantidade sem paralelo na história do país.
Um consultor americano de empresas interessadas em investir no exterior disse: “Quem quer que queira se eleger na Venezuela vai ter que dar prosseguimento aos programas sociais”.
Problemas? Muitos. Criminalidade alta, pobreza e desigualdade ainda elevadas. Mas atenção: os problemas antes eram muito maiores. (Vale a pena ver o premiado documentário do jornalista australiano John Pilger, radicado na Inglaterra, sobre o papel dos Estados Unidos na América do Sul. O nome é Guerra contra a Democracia. Ele está disponível, em fatias, no YouTube, com legendas em português. Pilger visitou a Venezuela e entrevistou Chávez.)
Da imersão em Venezuela, compreendi por que Chávez é tão popular – e por que seu maior adversário nas eleições futuras é, na verdade, o câncer.

Paulo Nogueira é jornalista e está vivendo em Londres. Foi editor assistente da Veja, editor da Veja São Paulo, diretor de redação da Exame, diretor superintendente de uma unidade de negócios da Editora Abril e diretor editorial da Editora Globo.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Porque os Estados Unidos Fracassaram


Resenha do livro Porque os Estados Unidos Fracassaram
Paulo Nogueira

Morris Berman, 67 anos, é um acadêmico americano que vale a pena conhecer.
Acabo de ler “Por Que os Estados Unidos Fracassaram”, dele. A primeira coisa que me ocorre é: tomara que alguma editora brasileira se interesse por este pequeno – 196 páginas — grande livro.
A questão do título é respondida amplamente. Você fecha o livro com uma compreensão clara sobre o que levou os americanos a um declínio tão dramático.
O argumento inicial de Berman diz tudo. Uma sociedade em que os fundamentos são a busca de status e a aquisição de objetos não pode funcionar.
Berman cita um episódio que viu na televisão. Uma mulher desabou com o rosto no chão em um hospital em Nova York. Ela ficou tal como caiu por uma hora inteira, sob indiferença geral, até que finalmente alguém se movimentou. A mulher já estava morta.
“O psicoterapeuta Douglas LaBier, de Washington, tem um nome para esse tipo de comportamento, que ele afirma ser comuníssimo nos Estados Unidos: síndrome da falta de solidariedade”, diz Berman. “Basicamente, é um termo elegante para designar quem não dá a mínima para ninguém senão para si próprio. LaBier sustenta que solidariedade é uma emoção natural, mas logo cedo perdida pelos americanos porque nossa sociedade dá foco nas coisas materiais e evita reflexão interior.”
Berman afirma que você sente no ar um “autismo hostil” nas relações entre as pessoas nos Estados Unidos. “Isso se manifesta numa espécie de ausência de alma, algo de que a capital Washington é um exemplo perfeito. Se você quer ter um amigo na cidade, como Harry Truman disse, então compre um cachorro.”


O americano médio, diz ele, acredita no “mito” da mobilidade social. Berman nota que as estatísticas mostram que a imensa maioria das pessoas nos Estados Unidos morrem na classe em que nasceram. Ainda assim, elas acham que um dia vão ser Bill Gates. Têm essa “alucinação”, em vez de achar um absurdo que alguém possa ter mais de 60 bilhões de dólares, como Bill Gates.
“Estamos assistindo ao suicídio de uma nação”, diz Berman. “Um país cujo propósito é encorajar seus cidadãos a acumular mercadorias no maior volume possível, ou exportar ‘democracia’ à base de bombas, é um navio prestes a afundar. Nossa política externa gerou o 11 de Setembro, obra de pessoas que detestavam o que os Estados Unidos estavam fazendo com os países delas. A nossa política (econômica) interna criou a crise mundial de 2008.”
A soberba americana é sublinhada por Berman em várias situações. Ele cita, por exemplo, uma declaração de George W Bush de 1988: “Nunca peço desculpas por algo que os Estados Unidos tenham feito. Não me importam os fatos.” Essa fala foi feita pouco depois que um navio de guerra americano derrubou por alegado engano um avião iraniano com 290 pessoas a bordo, 66 delas crianças. Não houve sobreviventes.
Berman evoca também a Guerra do Vietnã. “Como entender que, depois de termos matado 3 milhões de camponeses vietnamitas e torturado dezenas de milhares, o povo americano ficasse mais incomodado com os protestos antiguerra do que com aquilo que nosso exército estava fazendo? É uma ironia que, depois de tudo, os reais selvagens sejamos – nós.”
Você pode perguntar: como alguém que tem uma visão tão crítica – e tão justificada – de seu país pode viver nele?
A resposta é que Berman desistiu dos Estados Unidos. Ele vive hoje no México, que segundo ele é visceralmente diferente do paraíso do narcotráfico pintado pela mídia americana — pela qual ele não tem a menor admiração. “Mudei para o México porque acreditava que ainda encontraria lá elementos de uma cultura tradicional, e acertei”, diz ele. “Só lamento não ter feito isso há vinte anos. Há uma decência humana no México que não existe nos Estados Unidos.”